sexta-feira, 19 de novembro de 2021

EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, PRIORIDADE INADIÁVEL

EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, PRIORIDADE INADIÁVEL

Neste Dia da Consciência Negra, em tempos sombrios de inspiração fascista (e por isso racista), é fundamental resgatar a Educação para as Relações Étnico-raciais, prevista em lei mas descumprida acintosamente desde o golpe de 2016.

O Dia da Consciência Negra é, antes de tudo, oportunidade para celebrar, sim, o triunfo do movimento negro sobre as ruínas da sociedade escravocrata que erigiu um país cheio de contradições, a despeito de seu Povo (com letra maiúscula) generoso, determinado, alegre e incansavelmente transformador. Desde meados da década de 1990, estados e municípios brasileiros reverenciam o dia 20 de novembro, em vez de 13 de maio, quando a história oficial consignou como o Dia da Lei Áurea, minimizando o papel dos líderes abolicionistas e a luta do povo escravizado por sua liberdade e autodeterminação.

Fruto da luta incessante de grandes paradigmas da igualdade racial desde os tempos de Zumbi dos Palmares e de Esperança Garcia (a primeira advogada negra), importantes conquistas foram consolidadas, sobretudo ao longo das últimas décadas, entre elas a política de cotas raciais e a obrigatoriedade da oferta das disciplinas História e Cultura da África e Educação para as Relações Étnico-Raciais. Porém, todas as políticas de reparação e igualdade racial foram abandonadas desde o golpe de 2016 (aquele em que Michel Temer, com o sinal verde de Joe Biden, se mancomunou com o ex-deputado Eduardo Cunha para depor Dilma Rousseff da Presidência e a corja da Leva Jeito tramou para a prisão arbitrária de Luiz Inácio Lula da Silva a fim de tirá-lo das eleições de 2018, e que deu no que deu: um inepto desequilibrado atentando contra o Brasil).

Estabelecida por leis federais de 2003 e 2009, as referidas disciplinas são, de longe, os melhores instrumentos de desconstrução do chamado racismo estrutural e instrumento de formação das novas gerações, libertas de toda sorte de preconceitos e condutas do tempo da casa-grande e da senzala. Foram resultado de muito estudo de cidadãs que se dedicaram por décadas, como a Professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, uma das pioneiras dessa iniciativa. Lamentavelmente, muitos doutores e mestres da academia não se aperceberam da importância dessa estratégia para a formação das novas gerações (não só de professores, mas, sobretudo, de cidadãos libertos do atraso).

Nestes tempos sombrios em que hordas fascistas - e racistas, obviamente - atentam contra o Estado Democrático de Direito e todas as emblemáticas conquistas das últimas décadas, mais que nunca é necessário resgatar as disciplinas mencionadas e pô-las em prática, oferecê-las não só nas licenciaturas, como estabelece a legislação, mas também no ensino médio. É para fortalecer a formação não racista e em favor da diversidade étnica e cultural que faz do Brasil uma potência em processo de afirmação.

Hipocrisia às favas, é passada da hora de o Brasil se reencontrar com sua História e se propor a acabar com o racismo - base das elites que se tornaram endinheiradas, mas não necessariamente ‘civilizadas’, eis que não abandonaram sua ‘santa’ ignorância -, que vitima cínica e acintosamente afrodescendentes e originários sem despertar qualquer sentimento sincero de caridade ou comiseração de fundamentalistas neopentecostais que saíram dos porões do atraso para ressuscitar uma nova inquisição em pleno século XXI. É, aliás, o que se vê na postura cínica e provocadora do sinistro da ‘Inducassão’ do ser que atrasa a nação: foi até a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados para ofender e ameaçar aqueles que têm coragem de desmentir o tal cristão de araque, em vez de demonstrar qualificação e dizer que irá apurar as denúncias.

Enquanto pseudopatriotas e pseudocristãos torram os cofres públicos sem qualquer critério republicano (é como se o dinheiro público a eles pertencesse e eles tivessem carta-branca, ou cheque em branco, para malversar ao sabor da ocasião), milhões de brasileiros entram para a indigência, para a fome e a miséria, quando o Brasil desde 2010 saíra do mapa da pobreza e servia de exemplo para o mundo. Pior: quando se trata de racismo, como nunca a violência sistemática contra afrodescendentes e originários se torna corriqueira (basta ver as estatísticas vergonhosas de 2019 e 2020). E, se falarmos em políticas ambientais e de ciência e tecnologia, pior ainda - foi flagrada na sexta-feira, dia 19, a má-fé do gestor federal, que propositalmente protelou a divulgação dos dados do desmatamento dos últimos 12 meses, retardados para não coincidir com a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de Glasgow, Escócia.

Com o resgate da política proativa e afirmativa dos anos de ouro do início do milênio, o Brasil então estará reencontrando-se com sua vocação natural, ser a potência de paz, da concórdia, da justiça social. Obviamente, para isso será necessário apear os monstrengos que infelicitam a nação, a começar pelo falso messias. Não é sem tempo virar a página infestada de ódio, perversidade, má-fé e, sobretudo, fascismo, puro fascismo. Lembro-me, como se fosse hoje, o saudoso Professor Euro Nunes Varanis, em 1972, com seu lindo pensamento (cuja autoria nunca vi em livro, ou hoje Google, algum, portanto, de sua lavra): “O ódio não destrói o ódio. Só o amor destrói o ódio. Seja abençoado o sândalo que destrói o ódio.”

Ahmad Schabib Hany

Nenhum comentário: