Quarenta
anos do fim da ditadura
A emblemática eleição pelo
Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, de Tancredo Neves representou uma
pá de cal para o cadáver insepulto como já era o regime de 1964. Contudo, o
aparelhamento do Estado pelas milícias e esquadrões paramilitares durante 21
anos representou uma ameaça velada que sobreviveu por 33 anos até golpear
acintosamente Dilma Rousseff em 2016 e
perseguir e prender Lula em 2018. É hora de exorcizar esse fantasma.
15 de janeiro de 1984. O Brasil assiste ao vivo e
em cores o fim de uma noite de 21 anos, perversa e terrorista, imposta ao povo
brasileiro em nome da ‘democracia’, da baioneta e dos casuísmos; da censura e
do medo; da tortura e dos desaparecimentos; das eleições indiretas, dos ‘senadores
biônicos’ e das nomeações de prefeitos de capitais, de ‘áreas de segurança nacional’
e de ‘estâncias hidrominerais’.
O Colégio Eleitoral, uma invencionice do regime
para burlar a soberania popular -- do voto direto, secreto e universal --, foi o
cenário em que o governador mineiro Tancredo de Almeida Neves e o senador
maranhense José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, aliás José Sarney,
representando a Aliança Democrática (coligação PMDB-PFL), empreenderam uma acachapante derrota sobre o candidato do regime,
Paulo Salim Maluf e Flávio Portela Marcílio (PDS), 72,7% para a Oposição contra
27,3% para o regime.
Em números absolutos, foram 480 votos para Tancredo
contra 180 para Maluf. Embora a sensação de frustração por não ter sido por
meio de eleições diretas a derrota da ditadura, a vitória de Tancredo sobre
Maluf representou um alívio para a sociedade civil, já farta do casuísmo
recorrente de um regime que mal conseguia se manter. Articulada por Ulysses
Guimarães, a Aliança Democrática foi um movimento de continuidade à mobilização
pelas Diretas-já de Dante de Oliveira, derrotada sob a presidência de Flávio
Marcílio da Câmara Federal, mais tarde vice de Maluf no Colégio Eleitoral.
A Aliança Democrática não apenas avalizou a chapa
Tancredo-Sarney, mas uma agenda política comprometida com o fim do chamado ‘entulho
autoritário’, como a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, realização
de eleições municipais ainda em 1985 nas capitais e cidades de interesse da
segurança nacional e estâncias hidrominerais, entre outras bandeiras, como liberdade
de organização sindical e partidária, pondo fim à proibição de funcionamento de
partidos como o PCB e o PCdoB.
Com a frustração decorrente da doença de Tancredo
Neves e seu impedimento na posse, José Sarney assumiu todos os compromissos
pactuados pela Aliança Democrática, tendo, inclusive, mantido os ministros
nomeados pelo presidente eleito. Em gesto emblemático, Sarney pediu a Ulysses
Guimarães e a José Fragelli, respectivos presidentes da Câmara dos Deputados e
do Senado Federal, ambos do PMDB, o apoio para governar sob o legado de
Tancredo Neves e as consignas do maior partido de oposição ao regime -- gesto
que conquistou o apoio da maioria da população brasileira nos primeiros anos de
governo.
O Plano Cruzado e a posterior moratória brasileira
ao Fundo Monetário Internacional foram momentos relevantes conquistados pelo
governo de Sarney, quando sua aceitação popular atingiu índices
extraordinários. No entanto, as elites se entrincheiraram e fizeram de tudo
para pôr o Plano Cruzado abaixo, com a participação de pemedebistas, como o
senador Orestes Quércia, declaradamente contrário a qualquer possibilidade de
que o maior líder do PMDB, Ulysses Guimarães, visse a possibilidade de ser
candidato à Presidência da República em 1989.
ASSEMBLEIA CONSTITUINTE
O ponto alto da Nova República, como foi chamada a
transição da ditadura para o Estado Democrático de Direito sob a égide da nova
Carta Constitucional, foi a Assembleia Nacional Constituinte, presidida pelo
Deputado Ulysses Guimarães e, por iniciativa dele, aberta à participação
popular. Foi um período muito rico da cidadania brasileira, pois temas caros
para as classes trabalhadoras e para as camadas populares foram introduzidos em
debate memorável, talvez único na história do Brasil.
A definição da democracia como cláusula pétrea e
todos os incisos constantes do Artigo 6º fizeram da Constituição de 1988 uma
conquista civilizacional, bem como a implantação de políticas públicas nas
áreas da saúde, educação, cultura, assistência social, direitos humanos,
direitos da criança e do adolescente, da pessoa com deficiência, do idoso, da
mulher, do negro, do indígena, do imigrante, do migrante, do sem-terra, do
sem-teto, do desempregado, da população em situação de rua, dos trabalhadores
em situação de vulnerabilidade, da economia popular e solidária, da função
social da terra, do consumidor etc.
