quarta-feira, 13 de março de 2024

AGÊNCIA MATO-GROSSENSE DE IMPRENSA, INICIATIVA PIONEIRA DO CCC

Agência Mato-grossense de Imprensa, iniciativa pioneira do CCC

Entre as diversas frentes em que o Consórcio Corumbaense de Comunicação (CCC) se envolveu, por certo a mais ousada foi a Agência Mato-grossense de Imprensa (AMI), para a qual Daniel Lopes se dedicara com especial afinco.

Juvenal Ávila de Oliveira, uma das revelações do Consórcio Corumbaense de Comunicação (CCC), foi o ‘prata da casa’ que chegou com a novidade: uma lauda com o timbre da AMI, Agência Mato-grossense de Imprensa. Mas como periodicamente Daniel de Almeida Lopes, diretor-geral do CCC, trazia novidades de ‘outro mundo’, a boa-nova passou despercebida para os radialistas e jornalistas abrigados no imponente prédio com linhas entrelaçadas de art nouveau e neoclássico em que a Rádio Difusora Mato-grossense S/A, prefixo XYA-2, 1490 KHz, e os demais meios estavam sediados, a 80 metros do Jardim Independência, no coração do Pantanal e da América do Sul.

É que o sucesso como jovem galã do rádio mato-grossense no concurso de Miss Mato Grosso em Aquidauana lhe proporcionou mais uma atividade dentro das iniciativas do CCC daquele Brasil superlativo, do ‘ame-o ou deixe-o’, do ‘ninguém segura este país’, do ‘é feito por nós’. Tudo era grande, que os anedotários logo arranjaram um causo protagonizado por uma personagem argentina numa farmácia paulistana. O balconista, todo ufanista, falando ao cliente identificado como argentino, proclama: “O Brasil tem a maior ponte do mundo [na época, a Rio-Niterói], a maior hidrelétrica do mundo [Itaipu Binacional], o maior estádio de futebol do mundo [Maracanã]...” Diante disso, o argentino assustado, anuncia ao balconista da farmácia sua desistência na compra, pois queria um supositório para seu filho, ainda bebê, com temor de ser ‘o maior supositório do mundo’.

Apadrinhado e avalizado por ninguém menos que Filinto Müller, o homem forte do regime de 1964 (presidente e líder da Arena e do governo do general Garrastazu Médici no Senado) e, mais tarde, presidente do Senado e do Congresso Nacional), até ter encontrado a morte no acidente com a aeronave da Varig nas imediações de Paris, rumo ao Aeroporto Internacional de Orly, o CCC nascera de uma ideia até bem intencionada do advogado e pecuarista José Feliciano Baptista Neto, então sócio e diretor da Folha da Tarde e da Rádio Difusora Mato-grossense, ao lado do médico e professor Salomão Baruki, ex-vereador do PSD, partido de Juscelino Kubitscheck de Oliveira e Tancredo Neves (e em Mato Grosso, de Filinto Müller, até então aliado incondicional de Getúlio Vargas e do PTB).

A megalomania com que o CCC acabou hipertrofiado foi fruto da obsessão de Müller por demonstrar prestígio e poder junto aos seus correligionários logo no estado natal, onde não conseguira por duas vezes se eleger governador, a despeito de todo o prestígio junto ao Palácio do Catete, sede do governo federal até a inauguração de Brasília por Juscelino Kubitscheck de Oliveira, alvo do golpismo doentio da caserna fascista desde os tempos do Brasil Império. O que permitiu a Daniel Lopes empreender por todas as frentes em seu projeto político-midiático nos anos de chumbo.

Leal colega e amigo, o Jornalista Luiz Gonzaga Bezerra, ex-repórter especial do Jornal do Brasil, era a referência jornalística para o ex-correspondente de O Globo, então medíocre vespertino que não se constrangera ser reles porta-voz oficioso do regime de 1964, razão pela qual virou esse grande grupo de comunicação que acabou por desbancar a Rede Tupi de Rádio e Televisão (de Assis Chateaubriant, o emblemático Chatô), os Diários e Emissoras Associados espalhados pelo Brasil (inclusive a pioneira Agência Nacional dos Diários Associados, ANDA), a O Cruzeiro (por mais de 50 anos a maior revista semanal ilustrada), e décadas depois a Rede Manchete (de Adolfo Bloch, imigrante judeu russo que implantou a indústria de tintas gráficas no país e depois ousou competir com Roberto Marinho na televisão), a Bloch Editores e a Manchete (por décadas a segunda maior revista semanal ilustrada), a Editora Abril (de Victor Civita, o maior editor de revistas, fascículos e livros da América Latina, que um dia pretendeu possuir a sua sonhada TV Abril, mas foi sabotado pelo regime de 1964 e depois pelos seus ex-apoiadores, ligados aos Marinho).

Gonzaga, repórter ético e de grande humildade e talento, não se entusiasmara com a ideia da Agência Mato-grossense de Notícias (AMI), pois via a superexploração de seus colegas de trabalho na ânsia de conseguirem ver suas matérias em outras localidades, em especial emissoras de rádio de todo o estado de Mato Grosso, eis que eram poucas as que dispunham de jornal impresso, sequer semanários. Até porque o número de analfabetos no Brasil era também superlativo, apesar da propaganda do Mobral nos anos de chumbo. Mesmo assim, acabou fazendo mais essa concessão ao parceiro de aventura: depois do diretor-geral do CCC, era ele, como redator-chefe do consórcio, que acabava por dirigir a AMI, para ele um investimento perigoso, pois todo ele era financiado por Müller.

Filinto Müller era declaradamente contrário ao movimento divisionista comandado pelos arenistas do sul de Mato Grosso, mas, hábil político, fingia não se incomodar, até para auferir dividendos políticos em seu estado natal. Não por acaso, designou seu sobrinho Gastão Müller para cacique político de Três Lagoas e o aparelhou para se projetar igual a ele, tanto que conseguiu se eleger senador por Mato Grosso com base eleitoral em Três Lagoas, onde dispunha de um veículo, o Jornal do Povo, porta-voz das ideias direitistas da família Müller em pleno regime de exceção.

