sábado, 24 de março de 2018

AFINAL, QUAL É A GRANDEZA DE MORO?


AFINAL, QUAL É A GRANDEZA DE MORO?
Ninguém está livre da lei do retorno, por maior prestígio possa ter na bancada dos golpistas do Congresso, que jamais poderá “revogá-la” para proteger-se...
Produto mal-acabado de uma narrativa golpista construída nos nada criativos moldes da outrora (sic) “Vênus platinada” -- hoje Rede Gloebbels de Conspiração, da famiglia Ma(erd)inho, 53 anos de manipulação e sonegação acintosa --, o juiz Sérgio Moro, de primeira instância da Justiça Federal de Curitiba, virou celebridade cometendo excessos e atropelos para agradar a volúpia da mí(r)dia treteira, bem ao gosto de uma classe mé(r)dia (sic) “cançada” -- no dizer ignorante (em todos os sentidos) de um cartaz carregado por madames cariocas da Zona Sul durante as opulentas “manifestações” convocadas pelos fantoches do MBL e do Ponha-se na Rua, digo, Vem Pra Rua, organizações fascistas regadas a dólares de empresas multinacionais e de algumas “igrejas” que de fé absolutamente nada têm -- de dividir espaços “privilegiados” como universidades, aeroportos, shoppings e trânsito com a multidão de trabalhadores que ascenderam à pirâmide social graças às tímidas (mas efetivas) políticas de distribuição de renda dos governos dos Presidentes Lula e Dilma desde 2003.
Sim, cometendo excessos e atropelos -- nunca punidos, aliás --, como o da divulgação de gravação ilegal de conversa entre a então Presidenta Dilma e o Presidente Lula, que muito contribuiu para a deflagração do golpe, semanas posteriores. Aquela absurda e despropositada (sic) “condução coercitiva”, sem qualquer motivação real, apenas pirotecnia midiática, do Presidente Lula, além da invasão de sua privacidade em seu apartamento, constrangendo Dona Marisa Letícia, sem qualquer justificativa. E a aceleração de processos de correligionários, amigos e aliados do Presidente Lula com o claro propósito de criminalizar Lula durante a tentativa de desgastar politicamente os governos petistas, o seu partido e toda a esquerda? E a desconsideração explícita de denúncias contra as proeminências dos partidos adversários, como o PSDB, DEM, PP, PMDB etc, como Serra, Alckmin, Azeredo e a esposa de Eduardo Cunha, poupados seletivamente de qualquer processo?
Se isso fosse pouco, o que dizer, então, da “linha-direta” que mantém com o Departamento de Justiça do governo dos Estados Unidos (confirmada pelo alto escalão estadunidense), sem autorização prévia de superiores ou do Executivo brasileiro, sob cuja jurisdição se encontra a Chancelaria, responsável pelas relações exteriores do Estado nacional? E quanto ao status conquistado informalmente de pressionar e discorrer considerações nada ortodoxas em relação às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), já observadas pelo ministro Marco Aurélio Mello? Com que direito Moro age com tal, digamos, “desenvoltura”, quando tem o dever de ater-se a sua jurisdição e cumprir a lei como funcionário público que é, sob pena de estar cometendo crime de prevaricação?
Passados alguns anos do início da campanha de desestabilização protagonizada contra a Presidenta Dilma, em junho de 2013 (até então ela se encontrava em “céu de brigadeiro”, gozando de uma popularidade de fazer inveja a FHC, pois só era menor que a do Presidente Lula), hoje é possível perceber certas “coincidências” -- só que não (no linguajar juvenil), tamanhos os vínculos reais com outros episódios, no mínimo curiosos -- entre o cronograma de realização das “manifestações” e as operações da Leva-Pato (não há erro de ortografia, não), as coletivas dos procuradores, delegados e outros servidores públicos, subitamente empoderados, segundo a mí(r)dia golpista, pela “legitimidade das ruas” -- inexplicavelmente, hoje não mais fazem tamanho escarcéu diante de revelações muito, mas muito mais cabeludas (cenas gravadas de ocupantes de cargos privativos da Presidência da República e do Senado Federal com malas de dinheiro e denúncias provadas de recebimento de propina por pessoas da confiança pessoal do presidente golpista), todas não elucidadas, nem processados os envolvidos.
