terça-feira, 29 de dezembro de 2020

A VERDADE QUE TEIMA NOS TEMPOS DE PÓS-VERDADE...

A verdade que teima nos tempos de pós-verdade...

2020 entra para a história como o ano em que muitos mitos caíram por terra, talvez numa avalanche maior e mais intensa que durante o período da queda da União Soviética, comemorada pelos órfãos das ditaduras e combatentes arrependidos. Apesar das fake news, em que negacionistas se uniram à horda de cultores do racismo e do fascismo, o fio tênue da verdade sob o fogo cerrado do obscurantismo começou a raiar sobre as consciências dos cidadãos do mundo. Que 2021 permita o novo tempo tão acalentado pelas gerações que lutaram por um mundo igualitário e mais justo...

Nem os geniais roteiristas e diretores dos tempos de ouro do cinema imaginaram um cenário de tragédias com as características deste ano que vai partindo e que leva consigo milhões de vidas, sonhos e lutas de pessoas célebres e anônimas de todo o Planeta, além das outras vidas consumidas pelas labaredas em diversos biomas.

Não foi só a pandemia de covid-19. Os incêndios criminosos no Pantanal, na Amazônia e em tantos outros biomas, cujos estragos ainda não foram contabilizados. E dificilmente serão, a despeito do esforço de generosos voluntários que caminham com a ciência, enquanto pusilânimes ocupam os mais altos cargos de uma nação que um dia não muito distante ousou ser alvissareiro modelo de potência de paz e justiça social...

O que vi de gente arrependida por ter contribuído, por ação ou omissão, para a ascensão desta caricata figura que só vergonha e constrangimento vem causando no concerto das nações... Pena que arrependimento não conserte seus estragos, irreversíveis em sua totalidade. E, pior, a horda que com ele passou a agir pelos quatro cantos deste país de dimensões continentais: fundamentalistas, racistas, misóginos, homofóbicos, fascistas etc.

Winston Churchill, o premiê britânico que lutou ao lado de Joseph Stalin contra Adolf Hitler na Segunda Grande Guerra, era conservador, mas nem por isso deixou de pôr seus soldados no combate, lado a lado, do Exército Vermelho e derrotar o nazifascismo. Sem a participação dos soldados soviéticos, as principais forças do Eixo em território europeu não teriam sido fragorosamente derrotadas.

Mas essas experiências, tão recentes e impactantes na história da humanidade, são ignoradas pelos negacionistas e demais obscurantistas que, como saídos da caixa de pandora, relativizaram os fatos, revisaram a história para tomar de assalto os destinos desta e de outras nações.

Felizmente nem o pai de todas as fakes, Donald Trump, escapou de ser mandado para o lixo da história...

Aliás, a capacidade de resistência, tenacidade e luta demonstrada pelo Povo Boliviano (em maiúsculas), que empreendeu uma derrota acachapante aos golpistas assassinos, permite, no mínimo, uma reflexão: enquanto as camadas supostamente instruídas do Brasil demonstram, senão preconceito, falta de memória pelo período de crescimento, distribuição de renda e afirmação soberana durante os anos de bonança dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Vana Rousseff, sem titubeio a expressiva maioria da população da Bolívia soube dar o “não rotundo”, no dizer do saudoso Leonel Brizola, aos “filhotes da ditadura” e os processa judicialmente pelos danos causados às pessoas perseguidas e aos cofres do país.

Sem margem a dúvidas, 2020 foi cenário de cenas dantescas. Mais que tsunami, o mundo foi varrido pela virulência de um vírus que serviu de alerta para toda a humanidade e pela intensidade das labaredas que literalmente queimaram a diversidade de biomas únicos. A ciência, sempre a ciência e a consciência de quem lida com ela, trouxe a paz, a esperança e a possibilidade de cura, ainda que a horda de obscurantistas, sobretudo, negacionistas, propaguem seus delírios irresponsáveis para desacreditar na única opção capaz de salvar o processo civilizatório.