Enquanto para Daniel Lopes se tratava de mais um produto do pretensioso CCC, para Müller era a rede de controle político com que mantinha sob seus olhares de lince as articulações dos correligionários, ‘pero no mucho’, que por trás faziam seus conchavos para conseguir de qualquer maneira a divisão do velho Mato Grosso uno, muito caro para o veterano senador e seus projetos políticos pessoais. Bastou perder a vida em Orly em julho de 1973 para que seus ‘consternados’ correligionários corressem até Brasília para desengavetar o projeto de criação do estado rebelde do sul dos anos 1930, chamado de Território de Ponta Porã, e em menos de cinco anos, já sob a gestão dos generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, se tornasse realidade.

A AMI foi concebida como uma empresa de distribuição de notícias jornalísticas de caráter privado, mas com largo financiamento público, como tudo que soía funcionar durante os anos de chumbo: “aos amigos tudo, aos inimigos a lei.” A equipe original foi a do CCC, em Corumbá, e depois foi ganhando capilaridade, como uma rede de colaboradores, em todo o sul de Mato Grosso. Como o predomínio, então, era de rádios AM, muitas notícias eram gravadas pelos locutores das emissoras afiliadas à AMI e enviadas às destinatárias por meio da ferrovia que atravessava o estado, de oeste a leste e, pelo ramal de Ponta Porã, ao sul extremo, fronteira com o Paraguai, por malotes devidamente identificados. Na época o uso de telex, teletipo e belinógrafo (como da Agence France Presse, AFP) era exclusivo da central, localizada no mesmo prédio do CCC, em Corumbá.

A produção de texto era basicamente feita em Corumbá pelo pessoal da redação da Folha da Tarde, com destaque ao talentoso e incansável Jornalista-revelação Edson Moraes, que chegara a viajar a Campo Grande como enviado especial para cobrir a elucidação do caso do sequestro de Ludinho, filho adotivo da proeminência arenista Lúdio Coelho por pessoas próximas à sua família, um dos episódios jornalísticos de maior repercussão, ao lado do assassinato de Levi Campanhã, em que assessores do Chefe da Casa Civil do governador Garcia Neto estavam sendo investigados. De fato, a AMI acabou funcionando como vitrine para os talentosos Jornalistas formados por Gonzaga Bezerra no CCC.

Juvenal Ávila, o primeiro correspondente da AMI para uma rádio aquidauanense, conta que ainda era muito usado o sistema de captação de notícias pelo rádio. A própria Rádio Difusora Mato-grossense, sede do CCC, antes da constituição plena do projeto apadrinhado por Müller, tinha o emblemático e insubstituível Pedro ‘Papito’ Gonçalves de Queiroz que fazia a ‘escutapress’, isto é, gravava as notícias internacionais, nacionais, regionais e locais em gravador de fita-cassete para depois redigi-las ao seu estilo para a produção dos noticiários da emissora. E em tempos pretéritos, a velha e conhecida ‘tesourapress’, até pouco tempo usada em larga escala nos velhos jornalões da capital, que até hoje não perderam o ranço de que a ‘melhor agência de notícias é o copia-cola’, e que se danem os direitos autorais e o trabalho dos Jornalistas profissionais.

Com o leilão do prédio e da concessão da Pioneira Rádio Difusora Mato-grossense S/A e do título da Folha da Tarde (este adquirido pela Empresa Folha da Manhã S/A, carro-chefe do Grupo Folha, da Alameda Barão de Limeira, 25, Campos Elísios, São Paulo), muitos documentos foram extraviados, para prejuízo da memória coletiva corumbaense. Antes da demolição do imponente prédio da emissora, grande quantidade de discos, documentos e jornais e revistas em português e espanhol foi descartada na calçada. Alguns aficionados da cultura e da memória ‘garimparam’ verdadeiras relíquias, mas a maioria do acervo de décadas foi literalmente jogado no lixo.

Além do pioneirismo, a AMI se constituiu em verdadeiro aríete das demandas represadas das populações localizadas no sul de Mato Grosso quando o poderoso senador Filinto Müller sai do cenário político e no vácuo novas lideranças arenistas granjeiam apoio para seus respectivos projetos pessoais, sob pretexto de apoiar um regime caquético, e receber as benesses do poder em troca de três senadores pró-regime de 1964 e quatro deputados federais apoiadores do Planalto (na verdade, cinco deputados federais, pois havia o médico adesista Walter de Castro que desavergonhadamente votava com a Arena, a despeito da pressão exercida pela direção regional do MDB sul-mato-grossense).

Herança da ditadura, Mato Grosso do Sul -- que se resume a Campo Grande, a praticar a mesma conduta excludente que acusava a Cuiabá --, tem sido verdadeira mordaça para a afirmação do protagonismo cidadão em todo o território do estado nascido para ser modelo, e o sufocamento das atividades jornalísticas propriamente ditas é um processo crescente e irreversível. Todo governante tende a repetir os cacoetes do Faraó de Miranda (Pedro Pedrossian) e sua Secom de triste memória, em prejuízo do Jornalismo profissional. A falência da AMI não decorreu do estrangulamento de um projeto fadado ao fracasso, por ser um projeto de poder arbitrário, mas pelos acertos involuntariamente realizados pelos talentosos profissionais, o que não interessa ao establishment, seja em tempos de arbítrio ou de Estado Democrático de Direito.

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 8 de março de 2024

As origens comunistas do 8 de março // Maria Lygia Quartim de Moraes


7 de mar. de 2017 #8m #feminismo #diadamulher

A socióloga Maria Lygia Quartim de Moraes apresenta as origens comunistas e socialistas do Dia Internacional da Mulher. Recuperando as condições históricas, políticas e econômicas do surgimento do movimento de massas das mulheres, ela comenta a importância de figuras como Clara Zetkin e Aleksandra Kollontai na criação do Dia Internacional da Mulher, e como ele serviu de estopim para desencadear a Revolução Russa. Refletindo sobre como a historiografia hegemônica buscou apagar e falsear o elo entre o feminismo e o socialismo nas origens do 8 de março, para produzir uma celebração mais domesticada e até comercializável do Dia Da Mulher, ela defende uma retomada radicalidade da data como um dia da luta.