Enquanto em todo o Brasil, inclusive em Corumbá e
Ladário, os setores organizados da sociedade civil comemoravam os avanços
institucionais, os saudosos da ditadura e de todos os casuísmos por ela paridos
se organizavam acintosamente, a ponto de a candidatura de um filhote da
ditadura como Fernando Collor de Mello, bancado pelas oligarquias nacionais e
antipopulares, ter sido sagrada vitoriosa no primeiro pleito eleitoral
pós-1964. Artificial e totalmente carente de lastro popular e de consistência
temática, o mandato de Collor de Mello foi abreviado por meio do primeiro
impeachment da história política do país.
Ao assumir, em setembro de 1992, o até então
vice-presidente Itamar Galtiero Franco a Presidência da República, constituiu
um gabinete ministerial pluripartidário em que todas as forças democráticas do
país estavam representadas, inclusive os até então proscritos PCB e PCdoB.
Itamar, que fizera parte do setor autêntico do PMDB na luta contra o regime de
1964, priorizou um conjunto de metas para fortalecer agenda democrática, abalada
pelo meteórico e corrupto governo de Collor de Mello.
Nessa leva, o Sociólogo Herbert de Souza, Betinho,
e Dom Mauro Morelli, Arcebispo de Nova Iguaçu e São João de Meriti, foram
nomeados sem ônus para o erário coordenadores do Conselho Nacional de Segurança
Alimentar (Consea). Daí surgiram as políticas pioneiras contra a fome, por meio
da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, que replicou em todo
o território nacional, inclusive Corumbá e Ladário, por meio de Dom José Alves da
Costa, Padre Pasquale Forin, Pastor Marcelo Moura, Padre Ernesto Saksida,
Pastor Fernando Sabra Caminada, Irmã Antônia Brioschi, Pastor Antônio Ribeiro
de Souza, Irmã Aurélia Brioschi, Padre Antônio Cipriano Müller, Pastor Cosmo
Gomes de Souza, Padre Emilio Zuza Mena, Irmã Zenaide Britto, Seu Zózimo de
Paula, Professora Maria de Paula e Dona Rose de Paula.
AS E OS ‘DO ARMÁRIO’
Contudo, aos poucos os recalques foram saindo do
armário. Quando democratas não tão convictos, a despeito de descenderem de
grandes democratas brasileiros como Tancredo Neves, começaram a investir em
novos mecanismos golpistas, com o beneplácito de fortes grupos vinculados à
elites rentistas -- isto é, parasitárias -- do país com sede na Avenida Faria
Lima de São Paulo, a caixa de Pandora foi aberta e espectros nefastos começaram
a ganhar popularidade, como o inominável e a quadrilha da ‘Leva Jeito’, de
triste memória.
Eis que entre 2014 e 2018
foram sendo orquestrados acordes nada criativos, com base em um falso moralismo.
Antipatrióticos, nocivos aos interesses nacionais e cultores do pior da
extrema-direita tupiniquim, juntaram-se para perseguir Lula e destituir Dilma
recorrendo a velhos estratagemas nada inteligentes, todos eles devidamente
denunciados, graças à determinação de Jornalistas como Mino Carta, Luis Nassif,
Bob Fernandes, Mauro Lopes, Leonardo Atuch, Luiz Carlos Azenha, Chico Pinheiro,
José Arbex, Juca Kfouri, Fernando Morais e o saudoso Paulo Henrique Amorim.
Coube a Jornalistas de verdade revelar a
conspiração que se fazia à luz do dia contra o maior Estadista que o Hemisfério
Sul foi capaz de oferecer para a humanidade nos últimos 500 anos. Demonstrou-se com fidalguia o que se preparava e o que foi
feito nestes nada generosos anos de golpismo, entre 2016 e 2022. E assim se
escancarou a grande farsa, de agora e de 40 anos atrás. Senão vejamos.
Em nome da ‘liberdade’, impôs-se a opressão; em
nome do patriotismo, impôs-se entrega desavergonhada e cínica das riquezas
nacionais; em nome do combate à inflação, fez-se a maior concentração de renda,
fazendo com que banqueiros iniciassem o ciclo inacabado de superávits
sucessivos há 61 anos, como que o Estado devesse obrigações com a elite
rentista, essa mesma que há algum tempo está na Faria Lima e conspira
incessantemente contra o Estado Democrático de Direito, desde a época do Plano
Cruzado.
Desde 1981, o regime de 1964 já não conseguia se
sustentar, tamanhas as fissuras entre a elite cada vez menor que o mantinha mal
e porcamente na UTI da política nacional. O que servira de pretexto para apear
do cargo o presidente constitucional João Belchior Marques Goulart, o Jango --
corrupção, inflação descontrolada, ingovernabilidade e a tal ‘ameaça comunista’,
mesmo sendo fazendeiro de família endinheirada do Rio
Grande do Sul --, era o que vinha ocorrendo desde que o general Ernesto Geisel
escancarara em 1975, quando pediu para o seu ministro da Fazenda Mário Henrique
Simonsen abrir a ‘caixa preta’ e expor os banqueiros que desviaram horrores
durante o ‘milagre econômico’, conduzido mercadologicamente pelo general Emílio
Garrastazu Médici e seus dois superministros, da Fazenda Antônio Delfin Neto e
do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso, este que foi o que mais tempo
permaneceu nesse cargo, por dez longos anos.
Ahmad
Schabib Hany
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