O importante é que mitos como Trump e sua versão tupiniquim estejam desabando, ainda que seus estragos sejam irreversíveis. Com eles, o deus-mercado também começa a desabar, à revelia dos grandes conglomerados e suas redes “jornalísticas” insistam na negação. A maior prova é a de que, assim como a ciência, a medicina (ou a saúde) não é mercadoria, não tem preço. No Brasil, como em quase a totalidade dos países, o sistema único (ou público) de saúde se reafirmou como a salvação da vida de todos.

A falácia canalha da “democracia racial” também não resistiu aos fatos, ou melhor às tragédias. Não bastasse o assassinato por asfixia de George Floyd nos EUA, a morte, no Brasil, do menino Miguel Otávio Santana da Silva em Recife e do cidadão João Alberto Silveira Freitas em Porto Alegre, entre outros anônimos, põe por terra o mito de que não há racismo no país.

Outra cafagestagem que desmoronou é a dicotomia mentirosa da vida versus economia, isto é, do mito do antagonismo entre a saúde e o trabalho. Aliás, neste ano ficou claro, como a luz do dia, que a economia de mercado faz mal para a saúde, para a vida das pessoas. Daí a intensidade da propaganda neoliberal de que é possível enfrentar a covid-19 graduando as atividades econômicas. Hoje sentimos o resultado dessa falácia: seja ou não uma “segunda onda”, o fato é que as vítimas da pandemia vêm aumentando apesar do discurso dos políticos situacionistas de que a economia não pode ser “sacrificada” (sic) pela proteção da vida, da saúde das pessoas.

Mentira cabeluda, mesmo, foi aquela endossada por ninguém menos que, do alto do cargo mais importante, antes de afirmar em eventos oficiais deveria checar seus dados nos órgãos governamentais. Como de hábito, teve a imprudência de atribuir aos povos da floresta e originários a autoria dos incêndios criminosos que órgãos ambientais e policiais constataram ter sido de autoria de garimpeiros, madeireiros e grileiros (aliados do atual governante) para expandir as terras para criação de gado e soja. Falou o que quis, ouviu o que não gostou, mundo afora...

Como nunca, nestes tempos de pós-verdade, a verdade teima em ser notada, a despeito de tanta adversidade. Nada como uma velha consigna da esquerda marxista nos tempos imemoráveis da resistência à ditadura: “A prática, e somente a prática, é o critério da verdade.”

Tal qual fênix a renascer das cinzas - não só pela pandemia, nem pelas labaredas, nem pela política de terra arrasada -, nossa esperança militante, insistentemente militante, se sobrepõe ante este cenário de caos e nos induz a mantermos a fé de que 2021 seja um ano de recuperação, de renascença, de reconquista. Demo-nos, por isso, as mãos e as consciências para que fortaleçamos a lealdade aos valores mais caros construídos ao longo dos últimos milênios, sobretudo a verdade, a solidariedade, a justiça social, o respeito à dignidade dos seres vivos (humanos e as outras espécies), ao Estado de Direito e às liberdades democráticas.

Nas palavras atribuídas a um grande combatente que não mais está entre nós, o poeta e advogado Ricardo Brandão: “Trata-se de lutar por uma sociedade em que liberdade não seja uma palavra vã...”

Ahmad Schabib Hany

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

SAUDADES DO TEMPO EM QUE O "CIDADANIA" ERA O VELHO P.C.B. (versão revista)

Saudades do tempo em que o “Cidadania” era o velho PCB...

Se há um partido quase centenário cuja história orgulha seus membros é o velho PCB. No entanto, curiosamente, uma geração de “comunistas” arrependidos decidiu mudar seu nome, seu ideário, sua linha política e até sua história no pós-guerra fria. Pior, depois de ter participado da vergonhosa deposição da primeira chefe de Estado e de governo brasileira, passou a se chamar de “Cidadania” e hoje, salvas honrosas exceções, seus parlamentares se confundem com membros das velhas legendas de aluguel que vivem a barganhar seus votos no parlamento e têm seus deploráveis “minutos de fama” em episódios como o do deputado estadual paulista que apalpou os seios da aguerrida deputada Isa Penna, do PSOL.

O gesto de um homem que, sorrateira e ardilosamente, apalpa os seios de uma mulher já é indignante, imagine no plenário do parlamento de São Paulo, durante a realização de trabalhos legislativos, madrugada adentro, sob os holofotes e câmeras da instituição, a uma colega parlamentar feminista das hostes oposicionistas à horda governante...