🔥Por um feminismo anticapitalista, antirracista e antiLGBTQfóbico!

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Este vídeo é o segundo de uma série sobre feminismo e marxismo com Maria Lygia Quartim de Moraes na TV Boitempo.

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segunda-feira, 4 de março de 2024

A ARTE NA EXCELÊNCIA: JACKSON ARRUDA (IN MEMORIAM)

A arte na excelência

Violonista alado, Jackson Alberto Alves de Arruda, em crônica do poeta e Jornalista Edson Moraes. Homenagem póstuma publicada no Correio de Corumbá em 3 de março de 2024.

Laurinho Balejo, o filho, canta. E Jackson Alberto Alves de Arruda, o pai, encanta.

Hábito de encantar. De arrebatar quem quer que seja deste mundo e quiçá de outros além de nossos limitados ouvidos. Diziam minha mãe e meu pai que as paredes ouvem e guardam os segredos - mas os astros os ouvem para cantá-los em notas que só existem nas partituras das lógicas celestiais.

Não tive ainda a oportunidade e o prazer de conhecer pessoalmente Laurinho Balejo. Fui e sou amigo de diversos membros desta querida família corumbaense. Porém o Jackson, irmão do Xingo, é da casa da nossa família em Corumbá. Éramos vizinhos. Morávamos na Rua Oriental, hoje a Geraldino Martins de Barros, e a Família Arruda a poucos metros.

Nas constantes e inevitáveis sessões de poesia e seresta que clareavam as noites da nossa casa, eu, meus irmãos e minha mãe, Íris, ficávamos embevecidos diante dos concertos de voz e instrumento protagonizados pelo meu pai, Carlos de Moraes, e o violonista Jackson. Eles formavam uma dupla daquelas que o céu se aquieta para ouvir e depois faz gritaria para pedir bis. 

Hoje, enquanto meu pai canta no céu, aqui na terra, na mesma Corumbá de antigamente, o Jackson faz com que seus dedos deslizem, abracem, apalpem, toquem com singeleza as cordas do violão, como se estivesse acompanhando o seu querido amigo de sempre. Toda homenagem que ainda não foi feita à altura do Jackson será inútil, porque inexiste melhor galardão ao artista deste nível que o reconhecimento de nossos corações, da nossa alma, dos nossos desejos, dos nossos sonhos.

Gostaria que o Jackson me perdoasse pelo atrevimento de chamar de homenagem este tão modesto texto. Porque ele nunca quis o egocentrismo dos altares do pódium, nem o alto do trono, mesmo sabendo ser majestade. A glória dos grandes e dos bons é ser a excelência na planície, no ombro a ombro com o povo, nas mãos dadas com a poesia, no olho a olho com as cifras que caem como gotas vindas em águas do céu.

Jackson, excelência! (Escrito e publicado em 26.06.2023)

SOBRE HARMONIAS QUE PERTENCEM AOS CÉUS

Fiz este modesto rabisco para felicitar os astros celestes, agora honrados com a chegada do ilustre inquilino. 

Na noite de sábado, 02.03.2024, em Cuiabá, ao sair de uma igreja, Jackson Alberto Alves de Arruda teve um mal súbito e foi a óbito. Tinha 79 anos e muitos planos - o foco, evidentemente, naquilo que mais amava: a música.

Virtuoso violonista, autodidata, ser humano dos mais simples, verdadeiro, um construtor de convivências, destacou-se na paisagem artística e cultural de Corumbá e Ladário, cirandeou por Mato Grosso, percorreu chão boliviano e nunca desgrudou-se em definitivo da sua amada Cidade Branca. 

Não gostava de ser considerado o que foi em vida diante dos donos dos panteons, um injustiçado. Não que almejasse a glória, os louros e as reverências majestáticas. Preenchia-se, solene, com os abraços, as palmas e o carinho dos simples e despojados que o ouviam, porque era assim que via seus arredores humanos: todos iguais. 

Jackson era músico do povo. Pertencimento absoluto. Parafraseava acordes de Vilallobos, Patápio, Dilermando, João Pernambuco... e dava o confortável alicerce harmônico para os diversos intérpretes que acompanhava, entre os quais Carlos de Moraes, Lincoln Gomes, Élcio Freitas. 

Jackson sabia de Gounod, de Gonzaga, de Jobim, de Cavaquinho, de Pequenino, de Agapito, de Pelego, de Melquíades, de sargento Vaz, de Barrafunda, de Maria Christovam, de Toddy & Tim, de Favito, de Waldno, de Fala Baixo, do mano Xingo - Jackson sabia até dos pardais e rolinhas que infestavam nossos quintais na alegre e boêmia periferia dos beira-morros corumbaenses. 

Não importa mais se tenha sido olvidado pelo Festival Águas do Pantanal, pelo Festival de Bonito, pelo Globo de Ouro, pelo Grammy. 

O que importa é o galardão do amor que ecoa nas palmas vibrantes dos corações simples que o celebram. Não como um rei, mas como um servidor que se fazia feliz distribuindo músico para fazer a felicidade ao seu redor.

Jackson, que sejam dos anjos aquilo que sempre pertenceu aos céus: as notas do seu violão.

(Edson Moraes - Em 03/03/2024)

IRRITAÇÃO POR QUÊ?

O Estado de S. Paulo (4 mar. 24): reportagem denuncia liberação, pelo exército, de armas de grosso calibre a criminosos durante governo passado.

 

Irritação por quê?

Há quem diga que haja muita gente de alta patente ‘irritada’ com as sucessivas revelações de altos oficiais do exército envolvidos na tentativa golpista de 8 de janeiro. Por quê? O desgaste ocorreu quando os oficiais fora da lei decidiram enveredar em uma aventura, e ponto. Uma simples questão de causa e efeito.

