terça-feira, 23 de novembro de 2021

DEZ ANOS SEM HELÔ

DEZ ANOS SEM HELÔ

Parece que foi ontem. Ela se tornou eterna, e sempre terna. Sua gargalhada contagiante, seu olhar crítico e cúmplice (no melhor sentido), seus critérios sábios, suas ideias geniais. A humanidade passará mais dois mil anos para encontrar alguém como Helô, a incansável revolucionária do amor, da genialidade e do respeito pelo ser humano, do âmago da humildade... Helô Urt, sempre na memória e no coração!

Heloísa Helena da Costa Urt. Eternamente jovem, irreverente, incansável e trabalhadora como poucos. Passados dez anos (que parece ontem!) de sua súbita eternização, Helô é unanimidade: cultura, solidariedade, abnegação, atitude, sinceridade e companheirismo - tudo isso e muito mais, sem ser piegas, coisa que ela mais detestava...

Desde tenra idade, Helô rompeu paradigmas: nascida e criada em uma família de valores sólidos e tradicionais, um lar tipicamente árabe, em que o rigor e os costumes têm um valor imensurável, a eterna e terna lutadora de grandes causas veio para causar, na fala dos jovens de hoje. Sem papas na língua, desarmava o mais eloquente argumentador por meio de perguntas simples, e por isso sábias.

Espontânea, lógica e profundamente irreverente; ora sensível, ora rigorosa; generosa e abnegada o tempo todo. Trocou a estabilidade de uma vida confortável e previsível pela incessante procura de novos tempos para os sem voz e sem vez. Corajosa, não temia a cara feia de nenhum ‘grandão’. Ao contrário, desafiava os mais arrogantes e prepotentes de seu tempo.

A fala afiada e imprevisível tinha sim causa e propósito: de raciocínio rápido e ideias próprias, Helô dava a mão e todo o apoio possível e impossível a quem de fato precisasse - e nunca errou quando dizia que não confiava em determinadas pessoas. Como pessoa de alma boa, seu critério era justo e sábio, azar daquele que não inspirasse confiança para ela.

Palestina pantaneira, nasceu no início da segunda metade do século XX. Num tempo em que mulher nascia com destino marcado desde o dia do nascimento. Com ela, isso jamais funcionou: sem se desgastar em discussões estéreis, cada passo, calculado, que ela dava tinha razão, tinha causa. Sem muito esforço, mas com muita tenacidade, Helô soube conquistar, um a um, todos aqueles com os quais conviveu.so

Personalidade forte, ideias claras, propósitos generosos. Os sessenta anos vividos com intensidade pareceram voar diante do horizonte largo e intrincado que encontrou diante de si. Mas como uma lutadora de grandes causas nunca lutou sozinha: sempre em grande e sincera companhia, fez-se cercar de mulheres e homens dignos e valorosos.

Se pensarmos bem, tudo a que ela se dedicou com pioneirismo (cultura popular, meio ambiente, ciência, artes, letras, educação, política transformadora etc) até hoje vive colhendo o que ela semeou, trinta, vinte anos atrás. Viola de cocho, cururu, siriri, São João, carnaval popular, defesa do Rio Paraguai, Assentamentos, Codrasa, direitos das trabalhadoras e trabalhadores humildes (não só garis como os da coleta de lixo e do lixão), organização dos artistas em seus respectivos segmentos, promoção de eventos em todas as áreas, inovação e criatividade. Tudo isso sem vaidade ou egoísmo.

Com todo o respeito pelos que a sucederam na gestão da Cultura, mas depois que ela se eternizou nunca houve inovação, apenas continuidade daquilo que ela, com pioneirismo e muita determinação, já havia ousado tentar. É uma mulher à frente do seu tempo, e verdadeira cidadã do mundo (como provou nas diversas viagens que fez como mochileira à América Latina e à Europa). Mas nunca revelou isso, porque não gostava de ostentação nem ‘viralatice’ - detestava o sabujismo das elites pelo esnobismo ocidental, como que fossem os donos da civilização (descendente do milenar Povo Palestino e nascida no coração do Pantanal e da América do Sul, ela sabia que a cultura, como a história, não têm amos nem lacaios, apenas passageiros efêmeros).

Desafiara os burocratas, vencera os serviçais, destituíra os trava-portas, promovera os humildes, projetara os sinceros, reconhecera os leais, valorizara os guerreiros, ajudara os transformadores, fortalecera os trabalhadores. Atuou como se fosse imortal (e é, como prova a história), mas com a urgência de quem tinha que partir precocemente...

Querida Helô, seguimos com Você, como guia travessa e desconcertante que desafia os medíocres e ensimesmados inebriados com seu próprio narcisismo, de sua insignificância atrevida, que Você tanto combateu. Sábia, Você saiu de cena para não ter que ver ineptos e mentecaptos atentando contra a grandeza e a soberania do Povo Brasileiro, que Você tanto amou e por quem Você dedicou seus melhores dias e toda a generosa e inatacável inteligência. Sempre na memória e no coração!

Ahmad Schabib Hany

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