Mais triste foi ter constatado que a “musa” do impeachment, digo, do golpe parlamentar midiático, a obscura e bizarra deputada Janaína Paschoal (PSL-SP), a despeito de ser mulher, não só não foi solidária com sua colega de parlamento e de gênero, como fugiu a todo custo do digno enfrentamento dessa laia de seres anacrônicos que infestam o atual (des)governo. Além de advogada, Paschoal alardeou ser combatente do abuso de poder, mas não foi isso que demonstrou na prática, perante as câmeras de jornalistas.

Falso moralismo às favas, próprio desses hipócritas que se dizem arautos da moralidade e da ética (dos outros/as), a atitude humilhante do deputado Fernando Cury, do atual “Cidadania” (ex-PPS e ex-PCB), escancara o comportamento de hienas ávidas que não resistem aos impulsos de seus instintos misóginos e patriarcais extemporâneos.

Ao contrário do atual “Cidadania” e do ex-PPS, saído à luz no pós-guerra fria, quando a direção de “comunistas” arrependidos decidiu abandonar o nome, a linha política, a ideologia e a história honrada do velho PCB, fundado em 25 de março de 1922, qualquer relato sincero da história do Brasil no século XX haverá de citar, inevitavelmente, o Partido (com letra maiúscula) e suas lutas, ainda que proscrito, pois na maior parte de sua existência seus membros passaram na clandestinidade, sob intensa perseguição.

A Amiga Professora Estela Scandola recorda que quando nasceu o PT a aura intelectual dos membros do PCB era de causar admiração e a boa inveja entre os demais membros da esquerda brasileira. A sua consistência teórica inspirava até os convictos integrantes do novo Partido, construído a partir das bases enquanto os antigos enclausurados em suas redomas. Mas tudo indica que o excesso de convicção acabou levando a mais antiga legenda partidária de esquerda do Brasil ao dilema de ter perdido a própria identidade.

Como observa o Amigo Jornalista Luiz Taques, é preciso deixar consignado na História o papel de Roberto Freire, que nos primórdios da legalidade pós-1985 era apresentado como o Gorbatchov brasileiro. Se durante a resistência à ditadura de 1964 pairassem dúvidas quanto à lealdade perante seus camaradas, sua postura caricata como ministro da Cultura do golpista Michel Temer foi reveladora no ato de entrega do Prêmio Camões 2016 ao renomado escritor Raduan Nassar, em que expôs sua índole serviçal ao agredir intempestivamente o homenageado, cuja brilhante fala foi um ato político de lavar a alma dos brasileiros amantes da cultura e da democracia. O episódio foi eloquente para escancarar a pequenez dessa caricatura humana que durante décadas se apresentava como vanguarda na direção do Partido e nos debates dos grandes temas de interesse da sociedade.

E o Amigo Professor Alberto Feiden nos alerta que a falta de uma política de formação na perspectiva histórico-dialética leva toda organização de esquerda ao voluntarismo, fonte dessa ambiguidade em que se encontram partidos outrora marxistas. Aliás, em nosso tempo de estudante, sabíamos que dirigente mal formado é um sério candidato às hostes da reação, da direita.

Meu primeiro contato com um “comunista” não foi por meio da propaganda ideológica deflagrada em plena guerra fria ou dos cartazes obscurantistas espalhados pela repressão nos anos de chumbo. Com muita honra, posso dizer que, mesmo que por puro acaso, pude conhecer ainda criança um perseguido membro de um partido marxista-leninista de passagem por esta fronteira em fins da década de 1960.

Como meu saudoso Pai não era delator ou serviçal de qualquer regime, hospedou e registrou devidamente em sua modesta hospedaria um dirigente sindical de sobrenome Quechua (um dos povos originários andinos), creio de Potosí ou La Paz, que permaneceu apenas alguns dias, tendo retornado ao seu país sob a proteção de organizações sindicais ligadas à histórica Central Operária Boliviana (COB).