Este reles escrevinhador indignado teve a honra e o privilégio de conhecer um ex-colega de faculdade seu, totalmente diferente de Moro (para começar, avesso ao exibicionismo midiático, profundamente garantista e filho de opositor ao regime de 1964), que nutria ainda que tênue esperança de que seu ex-colega de curso pudesse contribuir para o aperfeiçoamento do sistema democrático. Não tenho conversado com ele há algum tempo, mas, coerente como é, não tenho dúvida de que deve ter-se frustrado com a sua, digamos, “seletividade”. Outro ex-colega seu, este da magistratura, classificado em primeiro lugar no mesmo concurso em que Moro concorreu para a Justiça Federal (hoje governador Flávio Dino, do Maranhão), não esconde a perplexidade por sua conduta extremamente anacrônica, sobretudo pela tabela que faz com procuradores federais como Deltan Dallagnol e Carlos Lima, explicitamente políticos, cheios de motivações ideológicas e reconhecidos por serem movidos por suas “convicções” -- basta nos lembrarmos da apresentação em data show em que Lula é o (sic) “chefe da quadrilha” e os tentáculos, risíveis, incluem instituições governamentais e programas sociais (portanto de governo), como que nisso houvesse alguma “trama” ou ilicitude.
Para encerrar, lembremo-nos do advogado Rodrigo Tacla Durán, que defendeu a Odebrecht e a UTC há pouco tempo. Ele causou verdadeiro alvoroço ao denunciar, da Espanha (onde se encontra por ter dupla cidadania, à procura de proteção do governo espanhol), os bastidores da operação Leva-Pato em que o ex-sócio da esposa do juiz Moro, Carlos Zucolotto Jr., pratica extorsões e um comportamento nada ético com seus clientes. Depois de ter sido assessora de Beto Richa, governador tucano do Paraná, a mulher de Moro passou a ser assessora jurídica da Shell no Brasil -- a multinacional do petróleo que mais está ganhando com as concessões do Pré-Sal e da privatização de subsidiárias da Petrobrás, estatal que está sendo fatiada pelo (des)governo de Me(rd)chel T(r)emer.
Diante disso, juiz Sérgio Moro, qual é a sua grandeza? Como bem escreveu o blogueiro Esmael Morais, o justiceiro togado está virando aquela personagem de desenho chamada de Sargento Garcia, que não consegue pegar o herói mascarado, e o Lula se consolidando como o Zorro, sobretudo na popularidade -- é que, como sempre ocorreu, quanto mais perseguem Lula, ele aglutina maior apoio da população, que muito se identifica com ele. Está na hora de os adversários procurarem outras estratégias, pois a destituição de Dilma para entronizar uma verdadeira quadrilha, e mais esta, para o desgosto dos (sic) “cançados”, já capitularam, já feneceram, tendo deixado no ninho tucano o ovo da serpente.
Lei do retorno ou não, é melhor já ir se acostumando com a iminência de um novo mandato popular, e tudo indica que seja com Lula mais que com alguém que ele apoie, ainda que com o mesmo perfil dele. E aos desavisados, a tal lei do retorno é igual à lei da gravidade, não pode ser revogada pela bancada dos golpistas no Congresso...
Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 23 de março de 2018