Uma colunista, bem intencionada até, de O Globo, um dos jornais que se prestaram ao vil papel de porta-voz oficioso do regime de 1964, revelou que militares de alta patente estão ‘irritados’ por causa da investigação feita pela Polícia Federal sobre o envolvimento de altos oficiais das forças armadas na intentona de 8 de janeiro de 2023. Segundo o jornal, a irritação decorre da maneira como a chefia da PF tem divulgado os nomes, aos poucos, em vez de fazê-lo de uma só vez.

De acordo com jornalistas que cobrem operações policiais, sobretudo da Polícia Federal, não há como esperar para reunir todos os investigados e de uma só vez fazer a divulgação. O procedimento é padrão por conta do caráter da investigação, havendo um protocolo a ser seguido, até para não melindrar ainda mais os setores de defesa do país, acostumados a um tratamento fora do padrão durante décadas, em especial durante todo o período do regime de 1964.

Ora, a lei foi feita para todos, indistintamente de ofício, profissão, cargo, setor, religião ou condição social. Neste caso, delicado e até inusitado, é o envolvimento de militares da ativa de alta patente, que oportuno teria sido ‘abortá-lo’ durante a preparação, não após sua bizarra e indignante ocorrência. A gravidade não está na investigação, mas na abjeta participação de servidores públicos de carreira cuja missão institucional é a defesa da pátria ante inimigos externos, como bem preconiza a Carta Constitucional de 1988. Ocorre que a caserna acabou contaminada com a ‘patriotaria’ masturbada pela turba do ‘Vem pra rua’, ‘Movimento Brasil Livre’, ‘Cançei’ (com ‘c’ cedilhado, como grafavam as damas de Copacabana e adjacências, numa demonstração do amor superlativo pela pátria e pelo vernáculo) e libidinosamente excitada pelas operações pirotécnicas da ‘Leva Jeito’ com o apoio da Lobo, Abriu, Falha e Estradão, e que queriam ‘Lula vivo ou morto’.

Por outro lado, na edição de 4 de março de 2024, o carrancudo O Estado de S. Paulo deu a conhecer um fato de assustar os mais céticos leitores do país: no período governamental passado, o exército teria liberado armas de grosso calibre a mais de cinco mil CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) que se encontravam em situação de flagrante irregularidade. Talvez a grande maioria dos nascidos depois de 1980 não saiba, mas esse capitão da reserva só não foi expulso pela generosidade do então ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, que, em vez de bani-lo por insubordinação ‘y otras cositas más’, resolveu mandá-lo para a reserva.

É bem verdade que esses senhores não são maioria nas forças armadas e que, entre 1978 e 1988, acreditaram que, a exemplo da impunidade dos terroristas fardados no acidente de trabalho do Riocentro em 1980, fossem protegidos pela impunidade de forma acintosa e aviltante: “Aos amigos, tudo; aos inimigos, os rigores da lei.” Mas é bom lembrar o papel digno de militares institucionalistas ao longo da história pátria, a começar pelo Marechal (maiúscula, por favor!) Henrique Teixeira Lott, que por sua integridade e coerência militar impediu que Juscelino Kubitschek de Oliveira fosse golpeado antes de assumir.

O Marechal Lott é responsável pela posse de JK na Presidência, e, em consequência disso, da construção de Brasília, instalação do parque industrial automobilístico e, sobretudo, da implementação dos Planos Quinquenais de Desenvolvimento Nacional, sob a condução do saudoso e grande brasileiro Celso Furtado, ministro do Planejamento de JK e grande estrategista na redução das desigualdades regionais e criação de órgãos como Sudene. E, por seu turno, os generais Dilermando Gomes Monteiro, Euler Bentes Monteiro e o próprio Golbery do Couto e Silva também são dignos de menção por sua postura institucionalista, durante o governo do general Ernesto Geisel, que os levou a enfrentar colegas do alto comando, como Sylvio Frota, Hugo Abreu, João Paulo Burnier, Adyr Fiúza, Jayme Portella e Enio Pinheiro.

Não podemos esquecer do general Leônidas Pires Gonçalves, um general institucionalista sabiamente indicado por Tancredo Neves ao derrotar malufistas e demais remanescentes do regime de 1964. Graças à firmeza e lealdade à transição democrática, Leônidas foi, ao lado do saudoso Doutor Ulysses Guimarães, o responsável pelo pulso firme que assegurou a posse de José Sarney como vice-presidente eleito quando Tancredo Neves fora internado às pressas para ser submetido à série de cirurgias para curar a diverticulite que acabou por levá-lo à morte. Não passou despercebida a intenção dos partidários de Paulo Maluf de criar um tumulto e fraturar a Aliança Democrática ao insistir que quem deveria assumir interinamente seria o Presidente do Congresso Nacional, armadilha declinada por Ulysses e referendada por Leônidas, cuja liderança na área militar era respeitada.

Insisto, há uma imensa maioria de militares de diferentes patentes e armas que honram a farda e o juramento feito, nunca tendo se envolvido em golpes. Tanto é verdade, que a aventura golpista de 8 de janeiro de 2023 não vingou, a despeito da torpe insistência dos áulicos do inominalismo, de triste memória. Puro oportunismo: tentaram transformar em ‘estadista’ um pateta totalmente despreparado e desequilibrado, sem qualquer mérito (militar ou político) e, pior, um obscuro parlamentar do chamado ‘baixo clero’ que por décadas a fio se comportou de maneira questionável. Ele pode ser modelo para maus políticos, carreiristas e de mau comportamento -- mas dizer que, independentemente de suas posições políticas, se trate de liderança de proa é fazer piada de mau gosto.

Sem dúvida, desde a eternização de Carlos Lacerda e Magalhães Pinto a direita lúcida e erudita está acéfala. O binômio Carlos Lacerda -- Magalhães Pinto era, de longe, um afiado aríete que abalava as mais sólidas estruturas institucionais brasileiras. No entanto, os dois, civis e de convicções liberais ortodoxas, não aceitaram a fascistização do regime que ajudaram a instalar com o golpe de abril de 1964. Embora o mineiro tivesse traquejo fora da média, não inspirava confiança dos dirigentes da linha-dura, pois Pedro Aleixo, vice de Costa e Silva, fora passado para trás simplesmente por não usar farda.