Apesar da discrição dos adultos, a curiosidade das crianças não deixara passar batido um episódio em que, pelos motivos que fossem, um hóspede que precisasse de solidariedade para não ser eliminado pelo regime ditatorial do outro lado da fronteira fosse alvo de uma atenção especial dos donos da hospedaria.

Nessa mesma condição, houve jornalistas, intelectuais, estudantes, professores, artistas plásticos etc, não só da Bolívia, mas de vários países (Chile, Argentina, Palestina, Líbia, Egito, Iraque, Líbano, Peru, Colômbia, Uruguai, Espanha e Portugal) que passaram pela modesta pensão de meu honrado Pai, que nos ensinou desde crianças que solidariedade não se condiciona nem se negocia e que liberdade não é mercadoria.

Não demorou muito para que experimentássemos na Família o valor da solidariedade, quando, na Guerra Civil do Líbano (promovida para sufocar a insurreição popular contra o “pacto nacional” imposto pela França em 1942), nada menos que 36 parentes diretos, indefesos e inofensivos, haviam sido imolados por grupos paramilitares da Falange Libanesa, patrocinados pela Arábia Saudita, Estados Unidos, Israel e países da Europa Ocidental.

Do mesmo modo como meu Pai acolheu e tratou com todo respeito e solidariedade os perseguidos “comunistas” estrangeiros, em diversos países asiáticos, africanos, europeus e da Oceania os refugiados libaneses, em sua maioria jovens (entre eles filhos, sobrinhos e netos de nossos familiares imolados na bucólica Rasn Hashe em 1976), tiveram nova oportunidade em suas vidas.

Escritores como Jorge Amado, Graciliano Ramos, Apolônio Carvalho, Adolpho Emydio Cunha, Edgar Carone e Fernando Morais escreveram, cada qual a seu tempo e sob olhares diversos, sobre diferentes momentos vividos por diversos membros do velho PCB. Contudo, nem sob tortura, algum deles revelou algo como laranjal, rachadinha, assédio sexual que envergonhasse descendentes ou correligionários de outras épocas.

Como certa vez disse o brilhante advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto, um convicto católico conservador que defendeu Luiz Carlos Prestes e Harry Berger em pleno Estado Novo, sob nítida influência nazifascista, que na defesa dos dois comunistas dos anos 1930 precisou recorrer a artigo de uma lei de proteção dos animais para assegurar um mínimo de tratamento humano àqueles presos políticos.

Lamentavelmente, hoje é com o parlamentar Fernando Cury que o atual “Cidadania” ganha seus inglórios momentos de popularidade (sic). Esse que é sucedâneo do glorioso PCB, em que militaram mulheres como a aguerrida Olga Benario, Companheira de Prestes morta em campo de extermínio nazista depois de dar à luz a Anita Leocádia Benario Prestes.

Saudades do tempo em que o “Cidadania” era o velho PCB, cuja história se confunde com a do Brasil e cujo legado honra a esquerda, que não capitulou ao neoliberalismo e à globalização, pseudônimo de “imperialismo, a fase superior do capitalismo”.

Ou, como diria o querido e saudoso Amigo Manoel Sebastião da Costa Lima, idealizador e proprietário da Livraria Guató na década de 1980 em Campo Grande: “Não me envergonha ser comunista e defender o PCB. Vergonha é estar ao lado de criminosos por lesa-pátria que entregaram estatais estratégicas na área de telecomunicações, eletricidade, mineração e siderurgia ao capital financeiro. E o pior, em nome de uma modernidade que cheira colonização e escravidão.”

Ahmad Schabib Hany

domingo, 20 de dezembro de 2020

Saudades do tempo em que o “Cidadania” era o velho PCB...

Saudades do tempo em que o “Cidadania” era o velho PCB...


Se há um partido quase centenário cuja história orgulha seus membros é o velho PCB. No entanto, curiosamente, uma geração de “comunistas” arrependidos decidiu mudar seu nome, seu ideário, sua linha política e até sua história no pós-guerra fria. Pior, depois de ter participado da vergonhosa deposição da primeira chefe de Estado e de governo brasileira, passou a se chamar de “Cidadania” e hoje, salvas honrosas exceções, seus parlamentares se confundem com membros das velhas legendas de aluguel que vivem a barganhar seus votos no parlamento e têm seus deploráveis “minutos de fama” em episódios como o do deputado estadual paulista que apalpou os seios da aguerrida deputada Isa Penna, do PSOL.

O gesto de um homem que, sorrateira e ardilosamente, apalpa os seios de uma mulher já é indignante, imagine no plenário do parlamento de São Paulo, durante a realização de trabalhos legislativos, madrugada adentro, sob os holofotes e câmeras da instituição, a uma colega parlamentar feminista e das hostes oposicionistas à horda governante...

Mais triste foi ter constatado que a “musa” do impeachment, digo, do golpe parlamentar e midiático, a obscura e bizarra deputada Janaína Paschoal (PSL-SP), a despeito de ser mulher, não só não foi solidária com sua colega de parlamento e de gênero, como fugiu a todo custo do digno enfrentamento dessa laia de seres anacrônicos que infestam o atual (des)governo. Além de advogada, Paschoal sempre se disse defensora do abuso de poder, mas não foi isso que demonstrou na prática, perante as câmeras de jornalistas.

Falso moralismo às favas, próprio desses hipócritas que se dizem arautos da moralidade e da ética (dos outros/as), a atitude humilhante do deputado Fernando Cury, do atual “Cidadania” (ex-PPS e ex-PCB), escancara o comportamento de hienas ávidas que não resistem aos impulsos de seus instintos misóginos e patriarcais extemporâneos.

Ao contrário do atual “Cidadania” e do ex-PPS, saído à luz no pós-guerra fria, quando a direção de “comunistas” arrependidos decidiu abandonar o nome, a linha política, a ideologia e a história honrada do velho PCB, fundado em 25 de março de 1922, qualquer relato sincero da história do Brasil no século XX haverá de citar, inevitavelmente, o Partido (com letra maiúscula) e suas lutas, ainda que proscrito, pois a maior parte de sua existência seus membros passaram na clandestinidade, sob intensa perseguição.

Meu primeiro contato com um “comunista” não foi por meio da propaganda ideológica deflagrada em plena guerra fria ou dos cartazes obscurantistas espalhados pela repressão nos anos de chumbo. Com muita honra, posso dizer que, mesmo que por puro acaso, pude conhecer ainda criança um perseguido membro de um partido marxista-leninista de passagem por esta fronteira em fins da década de 1960.

Como meu saudoso Pai não era delator ou serviçal de qualquer regime, o hospedou e registrou devidamente em sua modesta hospedaria um dirigente sindical de sobrenome Quechua (um dos povos originários andinos), creio de Potosí ou La Paz, que permaneceu apenas alguns dias, tendo retornado ao seu país sob a proteção de organizações sindicais ligadas à histórica Central Operária Boliviana (COB).

Apesar da discrição dos adultos, a curiosidade das crianças não deixara passar batido um episódio em que, pelos motivos que fossem, um hóspede que precisasse de solidariedade para não ser eliminado pelo regime ditatorial do outro lado da fronteira fosse alvo de uma atenção especial dos donos da hospedaria.

Do mesmo jeito, houve jornalistas, intelectuais, estudantes, professores, artistas plásticos etc, não só da Bolívia, mas de vários países do mundo que passaram pela modesta pensão de meu honrado Pai, que nos ensinou desde crianças que solidariedade não se condiciona nem se negocia e que liberdade não é mercadoria.

Não demorou muito para que experimentássemos em nossa Família o valor da solidariedade, quando, na Guerra Civil do Líbano (financiada pela Arábia Saudita e apoiada pelos governos dos Estados Unidos, Israel e boa parte da Europa Ocidental), nada menos que 36 parentes diretos, indefesos e inofensivos, haviam sido imolados por grupos paramilitares da Falange Libanesa, patrocinados pela Arábia Saudita, Estados Unidos, Israel e países da Europa Ocidental.

Do mesmo modo como meu Pai acolheu e tratou com todo o respeito e solidariedade os perseguidos “comunistas” estrangeiros, em diversos países asiáticos, africanos, europeus e da Oceania os refugiados libaneses, em sua maioria jovens (inclusive filhos, sobrinhos e netos dos familiares imolados na bucólica Rasn Hashe em 1976.

Escritores como Jorge Amado, Graciliano Ramos, Apolônio Carvalho, Adolfo Emydio Cunha, Edgar Carone e Fernando Morais escreveram, cada qual a seu tempo e sob olhares diversos, sobre diferentes momentos vividos por diversos membros do velho PCB. Contudo, nem sob tortura, algum deles revelou algo como laranjal, rachadinha, assédio sexual que envergonhasse descendentes ou correligionários de outras épocas.

Como certa vez disse o brilhante advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto, um convicto católico e conservador que defendeu Luiz Carlos Prestes e Harry Berger em pleno Estado Novo, sob nítida influência nazifascista, que para defender esses dois comunistas nos anos 1930 precisou recorrer a artigos da legislação de proteção dos animais a fim de assegurar um mínimo de tratamento humano àqueles presos políticos.

Lamentavelmente, hoje é com o parlamentar Fernando Cury que o atual “Cidadania” ganha seus inglórios momentos de popularidade (sic). Esse que é sucedâneo do glorioso PCB, em que militaram mulheres como a aguerrida Olga Benario, Companheira de Prestes morta em campo de extermínio nazista depois de dar à luz a Anita Leocádia Benario Prestes.

Saudades do tempo em que o “Cidadania” era o velho PCB, cuja história se confunde com a do Brasil e cujo legado honra a esquerda, que não capitulou ao neoliberalismo e à globalização, pseudônimo de “imperialismo, a fase superior do capitalismo”. Ou, como diria o querido e saudoso Amigo Manoel Sebastião da Costa Lima, proprietário da Livraria Guató na década de 1980 em Campo Grande: “Não me envergonha ser comunista e defender o PCB. Vergonha é estar ao lado de criminosos por lesa-pátria que entregaram estatais estratégicas na área de telecomunicações, eletricidade, mineração e siderurgia ao capital financeiro. E o pior, em nome de uma modernidade que cheira colonização e escravidão.”

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Por que a saúde, a educação e a assistência social são preteridas por Bolsonaro

Por que a saúde, a educação e a assistência social são preteridas por Bolsonaro


Depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, políticas sociais como saúde, educação e assistência social têm fundo próprio, plano de ação e controle público. Políticos como Bolsonaro, de perfil autoritário e vinculado ao setor financeiro, não têm qualquer afinidade com as demandas sociais, razão pela abrupta precarização dos índices sociais do Brasil.

Têm chamado a atenção da população - e causado muita indignação - as reiteradas declarações de Jair Bolsonaro e ministros que vêm relegando a enésimo lugar a urgência de ações na saúde, educação e assistência social, inclusive nestes tempos de pandemia.

Como compreender a acintosa indiferença dos membros deste governo ante a inadiável definição da estratégia de logística e vacinação de milhões de pessoas do público de risco, a manutenção das medidas de biossegurança nos estabelecimentos de ensino ou a prorrogação do auxílio emergencial de milhões de trabalhadores de diferentes áreas pela covid-19? Para não dizer sobre a total falta de sensibilidade e empatia pelos milhares de famílias de vítimas, incluídas no pacote de maricas...

Aliás, o mesmo ocorreu durante a crise socioambiental pelas queimadas criminosas no Pantanal e na Amazônia, quando não só os titulares dos órgãos diretamente responsáveis pela prevenção e mais tarde enfrentamento da tragédia demonstraram seu descaso, referendados pelo chefe de Estado e de governo, que sequer manifestou solidariedade aos verdadeiros heróis que tombaram em combate. Ao contrário, procurou atribuir a responsabilidade aos governos de outros países em evento das Nações Unidas, tendo que voltar atrás, como de hábito.

Até o mais desatento cidadão hoje se dá conta da inversão de prioridades desta gestão: um decreto destinado a facilitar a importação de insumos para o enfrentamento à covid-19 ou de arroz para o enfrentamento da carestia serve de pretexto para zerar a alíquota de importação de armas de vários calibres, como se se tratasse de artigo de primeira necessidade. Mas o pior ainda está por vir: um aliado seu, governador de Goiás Ronaldo Caiado, passou o recado de que, depois de idas-e-vindas, finalmente o Ministério da Saúde vai tomar atitude, não sem antes “centralizar” para si as vacinas adquiridas pelos diversos estados, quando o papel desse órgão é coordenar a vacinação em nível federal.

Saudosos do regime de 1964, os membros do núcleo ideológico são cultores do casuísmo e do improviso ao sabor da ocasião. Está constatado que não há planejamento nas ações de governo, e muito menos planejamento estratégico plurianual, como determina a lei. Os relatórios de gestão comprovam isso, como no caso do Ministério do Meio Ambiente quanto às metas de redução das emissões de carbono, pactuadas com o concerto das nações quando o país era exemplo de compromisso com a agenda ambiental global. Nem se fale no Ministério da Saúde, cujo titular teve a pachorra de cometer toda sorte de desmandos e omissões, inclusive a perda da validade de mais de sete milhões de testes da covid-19. E o que dizer, então, da politização abominável das decisões técnicas para o eficiente enfrentamento de uma tragédia sanitária como a que assola o planeta?

Nesse roldão, temos prefeitos e prefeitas reeleitos na onda da pandemia. Depois de aparentarem, para efeitos eleitorais, preocupação com a vida e a saúde das pessoas, tiraram a máscara, a exemplo de seu líder mítico: “precisamos garantir os empregos da população”, quando sabem que a causa verdadeira do desemprego, que vem do tempo de Temer, é o “teto dos gastos” e a política de desmonte do parque industrial e de priorização do setor financeiro, que há mais de cinco décadas não conhece déficit, só superávit atrás de superávit, enquanto os demais setores da economia naufragam no caos de uma literal “economia de guerra” (como os atuais gestores querem denominar o ciclo econômico contemporâneo).

A bem da verdade, não é de hoje tal desdém com essas e outras políticas assim definidas pela Constituição Federal de 1988 (além da saúde, educação e assistência social, há o meio ambiente, segurança pública, cultura, igualdade racial e de gênero, inclusão social, direitos humanos, desportos, trabalho e geração de renda). Sem qualquer tato, têm sido alvo de um desprezo indignante, mas não surpreendente, pelas elites políticas brasileiras.

Como não nos lembrarmos do antecessor Michel Miguel Temer Lulia (esse é o nome completo do golpista que a história saberá colocá-lo no lugar merecido, ao lado de Aécio Neves, José Serra, Roberto Freire, Henrique Meirelles, Eduardo Cunha, Romero Jucá, Carlos Marun et caterva), quando, goela abaixo, impôs o criminoso “teto dos gastos” (em que o financiamento das políticas sociais ficou reduzido, mas não o serviço da dívida, de interesse dos bancos, seus amos e senhores)?

O Professor José Fernandes, conhecido youtuber, tem demonstrado didaticamente por que as elites são permissivas com os membros deste governo, cujo próximo passo é mais difícil de ser previsto que os súbitos temporais do fenômeno meteorológico “La Niña”. Ainda que elas (as elites) também sintam e se ressintam (d)os impactos das atitudes intempestivas dos atuais inquilinos do Planalto, que não são poucos (basta acompanhar a série histórica dos indicadores macroeconômicos para entrar em desespero), aproveitam a compulsão atroz pelas “reformas”, na insana tentativa de “desossar”, isto é, fazer o desmonte do Estado brasileiro, coisa que nenhum dos dois fernandos (o Collor da Dinda e o “príncipe” da privataria FHC) conseguiu.

Enquanto isso o bom-moço Sérgio Moro sai das estatísticas do desemprego graças a uma consultoria milionária num escritório jurídico sediado num paraíso fiscal, curiosamente depois de ter ajudado a destruir as maiores empresas privadas e estatais brasileiras. O tal escritório, além de atualmente realizar a recuperação financeira da Odebrecht e OAS (exatamente as mesmas maiores empresas privadas brasileiras detonadas por ele, como que uma empresa tivesse que ser punida quando seu executivo “passa a mão” e “otras cositas más” na bufunfa dos politicozinhos de todos os partidos, inclusive de Aécio Neves e José Serra, como já foi constatado; mas Moro só “pensava naquilo”, Lula!), quebrou o galho (e a árvore) da família Civita, ao fazer vistas grossas aos netos do fundador Victor Civita, que venderam a Abril Educação e fizeram retiradas nada ortodoxas da ordem de UM BILHÃO de reais, e passaram o “ponto” do Grupo Abril para o banqueiro Fábio Carvalho pela bagatela de CEM MIL reais, obviamente com as dívidas bilionárias, mas as centenas de empregados (desde editores e jornalistas ao mais humilde faxineiro) ficaram a ver “Caras”, “Playboy” e “Viagem”... na Banca Nostra, na rua Roma, Lapa, capital paulista.