"O ESTADO É MEU!"

“O ESTADO É MEU!”
Do Rei Sol ao Príncipe das Trevas, a falência do Estado...
Não, não se trata do célebre Luís XIV -- o de “o Estado sou eu” --, iniciador do absolutismo, gênese do Estado Nacional ou Moderno, quando a burguesia recém-capitalizada pactua com o rei sua participação no poder e alija a nobreza parasitária. Ironia da História, hoje é a burguesia a parasitária, e pactua até com o crime organizado qualquer artifício que estique seus dias no topo da pirâmide social, valendo-se, inclusive, de fórmulas bizarras, tiradas do lixo da história, como caricaturas de Hitler, porém nada inteligentes...
Como bem disse o “velho barbudo”, a História só se repete como farsa.
Mas o grande Jornalista Paulo Moreira Leite, articulista do 247, escreveu há pouco menos de um ano que Michel Miguel Temer Lulia -- MT para o departamento de propinas da Odebrecht, ou Me(rd)chel T(r)emer para a História -- tenta inspirar-se em algum grande personagem histórico para os seus devaneios senis e justificar-se perante os seus, talvez diante de sua “recatada e do lar” e do inocente Michelzinho (afinal, não tem, absolutamente, qualquer culpa pelo pai que tem). Poderia ter sido Napoleão Bonaparte, mas escolheu arbitrariamente o Rei Sol, assunto muito bem tratado em seu (de Paulo Moreira Leite) memorável artigo.
Filho de um casal de imigrantes libaneses (não sei se “nascido no Brasil aos nove anos”, o que o impediria chegar ao mais alto cargo do País), depois de se formar na renomada Faculdade do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo, passou no concurso para promotor de Justiça do estado de São Paulo. Anos mais tarde, graças à sensibilidade política de um grande brasileiro chamado André Franco Montoro, então recém-eleito governador em São Paulo ao derrotar de modo acachapante o então deputado Paulo Salim Maluf, encarnação da (mal)ditadura, foi convidado para chefiar o Ministério Público de São Paulo, como reconhecimento da importância da comunidade libanesa de São Paulo e gesto de cordialidade com os imigrantes árabes, de modo geral.
Exerceu o cargo até ser convidado, novamente por Montoro, para substituir o titular da Secretaria de Segurança Pública, quando teve seus quinze minutos de fama por ter criado a primeira Delegacia de Polícia de Atendimento à Mulher. Além de conquistar uma súbita notoriedade, T(r)emer conseguiu o apoio incondicional de um dos cardeais da oposição ao regime de 1964, ligado à igreja católica e bastante influente na sociedade paulistana. Ele deve ao então governador Montoro a sua candidatura a deputado constituinte em 1986, mas, com a sina de sempre ser suplente, acabou no banco de reservas da bancada paulista na Constituinte. Graças à inesgotável habilidade de seu padrinho, acabou participando dos debates da nova Carta Constitucional, pois um dos deputados titulares, a pedido de Montoro, passou a integrar o secretariado de Orestes Quércia, sucessor no governo estadual.
No entanto, T(r)emer nunca correspondeu à lealdade de Montoro, tanto que um ex-assessor seu não conseguiu segurar e deixou escapar, como ato falho, o desconforto desse democrata de excepcional quilate quando o lembravam que ele havia sido responsável pela, digamos, iniciação política do então obscuro aprendiz de político. Montoro e Mário Covas, no final da vida, romperam com o PMDB e foram fundamentais para a criação daquilo que viria a ser o ninho da serpente, o PSDB. Mas a deslealdade de T(r)emer, que não resistiu ao convite do governador quercista Luiz Antônio Fleury Filho, ex-membro como ele do Ministério Público de São Paulo, para assumir a Secretaria de Segurança Pública depois do vergonhoso e trágico massacre do Carandiru.
Há quem diga que o início da ascensão da -- segundo a Gloebbels dos Ma(erd)inhos -- “organização criminosa” que há décadas comanda as penitenciárias (e, de certo modo, também a política) paulistas tenha se dado durante a medíocre gestão de Temer à frente da administração dos presídios. Lenda ou não, é de causar preocupação, muita preocupação. Por quê? Nenhum governo tucano, em sã consciência, de 1995 aos nossos dias (pois é, Alckmin, Serra e demais tucanos vêm se revezando há 23 anos em São Paulo, e depois vêm falar em alternância para justificar o golpe contra Dilma...), pôs limite à expansão do domínio dessa quadrilha -- hoje um verdadeiro partido político com tentáculos em todo o Brasil (e até fora, como se pôde ver no Paraguai, Bolívia, Colômbia e Peru) -- e não por acaso, no início do (des)governo T(r)emer, houve uma verdadeira disputa de facções criminosos em presídios de diferentes estados. E o que fez T(r)emer? Absolutamente nada, pois nem as promessas de liberação de verbas para construir novas unidades penais se realizaram.
T(r)emer não se imagina distante do Palácio do Planalto. Ele pegou gosto pela coisa. Pior, tem convicção (êta palavrinha desgastada pelos justiceiros, togados ou não) de que o Estado lhe pertence, de que é “o predestinado”, e que sem ele o País sucumbirá, tamanha a sua obsessão pelo poder. Por isso a intervenção federal no Rio, para alavancar a sua (sic) “candidatura à reeleição” (como “reeleição” se não foi eleito presidente?). No ímpeto de saciar tal desejo, ele não se dá conta da tragédia que ameaça disseminar em todo o Brasil, a partir dessa sua iniciativa bizarra pra cima dos cariocas e fluminenses: além da dispersão de membros de milícias e organizações criminosas por conta da repressão, e se eclode (como está já ocorrendo) uma guerra entre a maior organização criminosa do Rio com a maior organização criminosa de São Paulo? E se a quadrilha paulista (nos dois sentidos) se apropria do Rio, e por extensão de todo o Brasil? Será um deus-nos-acuda (para todos nós, que não temos absolutamente nada a ver com isso)...
Em resumo -- com o devido pedido de desculpas ao genial Jornalista Paulo Moreira Leite --, T(r)emer está bem longe de imitar o Rei Sol, mas muito perto de ser o próprio Príncipe das Trevas. Para ele, “o Estado é meu!”, portanto, muito mais impregnado do medievalismo de uma mente obtusa que o rei francês que introduziu o absolutismo, tendo contribuído -- ao seu modo, é verdade -- para a consolidação do Estado Moderno, ou Nacional, hoje desesperadamente destruído pelas hordas neoliberais, um eufemismo para o parasitismo econômico que grassa (ou, melhor, desgraça) na contemporaneidade, em que rentistas, agiotas e os abutres do cassino financeiro internacional promovem golpes aqui, no Paraguai, em Honduras e em outros países pelo mundo afora.
Ahmad Schabib Hany