Por que gente com o perfil de Urinol e sequazes da republiqueta de ‘cornitiba’ se prestam recorrentemente a endeusar o inominável e fazer apologia ao fascismo travestido de neopentecostalismo? Seu comportamento à frente da ‘Leva Jeito’ o explica: em vez de aplicar a lei, ele e seus cúmplices se dedicaram à prática da ilicitude, e para isso se valeram do cargo fruto das conquistas da Constituição de 1988. Não nos esqueçamos de que foi a Constituinte, com muito esforço, tendo à frente ninguém menos que o Ministro Sepúlveda Pertence a embasar como constitucionalista a autonomia do Ministério Público como fiscal da lei. Mas os fascistoides da republiqueta de ‘cornitiba’, entre uma ‘festa da cueca’ aqui e outro festival de orgias acolá, prevaricaram, conspurcaram, procrastinara e, sobretudo, destruíram as instituições em desserviço dos interesses maiores da República e do Estado Democrático de Direito. Mas eles ainda vão pagar, e caro, por tudo o que fizeram -- diferentemente deles, à luz da lei e da Constituição. Não perdem por esperar.

Portanto, não cabe ‘irritação’ dos que têm como obrigação tão-somente cumprir a lei. Há por certo para toda a cidadania, independentemente de ofício, profissão, cargo, setor, religião ou condição social, o direito inalienável de indignação por desmandos deliberados reiteradamente no desgoverno passado, cujo titular não teve a hombridade de assumir, sim, seus erros: liberação de mais de cinco mil CACs a criminosos e a invasão depredadora aos Três Poderes. Até hoje vive a mentir, mentir, mentir, como um verdadeiro mau-caráter de envergonhar toda a nação. Basta já de tanta cara-de-pau: fora da lei tem que ir pro xadrez e não ficar fornicando, promiscuindo, masturbando, atiçando, conspurcando e ameaçando os Poderes da República. Lugar de terrorista, enfim, é na cadeia.

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 1 de março de 2024

MASSACRES SOBRE MASSACRES: NÃO É GENOCÍDIO?

Massacres sobre massacres: não é genocídio?

Mais de cem mortos e centenas de feridos são as vítimas de mais um massacre, desta vez na rua Al-Rashid, em Gaza, pelo poderoso exército sionista, sob pretexto de ter-se sentido ‘ameaçado’ pelo contingente de famélicos desesperados durante a primeira entrega de ajuda humanitária em um mês de absoluta interrupção de fornecimento de alimentos e remédios.

No momento em que escrevo, são 112 mártires e 765 feridos (crianças, mulheres, jovens e idosos desarmados, fracos e desesperados de fome) vitimados no massacre diário, desta vez na rua Al-Rashid, em Gaza, pelas forças militares sionistas. Assassinados quando iam receber os donativos da ajuda humanitária. Qual crime cometeram, na ótica dos ‘divinos’ estrategistas militares? Estarem vivos mesmo privados de comer, coisa que em seu país e em todas as potências que os apoiam tutor que não alimenta seu animal doméstico é condenado a alguns anos de prisão?

O chefe da quadrilha, digo, do tirânico exército israelense, apressou-se a dizer que em um primeiro momento foram pisoteados e atropelados por eles mesmos quando tentavam saquear os donativos e em um segundo momento a poderosíssima guarnição de um dos maiores (e corruptos) exércitos do mundo se sentiu ‘ameaçada’ pela multidão de famintos a correr desesperadamente aos comboios com ajuda humanitária da ONU e, depois de disparar para o alto, alvejaram as pernas dos ‘terroristas’. Mentira que não cola.

Esse ‘divino’ governo, com seu ‘divino’ exército e seus ‘divinos’ aliados têm o direito de não só mentir como assassinar crianças, mulheres e idosos impunemente? Em nome de qual fé e qual Deus se mata? Seus soldados, seus comandantes, seus governantes e as potências e seus aliados pelo mundo desconhecem as Sagradas Escrituras?

Não é preciso professar a mesma religião, a mesma denominação religiosa, a mesma fé, o mesmo culto, para saber o inteiro teor do Decálogo, a Tábua da Lei, desde os mais remotos tempos entregue a Moisés e base das chamadas religiões monoteístas. Se olharmos o Decálogo, que é comum a todas as religiões por se constituir em princípios civilizatórios, o primeiro código civil a disciplinar populações ancestrais. Trouxe, a propósito, a citação do Decálogo do site do Santuário de Aparecida, portanto, insuspeito, e faço apenas uma observação em relação ao dia sagrado, que varia segundo as diversas denominações:

“1) Amar a Deus sobre todas as coisas. 2) Não usar o Santo Nome de Deus em vão. 3) Lembrar-te do dia de domingo para o santificar. 4) Honrar pai e mãe (e os outros legítimos superiores). 5) Não matarás. 6) Guardar castidade nas palavras e nas obras. 7) Não roubar (nem injustamente reter ou danificar bens do próximo). 8) Não levantar falsos testemunhos. 9) Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos. 10) Não cobiçar as coisas do próximo.” (Disponível em: <santuariodeaparecidarp.com.br/decálogo>)

É claro que seus aliados (e cúmplices neste genocídio) vão usar o mesmo argumento dos colonizadores europeus no século XV. Assim como os povos originários da América, África, Ásia e Oceania, os palestinos são ‘sub-raça’, ‘subespécie’ e, portanto, podem ser mortos em nome da civilização e da fé. Com outras palavras, a embaixadora do Estado sionista o disse em reunião ampliada (espécie de assembleia) do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos: “Israel tem o dever de erradicar o Hamas onde ele estiver, pois do contrário ele continuará a invadir nossos territórios e matar nossa população.” Direitos Humanos não contemplam os palestinos, cujas vidas, casas, sítios, hospitais, templos e demais bens materiais e imateriais foram saqueados, invadidos, destruídos e, pior, seu patrimônio cultural avassalado, junto com as pessoas mais velhas e mais sábias.

“O sangue de Jesus tem poder!” Fizeram assim com o Salvador, com a participação de Pilatos, representante do império romano, o condenaram à pena capital, crucificado. Mas não venceram o seu legado de concórdia, amor e reconciliação, tanto que o cristianismo tem a maior população no planeta. É claro que tentam se infiltrar, por meio de seitas que criaram nos Estados Unidos, para dominar fiéis cristãos e confundi-los. Um dos executores desse estratagema é o mala saia sem alça, aquele mercador da fé metido a bispo que tirou das fachadas de seus templos o nome de Jesus Cristo porque agora adotou a ‘teologia da dominação’ no lugar da ‘teologia da prosperidade’.

Essas igrejas neopentecostais que adotaram a ‘teologia da dominação’ (em vez da teologia da prosperidade) não são mais cristãs, embora tentem confundir seus fiéis. A doutrina que seguem é a de Davi como majestade e seu legado agressivo diante de seus interesses contrariados. Se são seguidores de Davi, são seitas judias, não cristãs, pois o legado de Jesus Cristo, tido pelos sumos sacerdotes Anás e Caifás como ‘falso Messias’ e por isso denunciado ante o representante do império romano, Pôncio Pilatos, que presidiu o juízo que o condenou à pena máxima, isto é, ser crucificado. Não dá para ser cristão e seguir Davi em seu legado, totalmente contrário aos princípios cristãos.

Quem tiver lido somente uma vez sabe. Passou do tempo de fingir que há inocentes úteis nesse genocídio. Ou se condena veementemente, ou se finge ignorar. Mas a cumplicidade é igualmente assassina. Até porque chamar de terroristas os que defendem a ínfima parte do território milenar 90% usurpado, roubado, saqueado, com a conivência das maiores potências mundiais desde o pós-guerra de 1945 é o cúmulo dos absurdos.

Assassinos, cínicos, covardes! Os funestos soldados, seus comandantes, os governantes da ‘democrática’ nação sionista e seus aliados do ocidente e os capachos, igualmente nefastos, pelo planeta afora. E não ousem usar o nome de Deus para justificar os crimes em série que praticam ou apoiam. A heresia replicará em cada um deles até a sua última geração. Não há escapatória.

Nem durante a guerra fria havia tamanho cinismo, até porque diversas nações socialistas então apoiavam política e materialmente a luta do povo palestino. Depois de que Ronald Reagan e a sua similar Margareth Thatcher decidiram refazer a geopolítica mundial sobre os glúteos do mefistofélico Michail Gorbatchev e impor seu totalitarismo globalitário (nas sábias palavras de Noam Chomsky, com o apoio de Milton Santos) a toda a humanidade: invasões, saques, fome, miséria, fim da soberania nacional e extinção dos direitos à autodeterminação dos povos e à proteção dos direitos humanos.

Desde o fim da União Soviética, a raposa vem tomando conta do galinheiro em que a Terra se converteu. O sionismo, o mesmo que fez ruir o Estado Soviético e signatários do Pacto de Varsóvia por meio de ‘camaradas’ de Gorbatchev no Bureau do Partido Comunista da URSS, é quem manda na Casa Branca, na OTAN, na União Europeia e, pasmem, na maioria das ex-repúblicas soviéticas, como a Ucrânia, cujo ‘presidente’ Volodimir Zelensky, na verdade, um fantoche sionista, faz o jogo do ocidente para submeter ao seu domínio o que restou da Rússia. Sim, porque antes de nacionalistas (direita, verdade) como Vladimir Putin assumir o governo dos respectivos países sucedâneos da Pacto de Varsóvia, eram títeres alcoólatras como Boris Yeltsin a desgovernar, para que no meio do caos, sionistas e burocratas corruptos do antigo Estado Soviético promovessem a ‘caça ao tesouro’, isto é, ao patrimônio público que, de repente, desapareceu e os tais ‘oligarcas’, amigos de Yeltsin, apareceram como ‘mecenas’ para a ‘construção da democracia’.

Henfil, criador dos Fradins (Baixim e Cumpridim), de saudosa memória, costumava dizer: “Democracia é a mãe!” É claro que se referia à ditadura brasileira, da qual foi seu melhor crítico. Mas, democracia é a mãe, pois o que hoje existe é uma plutocracia em escala global. Inclusive no País. Ou por que aquele mala saia sem alça metido a bispo, mercador da fé com todas as letras, é o maior detrator da democracia brasileira? Ele, Biden, Trump, Milei, o inominável e outros similares pelo mundo satânico vivem às expensas do poder e da cobiça dos bilionários sionistas que ‘patrocinam’ tudo que não presta.

Você, leitor, verdadeiramente cristão, leia com cuidado sua Bíblia e se atenha ao Legado Cristão, descrito ao longo do Novo Testamento. O Velho Testamento é de caráter histórico (para embasar a doutrina Cristã), mas os princípios religiosos cristãos estão contidos todos no Novo Testamento. Israel não é cristã, nem judia: é uma realização dos sionistas sobre o território da Palestina Milenar, como consta de passagens bíblicas. Como já denunciaram vários rabinos ortodoxos antissionistas, Israel não os representa porque é um projeto de poder, negação dos princípios religiosos.

Para concluir, o que a humanidade testemunhou neste 29 de fevereiro de 2024 foi mais um massacre cometido pelos que se dizem eternas vítimas da história. Como assim? São eles os que cometem massacres sobre massacres desde 1937, ano do primeiro massacre, em Dawayima, cometido por sionistas na Palestina ocupada pela Grã-Bretanha. Ano após ano, sionistas de diferentes gerações e nacionalidades, em nome de ‘Israel’, cometem as atrocidades mais bizarras, que até Deus duvida. Depois vieram as de Deir Yassin, Qibya, Kafr Qasim, Galileia, Sabra e Chatila (Líbano), Hebron, Jenin, Intifadas e Gaza.