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

A face exposta de instituições irresponsáveis: Um ano da eternização da Professora Élida sem justiça nem reparos

A face exposta de instituições irresponsáveis:

Um ano da eternização da Professora Élida Aparecida de Campos sem justiça nem reparos


Prefeito reeleito, empresas auferindo lucros e a população ao deus-dará: 365 dias depois da tragédia da avenida Gaturama, nem homenagem à Professora Élida, que deu literalmente a Vida para cuidar da educação e dos direitos de crianças especiais de Corumbá e Ladário.

Dia 4 de dezembro de 2019. A trágica eternização da Professora Élida Aparecida de Campos, coordenadora pedagógica da Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Corumbá, ao final de um dia de trabalho. Um ano depois, os seus pais sequer receberam um gesto de gratidão ou solidariedade das instituições públicas e privadas direta ou indiretamente envolvidas nesse lamentável episódio.

Com o maior acinte, as partes fazem o velho jogo de empurra: a atual concessionária privada, com seu sugestivo nome “Rumos”, não mede esforços para se eximir das responsabilidades, enquanto a empresa privada chilena concessionária da ferrovia boliviana, dona dos vagões deixados no terminal privado de onde saíram e causaram o acidente, também faz o mesmo. E o terminal, a prefeitura local, os órgãos responsáveis pela gestão do território, não têm, também, sua parcela de responsabilidade? A Câmara Municipal chegou a discutir a proposta de denominar a avenida Gaturama (homônima do velho motel das imediações) para Avenida Professora Élida Aparecida de Campos, como uma singela homenagem póstuma? Ah, sim...

Durante a campanha eleitoral cheguei a confidenciar a um Jornalista sobre minha certeza de que NENHUM candidato/a a prefeito de Corumbá lembraria da tragédia da Professora Élida Aparecida de Campos. Porque desde que o município se emancipou, em meados do século XIX, pode-se afirmar com todas as letras que durante pouco mais de cem anos de sua autonomia administrativa (porque temos que subtrair o período de intervenção de Getúlio Vargas e do regime de 1964, algo perto de 40 anos) nenhum prefeito governou a totalidade do município Corumbá, cujas dimensões se confundem com o estado da Paraíba, praticamente três vezes maior que o território do Líbano ou da Palestina, terra-natal de muitos imigrantes locais.

Uma campanha eleitoral totalmente dissociada da realidade (pela totalidade dos/as candidatos/as a prefeito/a de Corumbá, ainda que eu prive da Amizade com alguns deles/as). Ou alguém falou da gestão territorial? Ou alguém falou da necessidade de atualização do Plano Diretor Municipal, que nunca saiu da gaveta, a despeito de ter sido participativo? Inclusive a desativação do Conselho Municipal da Cidade, como os demais, pela atual gestão (e, a bem da verdade, não estava a atuar plenamente havia alguns anos, tanto que no imbróglio da Feira Brasbol sequer convocou uma reunião deliberativa ou uma audiência pública, como a lei lhe faculta).

Está corretíssima a família enlutada de acionar judicialmente os responsáveis pela tragédia que tirou a Vida da Professora Élida. Esperamos que, um ano depois de total empurra-empurra, o Ministério Público possa chamar para si uma ação correspondente, de modo a cessar de imediato o abandono em que se encontra a ferrovia no perímetro urbano, tanto em Corumbá como em Ladário, e que novas tragédias sejam evitadas.

E que um dia não muito distante, a Avenida Professora Élida Aparecida de Campos dê lugar à erma e lúgubre avenida Gaturama, assombrada e nada acolhedora, inclusive por onde chegam as pessoas que visitam nossa região.

Ahmad Schabib Hany