domingo, 18 de março de 2018

MARIELLE ESTÁ AUSENTE. DORCELINA TAMBÉM (Luiz Taques)


Marielle está ausente. Dorcelina, também.

Por Luiz Taques


Dorcelina Folador foi assassinada em outubro de 1999.

Como Marielle Franco, ela não tinha 40 anos de idade; deixara duas meninas órfãs.

Todos os anos, as filhas, hoje crescidas, ocupam as mídias alternativas para lembrar a prematura e indignante morte da mãe.

Repórter popular do MST, Dorcelina se filiara ao PT para se candidatar à prefeitura.

Lá, da longínqua e abandonada Mundo Novo, na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, onde morava.

Havia tido paralisia infantil, por isso, puxava de uma das pernas.

Na eleição de 1996, Dorcelina vencera os barões do tráfico e do contrabando que dominavam o pedaço.

Ousara ser honesta: não roubara; não deixara que roubassem.

Foi o bastante para encomendarem a sua morte.

O pistoleiro a matou com seis tiros – dos sete disparados, ele errou um.

Com o impacto do primeiro projétil, o corpo de Dorcelina se movimentara: ela estava numa cadeira de balanço. Foi quando o pistoleiro, que era profissional mas não manjava de física, apertara o gatilho pela segunda vez: sua mira falhara.

Porém, igual aos seus mandantes, era bandido de raciocínio rápido: esperou o corpo se estabilizar, para, só então, efetuar mais cinco disparos. Dorcelina Folador morrera na varanda da sua casa.

No Rio de Janeiro, com a morte encomendada da vereadora do PSOL, Marielle Franco, qual negra ou jovem pobre, oriunda de favela, tentará um mandato popular, para ser porta-voz dos excluídos no parlamento ou no executivo?

Não tentem, viu?

Parece que esse recado já havia sido dado com o assassinato da prefeita de Mundo Novo.
E nós, homens combalidos e do tapinha nas costas, e, tampouco, as Marielles da vida não deram conta disso.

Fica a pergunta: que mulher íntegra e comprometida se atrevera, desde o assassinato da proba e aguerrida Dorcelina Folador, chegar ao poder naquela região sombria de Mato Grosso do Sul?

terça-feira, 13 de março de 2018

OS 92 ANOS DA PEREGRINA DE DOCE OLHAR



OS 92 ANOS DA PEREGRINA DE DOCE OLHAR
WADIA AL HANY DE SCHABIB (11/03/1926 - 15/06/2009)
Caso estivesse conosco, o presente que a Vida nos deu como Peregrina de doce olhar -- que nós chamávamos de Mãe -- estaria, neste domingo, 11 de março, fazendo 92 anos. Eternizada há menos de nove anos, sua presença não é apenas saudade, mas fonte de sensatez e candura a nortear nossos caminhos.
Nascida Wadia Al Hany Ascimani, a formosa donzela que encantaria duas décadas depois o meu saudoso Pai, Mahoma Hossen Schabib, era a segunda de onze filhos que a jovem senhora Guadalupe Ascimani de Hany procriou com seu companheiro, o dentista Youssef Al Hany, em San Joaquín de las Aguas Dulces, departamento do Beni, Bolívia. Nossa Avó Guadalupe, de Pai libanês maronita e Mãe boliviana, casara-se aos 16 anos, como toda donzela de seu tempo. Nosso Avô Youssef, aliás José, libanês druso que estudara na Alemanha até ser atraído pelos encantos e mistérios amazônicos, ainda no pós-guerra de 1917, trocou o Oriente Médio pelo Oriente boliviano, tendo-se dedicado ao povo como se tivesse nascido naquelas terras de promissão e carência.
Desde criança nossa Mãe recebera a incumbência de auxiliar nossa Avó a cuidar dos irmãozinhos, ainda que fossem reduzidos os riscos da Amazônia boliviana. Sendo a mais velha das meninas, cabia a ela o papel de “segunda mãe”, como era apresentada aos amigos da Família. Na década de 1920, período entre-guerras, o Beni, como toda a Amazônia, se transformara em centro provedor de castanha, seringa, carne e minerais preciosos para a Bolívia e o mundo. Por conta disso, levas de imigrantes europeus e asiáticos procuravam o mítico Eldorado (ou El Dorado, em espanhol), mas a maioria encontrava a morte causada pela malária, pelas feras da floresta ou pelos rios indômitos -- muitos aventuravam, mas poucos eram os vitoriosos e podiam contar a sua história para os descendentes.
Não demorou muito para que o imigrante libanês Youssef se transformasse no lendário “Doctor José Al Hany”, dentista que por falta de médicos acabara cuidando da saúde e salvando vidas nos vilarejos situados à beira dos temidos rios amazônicos. Quando ele faleceu, não faltou um prefeito que o homenageasse com o nome de uma rua em Trinidad, capital do Beni, mas que, durante a ditadura sanguinária de Hugo Banzer Suárez, algum interventor rancoroso retirou seu nome para pôr o de um ancestral seu. Se isso fizera falta aos seus descendentes? Absolutamente, até porque a quase totalidade dos Hany se espalhara pela Bolívia e toda a América Latina, fazendo jus à sua origem peregrina.
Mas para a Família Hany retirar homenagem póstuma beirava anedota diante das histórias canhestras contadas pelo Tío Simón Hany, Irmão mais velho e que chegara antes de nosso Avô José à Amazônia, pelo Brasil. No início do século XX, então recém-chegado à América, o Tío Simón foi trabalhar na extração de castanha e seringa e produção de carne na gleba de um grande fazendeiro português, descendente dos senhores de escravo da época da colonização. Cansado dos abusos e represálias do arrogante patrão, o então jovem imigrante decidira pedir as contas e mudar-se para o outro lado da fronteira, a Bolívia. Aconselhado por um amigo africano, havia mais tempo na fazenda, a não fazer isso para não perder a vida -- antes fugisse sem deixar vestígios, mesmo deixando seus haveres --, mas ele relutara por entender que eram seus direitos e que ninguém o enganaria. Resultado: depois de pegar todo o salário devido, o Tío Simón foi alvejado por jagunços do patrão e, enquanto parecia agonizar, era roubado todo o seu dinheiro. Ainda com vida, apesar de todo ferido pelas balas que o atingiram, foi resgatado pelo amigo africano e levado para um vilarejo pouco distante dali, para ser salvo por nativos. Por ironia da vida, dias depois de o Tío Simón ter sido alvejado, o patrão arrogante e ladrão foi morto por um raio que derrubou uma árvore frondosa sobre ele.
Naquela época, as donzelas eram instruídas em casa. Quando jovem, Wadia (Yoya, em casa) e sua Irmã Magiba queriam seguir os estudos, mas no interior do Beni isso era impossível. Por isso, tão logo se emancipou com o casamento -- três anos depois ela, meu Pai e meus dois Irmãos mais velhos foram morar na cidade universitária da Bolívia, Cochabamba, pois para eles o estudo era instrumento de emancipação de todo e qualquer cidadão --, fez um curso de técnica de enfermagem, o que lhe foi de muita valia até para cuidar dos nove filhos e dos filhos de muitas parentes e amigas.
Enquanto meu Pai fazia uma incursão pelas atividades jornalísticas e intelectuais, numa fase em que a Família tinha alcançado estabilidade financeira, sendo Dona Yoya a administradora dos negócios, uma crise sem precedentes se abateu sobre a Bolívia entre os anos 1953 e 1962, o que os levou a decidir emigrar com todos os filhos para o Líbano. Até porque meu Pai, minha Mãe e os filhos, por tabela, tinham automaticamente cidadania libanesa. Esse período, de quatro anos do Líbano, mostrou uma Wadia ainda mais extraordinária e companheira, o que permitiu que meu Pai retornasse às atividades jornalísticas, vinculando-se à imprensa egípcia, escrevendo em árabe e espanhol, pois os mesmos meios que antes publicavam seus artigos na Bolívia, Chile e Brasil tinham interesse de conhecer como as transformações decorrentes do nasserismo estavam se processando por todo o chamado Mundo Árabe.
A iminência da guerra civil no Líbano fez os meus Pais retornarem para a América do Sul, mas desta vez para o Brasil -- precisamente Corumbá, na divisa dos dois países, o que permitia que os filhos mais velhos pudessem cursar os últimos anos do ensino médio e seguir para a Universidade na Bolívia sem perda de tempo --, o que implicou numa fase de adaptação, sobretudo por causa do calor e das características de cidade de interior, ainda que com um cosmopolitismo ímpar. Com a mesma dignidade com que conduzira os negócios da Família na Bolívia e no Líbano, Dona Yoya se armou de valor e arregaçou as mangas para estar à frente de, inicialmente, uma pequena sorveteria e, depois, uma modesta pousada (na época soía ser chamada de “hospedaria”), com a qual custeou os estudos de todos os filhos, além de ter contribuído, ainda que modesta e anonimamente, para o desenvolvimento do turismo ecológico desta porção rica e singular do planeta por exatos 30 anos ininterruptos, além de ter inserido na agenda local alguns temas por meio de artigos publicados no emblemático decano da imprensa corumbaense, o combativo Diário de Corumbá.
Depois do encerramento das atividades comerciais, Dona Yoya aproveitou de desfrutar melhor da companhia do Seu Schabib, e fizeram memoráveis viagens para rever familiares no Brasil, na Bolívia, no Líbano e no México. Eis que o destino quis que o Companheiro de toda a Vida se eternizasse antes de que eles pudessem ter comemorado suas bodas de ouro, período de recolhimento e viagens curtas, na tentativa de esquecer a sofrida solidão. Mas não se deu por vencida, e com a mesma garra com que enfrentou adversidades em diferentes fases da Vida, viveu por mais treze anos de rica convivência com filhas, filhos, netas e netos, irmãs e irmãos.
Silenciou-se numa chuvosa manhã de 15 de junho de 2009, num leito de clínica em Campo Grande, depois de ter resistido estoicamente a um câncer voraz, oportunidade que nos permitiu conhecer melhor a Peregrina de doce olhar que a Vida nos presenteou como Mãe.
Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 9 de março de 2018