É hora de os movimentos populares se manifestarem em todo o Brasil, em todo o Mundo. O Presidente Lula deu uma contribuição valiosíssima, e até hoje paga com ameaças de todas as formas pelos títeres pró-sionistas. Mas ele, com a sua firmeza peculiar, diferente do inominável que se borra todo quando é ‘enquadrado’, mantém sua posição e reitera em todas as oportunidades possíveis fazer seu apelo pelo fim do genocídio em Gaza. Os que se omitirem covarde ou de forma cúmplice neste momento dirão o que às próximas gerações? Que não sabiam? Não estavam a par das notícias quando eram denunciadas tais crimes contra a humanidade? Quem viver verá.

Ahmad Schabib Hany

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Acervo Instituto Sócio-Ambiental (FSP 27 abr. 1980)


Matéria enviada pelo correspondente GTA à Folha de S.Paulo a propósito da realização, em Campo Grande, do Primeiro Seminário Sul-mato-grossense de Estudos Indigenistas. Estiveram presentes os antropólogos Darcy Ribeiro e Fernando Altenfelder, entre outros, e os líderes indígenas brasileiros Mário Juruna, Domingos Veríssimo Marcos e o eterno Marçal de Souza (executado três anos depois por fazendeiro ligados à grilagem de terras, mas o mandante do crime nunca foi formalmente acusado, tanto que o crime permanece impune e, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, já prescreveu), que denunciaram as ameaças e os abusos contra as populações originária.

Fonte: Acervo do Instituto Sócio-Ambiental (FSP, 27 abr. 1980)

ATÉ SEMPRE, PROFESSOR PAULO CABRAL!

Até sempre, Professor Paulo Cabral!

Sociólogo, o Professor Paulo Eduardo Cabral foi, para os alunos de Humanas na extinta FUCMT, uma referência fraternal. A discrição e generosidade com que se relacionava com as diferentes gerações de docentes e discentes ao final do regime de 1964 incentivou muitos jovens aos estudos e, sobretudo, à pesquisa.

Terça-feira, 27 de fevereiro de 2024. Por meio de mensagem de uma de minhas Irmãs fui impactado pela notícia da súbita eternização de um docente emblemático, entre os tantos que a Vida generosamente nos brindou. O querido e inesquecível Professor Paulo Eduardo Cabral, então jovem Sociólogo (desses com letra maiúscula), substituíra o lendário Padre Félix Zavattaro na disciplina de Sociologia Geral da licenciatura em História da FUCMT no emblemático ano de 1979, primeiro ano da existência oficial de Mato Grosso do Sul.

Na aula de apresentação, Paulo Cabral, de barba cerrada e bolsa a tiracolo, fora bastante comedido, e se ativera à ementa da disciplina. Entretanto, nas discussões que ele mesmo provocava em sala e, sobretudo, nos trabalhos solicitados ao longo do ano, sinalizara algo não muito comum em tempos de autoritarismo e arapongagem: ao estimular o estudo a fundo de sua disciplina, e por extensão da História numa perspectiva das relações sociais, nos permitia apropriar-nos de um instrumental metodológico até então censurado.

Embora discreto, nunca censurou ou monitorou as nossas ‘irreverências estudantis’, pois queríamos ‘ir além’ do ‘feijão-com-arroz’. Esclarecia dúvidas, ajudava a compreender melhor algum texto mais denso, mas recomendava que fosse feito em grupos de estudo, de preferência fora da instituição (óbvio, porque estávamos cheios de arapongas na sala de aula). Certa vez levei um genial livreto da Editora Avante, de Portugal, com um texto de Amílcar Cabral sobre educação e colonização. Por prudência, pediu-me ‘emprestado’ o livreto. Deu-me o telefone de sua casa e me convidou a visitá-lo no final de semana. Lá, afetuosamente, me explicou por que me tirara o livreto. Recebeu-me tão bem, que voltei inúmeras vezes à casa em que então morava, na Coophafé, Vila Santa Fé.

Na época, o primeiro ano era básico e os alunos de História faziam as mesmas disciplinas com os colegas de Pedagogia, Letras e Geografia. As novas gerações não fazem ideia, mas ainda vigiam os nefastos decretos 228 e 477, espécie de AI-5 do ensino universitário, e nas licenciaturas era expressamente proibido estudar (e, portanto, citar) Paulo Freire, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Caio Prado Jr., Nelson Werneck Sodré, Edgar Carone, Florestan Fernandes, Theotônio dos Santos, Fernando Henrique Cardoso, José Carlos Mariátegui, Pablo González Casanova, Enzo Faletto, Jean Piaget, Emile Durkheim, Max Weber, Georg Hegel, Rosa Luxemburg, Herbert Marcuse, Georg Lukáks, Erich Fromm, Antonio Gramsci, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Friedrich Engels e, obviamente, Karl Marx, entre outros não menos importantes.

No sisudo curso de História da FADAFI/FUCMT, tínhamos quatro docentes que à época considerávamos ‘dos nossos’, por conta de nossa inconformidade juvenil: além do Cabral (ele permitia ser chamado pelo nome), Frei Fiorello Collet (de quem não tive mais notícias, titular da disciplina de Métodos e Técnicas de Pesquisa, em cuja primeira aula, antes de se apresentar, entrou recitando o poema de Carlos Drummond de Andrade “E agora, José?” e nos incentivou a desenvolver, na prática, as diferentes linhas de pesquisa, bibliográficas e de campo, tendo me incentivado a fazer uma enquete sobre o exame final obrigatório na instituição, quase uma ‘heresia’), a Professora Yara Blum Penteado (muito didática e generosa, uma verdadeira Mãe na formação universitária, titular da disciplina de Antropologia Cultural, outra incentivadora nos estudos, sobretudo dos clássicos, tanto que no trabalho final de seu curso me permiti desenvolver um trabalho dentro daquilo que então era uma verdadeira irreverência, os autores marxistas de referência, sem citá-los) e o Professor Giuseppe Buttera (titular de Filosofia, com forte sotaque italiano, que depois de ter deixado a Congregação Salesiana decidiu estudar Medicina na UFMS e cheguei a encontrá-lo na modesta pensão de meu Pai como mochileiro com a sua Companheira, rumo a Machu Picchu, durante as férias, no início da década de 1980).

Como técnico da então Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, o Sociólogo Paulo Eduardo Cabral foi um dos organizadores, em fins de abril de 1980, do Primeiro Seminário Sul-mato-grossense de Estudos Indigenistas (que fazia um alerta na consigna em gradiente EXTERMÍNDIO), de que participaram os líderes indígenas Mário Juruna, Domingos Veríssimo Marcos e Marçal de Souza (três anos depois vítima de execução já anunciada por ele em razão da cobiça de terras indígenas, crime impune que completou 40 anos sem que o mandante tivesse sido ao menos formalmente acusado), além de antropólogos da estatura de Darcy Ribeiro e Fernando Altenfelder, que generosamente interagiam com estudantes presentes ao evento durante os cinco dias de debates e denúncias dos povos originários.

Nessa época eram poucos os professores que ‘ousavam’ assistir às exibições do Cineclube Universitário, uma das geniais iniciativas do Diretório Acadêmico Félix Zavattaro (DAFEZ) na brilhante gestão da “Semente”, com os hoje Professores Amarílio Ferreira Jr., Marisa Bittar, Paulo Roberto Cimó Queiroz, Paulo Marcos Esselim, Mário César Ferreira, José Carlos Ziliani e Tito Carlos Machado de Oliveira, em parceria com o DAJS (Diretório Acadêmico José Scampini, do Serviço Social, cuja presidente então era a querida e saudosa Mariluce Bittar, Irmã da Marisa e minhas vizinhas na Cândido Mariano, o que me honrava muito, pois eram duas lindas referências intelectuais e de ascendência libanesa). O agora saudoso Cabral e o Professor Luiz Salvador de Sá, do curso de Psicologia, participaram dos debates realizados após a exibição dos filmes, em sua maioria do Cinema Novo.

Não tenho dúvida que a qualidade da graduação que então fizemos deveu-se muito a esses Professores com letra maiúscula (que não se limitam aos citados, pois havia entre os ‘não progressistas’ a dedicação ao ‘ofício’, como eram formados os docentes. Os tempos eram de repressão, muitos dos que aparentavam conservadorismo depois se revelaram bastante abertos, tanto que a ‘Semana de História’, iniciada na gestão Semente e continuada por nossa geração sem o apoio da entidade acadêmica (porque os ‘comunistas’ perdemos a disputa pela sucessão no DAFEZ em razão do desgaste natural de duas gestões seguidas e, também, de uma inusitada aliança de Companheiros de esquerda filiados ao PT, que nascia então, e alunos seminaristas ligados à Missão Salesiana, mantenedora da FUCMT).

Em 1987, encontrei num final de tarde o Professor Paulo Cabral saindo de um cartório da rua Delamare, em Corumbá, ocasião em que, assessor técnico do saudoso Doutor Roberto Orro na Secretaria de Estado de Justiça, participava de uma pesquisa para a construção da rede notarial que décadas depois, com a criação da internet, hoje está toda interligada. Até nisso o Cabral tem sua contribuição discreta e competente. Meses mais tarde, quando da fundação do Comitê 29 de Novembro de Solidariedade ao Povo Palestino, no auditório do CEUC/UFMS, era para ele ter vindo numa comitiva de Campo Grande, em que a saudosa Amiga-Irmã Margarida Marques e sua colega e Amiga Maria Helena Brancher (autora da foto emblemática de Marçal de Souza), acompanhadas da Professora Yone Ribeiro Orro tiveram participação ativa, mas problemas de saúde em sua Família acabaram impedindo.

Fomos nos encontrar na Segunda Semana Social Brasileira, em Brasília, em julho de 1994, quando dividimos o mesmo alojamento coletivo para parte da comitiva de Mato Grosso do Sul no convento das freiras franciscanas estigmatinas, por sinal bastante acolhedoras e simpáticas. Na época ele era o ponto-focal da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida e, alternando compromissos entre o Encontro Nacional da Ação da Cidadania e a etapa nacional da Segunda Semana Social Brasileira, conseguia fazer, competente e generosamente, o que qualquer mortal teria dificuldades abissais.

Homem despido de qualquer vaidade, quando foi demitido da FUCMT por razões não acadêmicas (ele e a Professora Yara Penteado) foi imediatamente contratado pelo CESUP, que logo se transformaria na Universidade para o Desenvolvimento Regional do Pantanal (UNIDERP), tendo sido por décadas chefe de gabinete da reitoria e mais tarde diretor do Hospital Veterinário dessa instituição. Mais uma vez sua discrição e competência ajudou a construir o estado que viu nascer. Depois que um grupo transnacional adquiriu a maioria das ações do quadro societário da entidade mantenedora, acabou por realizar velho sonho de morar em um sítio, em Terenos.

Depois de aposentado, dedicou-se às letras, tendo sido membro e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul. Entre os livros que Paulo Cabral escreveu, o registro meticuloso da extinta Moderna Escola Campo-grandense de Ensino (MACE), por ocasião de seu cinquentenário, é emblemático. A mais recente obra a prefaciar foi a antologia de crônicas que o Jornalista Maranhão Viegas fez durante a pandemia de covid-19, ‘Cápsulas de oxigênio’. Generoso e comedido, o paulistano que escolheu Mato Grosso do Sul quando era instalado se eterniza depois de constatar que o conservadorismo e a tibieza da minoria progressista se complementam numa sociedade excludente, hipócrita e, sobretudo, seduzida pelo fascismo travestido de neopentecostalismo.

Em entrevista a Brayner Silva (Folha de Campo Grande, 17 jun. 2022), observara: “Muito me espanta ver pessoas pedindo a volta da ditadura, um momento deplorável da nossa história. Só na democracia, com todos os seus defeitos, vamos conseguir aprimorar a política. Sem política não existimos, não fazemos nada, não resolvemos nada. Então, reforço que a política é o meio de se conseguir uma sociedade justa e igualitária.”

Até sempre, querido Amigo e Professor Paulo Cabral! Obrigado pelas inúmeras lições de cidadania, generosidade, comedimento e humildade, que seu fecundo legado de discrição e competência ilumine mentes e corações destas e das próximas gerações!

Ahmad Schabib Hany