Pobre País: entre justiceiros togados, saudosistas da ditadura e a mediocridade golpista



Pobre País: entre justiceiros togados, saudosistas da ditadura e a mediocridade golpista
Peço licença a meus contemporâneos, mas tentarei seguir alguns dos passos do inimitável Tucídides -- que, diferentemente de Heródoto, celebrado como o pai da História, escrevera para a posteridade, e sem omitir o lado em que estava quando registrou a Guerra do Peloponeso -- nesta sincera tentativa de réquiem para a Democracia, esta balzaquiana mal-amada, fruto da luta de muitas gerações para ser perenizada por meio da aclamada Constituição Cidadã, hoje sangrando, nos estertores da morte, apunhalada por três agentes nefastos: os justiceiros togados, os saudosistas da ditadura e a mediocridade golpista que, pela incapacidade constatada de vencer nas urnas em quatro sucessivos pleitos, optou cínica e acintosamente pelo atalho perverso do trambique para atender aos inconfessáveis interesses dos amos e senhores da metrópole decadente representada pela derradeira superpotência do pós-guerra de 1945.
Não poderia haver roteiro mais “técnico”, mais preciso, mais meticuloso, melhor elaborado. Para decepção de muitos, não se tratava de alguma produção cinematográfica da criativa genialidade de Dias Gomes, crítico mordaz da perversão e da mediocridade das elites dirigentes deste país. Estava tudo televisionado, como aquele programa comprado da metrópole global a preço de ouro (e que não teve o mesmo sucesso entre os seus como tem entre os nossos) pela rede monopolista de televisão, funesta herança do regime de 1964. Tratava-se, isso sim, da sessão de julgamento, bem aos moldes hollywoodianos, pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do pedido de suplício, digo, de Habeas Corpus preventivo proposto pela defesa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo reconhecimento popular cresce na mesma proporção em que vem sendo derrotado pelas nefandas instâncias do Judiciário brasileiro. Desnecessário dizer que, por (sic) unanimidade -- repito: u-n-a-n-i-m-i-d-a-d-e -- o referido pedido foi negado, pelo inimaginável escore de 5 a 0, só não maior que a vergonhosa humilhação imposta pela seleção alemã à nossa Canarinho, de triste memória.
Que me perdoem os doutos, mas, convenhamos: ninguém, em sã consciência, engoliu aquela história de que a decisão fora “técnica” -- como não fora “técnica” a decisão de prender e cassar o medíocre e arrogante ex-senador e ex-petista Delcídio do Amaral Gómez e de não prender o netinho mimado, igualmente arrogante e medíocre senador tucano Aécio Neves da Cunha, que foi pego tramando garfar propina milionária e ameaçando de morte o primo que o ajudasse a carregar a muamba. Se o Congresso Nacional está enlameado, suas excelências de toga, data vênia, estão pior que poleiro de pato na opinião do povo, e com essas condutas “tecnicamente” ensaiadas, logo, logo, ganharão do presidente golpista Michel Miguel Temer Lulia a lanterninha dos índices de confiança pelo sábio público.
Nas esquinas deste país é comum e recorrente encontrar pessoas humildes desejosas de fazer o curso de Direito para, em poucos anos, poder qualificar-se e dizer aos doutos senhores de toga o que pensam sobre o mito de que na Justiça -- isto é, no Direito positivado, como o nosso -- não há o sim e o não absoluto, mas o “em termos”, ou, em português coloquial, o clássico “depende”, como pude testemunhar nestas duas últimas semanas mais de meia dúzia de episódios. Não se trata apenas da “judicialização” da política, como sói dizer-se na crônica jornalística tupiniquim: o repentino ingresso do justiceiro togado no quotidiano político, como um salvador da pátria ou um super-herói, subverteu a ordem institucional, construída com muito custo nas últimas décadas, como há 50 anos a presença dos militares no âmbito da político, e sabemos hoje em que deu.
Nunca na história deste país um ex-presidente da República -- eleito e reeleito pelo voto soberano da maioria da população, em dois turnos (além de ter, pela primeira vez nos tempos recentes de nossa esquálida democracia, conseguido eleger e reeleger sua sucessora, a primeira mulher no mais alto cargo da nação) --, na iminência de empreender outra acachapante derrota aos seus adversários dos mais diferentes matizes nos dois turnos destas eleições gerais de 2018, recebeu tratamento de um reles criminoso, e, pior, corre o risco de ser tirado do mais democrático dos julgamentos, o popular, o do voto direto e secreto, sem terem conseguido provas consistentes -- modificaram, sem prévia mudança do texto legal, concepções e procedimentos, com o único intuito de fazer valer “convicção” de juiz em lugar das necessárias provas robustas para tipificar o crime cometido.
Se utilizassem ou tivessem utilizado esse mesmo expediente com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (nos casos da compra de deputados para aprovar o instituto da reeleição em 1997, da privatização das companhias telefônicas e da Vale entre 1996 e 2001, da compra de um apartamento para uma ex em Paris depois de ter deixado o cargo), com o ex-deputado Eduardo Azeredo (pivô do “mensalão tucano”, entre 1994 e 2005, que está há tempos no Supremo Tribunal Federal, já perto da prescrição), com o senador José Serra (casos de enriquecimento súbito da filha ainda bem jovem e da origem desconhecida de bens patrimoniais em nome de outros familiares, não elucidados quando ministro e governador, nas duas últimas décadas), com o governador Geraldo Alckmin (casos da merenda escolar, das novas linhas do Metrô e do Rodoanel, entre 2000 e 2013)? Não, pois eles são verdadeiramente intocáveis, são “do bem”, além de “bem-nascidos”...
Até o ingênuo e puro Jeca Tatu teria desconfiado da perfeita sintonia. Quanta harmonia nos argumentos, quanta coincidência na seleção de acórdãos jurisprudenciais e (auto)citações... É que quando as coincidências são grandes o inocente santo desconfia. Como, mesmo, falava aquele reacionário mas genial dramaturgo da ditadura passada, o Nelson Rodrigues? Ah, sim: “Toda unanimidade é burra.” Para atualizarmos, teremos que trocar “burra” por “farsa”. Aliás, desde a véspera do golpe de maio de 2016, tudo nas cortes intermediárias e superiores se caracteriza pelo monolitismo, pela unanimidade, pelas curiosíssimas coincidências, salvo raras e honrosas exceções que a história saberá resgatar na posteridade. Até porque, caro leitor, alguém se lembra do nome do justiceiro togado que mandou executar Tiradentes? E o do Frei Caneca? Os condenados ganharam seu, digamos, Habeas Corpos, ainda que tardio, já os juizecos, ah, a história os expeliu, feito coisa que fede, para o lixo, o esgoto, da história -- e, não custa avisar, sem direito a Habeas Corpus nem suplício...
Assim como na Vida, na História é imprescindível ter lado, como já dizia o milenar Tucídides. Assim como os saudosistas da ditadura e os medíocres golpistas, os justiceiros togados já escolheram o lado da história em que pretendem trilhar. E, ao contrário do “desfazer” do computador, na Vida não há lugar para correções de erros, pois o tempo não volta e os equívocos cometidos cobram vidas e gerações perdidas para nunca mais voltar. Togado ou não, medíocre ou não, saudosista ou não, é fundamental deixar fluir o sentimento de cidadania e, com humildade, deixar que a cidadania, do alto de sua autoridade democrática, manifeste sua vontade soberana, com altivez e parcimônia.
Ahmad Schabib Hany