sexta-feira, 5 de novembro de 2021

CORUMBÁ, PRIMEIRA CIDADE UNIVERSITÁRIA DE MATO GROSSO

CORUMBÁ, PRIMEIRA CIDADE UNIVERSITÁRIA DE MATO GROSSO

Década de 1970, o então concorrido Centro Pedagógico de Corumbá (CPC) era destino de dezenas de universitários latino-americanos (bolivianos, sobretudo), perseguidos por sórdidos ditadores como Hugo Banzer, que permaneceram até 1980, quando a federalização muda as normas da ex-UEMT para dar lugar à UFMS.

Eram tempos sombrios, mas os alvissareiros ventos de esperança já sopravam no Coração do Pantanal e da América do Sul, e a cosmopolita Corumbá palpitava como vanguarda latino-americana fazendo jus à sua vocação histórica. Nos sufocantes momentos de censura e controle inquisitorial dos jovens universitários que teimavam se dedicar à ciência e à formação plena, o Centro Pedagógico de Corumbá (CPC) acolhia jovens de diversos países de nosso entorno, sobretudo da Bolívia, que, por conta do Tratado de Roboré, dispunham de um documento de permanência em cidades limítrofes ao país de origem.

Por essa razão, aliás, Corumbá se tornou a primeira cidade universitária de Mato Grosso. A despeito do controle rigoroso da cidade, então enquadrada como Área de Segurança Nacional, o que impediu o eleitorado votar por quase vinte anos para prefeito (e vice-prefeito), objeto de nomeação pelo presidente de plantão durante esse período, além da presença acintosa de “X-9” nas salas de aula. O cosmopolitismo corumbaense, por seu turno, potencializou essa condição pioneira, e acolhidos dentro das possibilidades então existentes (não esqueçamos que vivíamos sob um regime de exceção, com a vigência do Ato Institucional nº 5 e os truculentos Decretos 228 e 477) os então chamados ‘estudantes de Convênio’ viveram, conviveram, estudaram e conquistaram sua graduação com dedicação e, muitos, com louvor.

Ao levantar dados para um estudo que pretende resgatar esse período honroso de nossa história recente (afinal, são apenas 50 anos), comecei a fazer contato com ex-alunos e ex-alunas da Bolívia que fizeram sua graduação em uma das seis licenciaturas disponíveis à época. Alguns se tornaram Amigos, como os mais de dez ex-colegas de meu saudoso Irmão Mohamed, entre eles o Professor José El-Hage e o saudoso Professor Caro (então diretor de uma das mais antigas escolas públicas da Chiquitania, província à qual esta fronteira era vinculada até a criação da Província Germán Busch, pelo grande democrata Hernán Siles Suazo, versão boliviana do eterno Doutor Ulysses Guimarães, em seu segundo mandato de presidente constitucional da Bolívia).

Nisso, me deparei com a consternante notícia da eternização, em fins de abril de 2021, do querido Amigo Professor Jorge Ocampo Claros, ex-aluno de Pedagogia do CPC (desde 1978), inicialmente hóspede na pensão de meu saudoso Pai e depois inquilino da saudosa Mãe do querido Amigo Arturo Castedo Ardaya. Como a quase totalidade dos estudantes bolivianos do CPC, o hoje saudoso Jorge Ocampo era um dos ‘alunos nota 10’ (mas sem ser CDF), e foi por meio dele que conheci o grande violonista brasileiro então exilado na Europa, Tibério Gaspar. Discreto, ele compartilhava comigo livros clássicos de Sociologia e de História em espanhol, além do emblemático “Pedagogia do oprimido”, do Mestre Paulo Freire, então proibidos pelas ditaduras obscurantistas latino-americanas.

Os queridos Amigos Professores Gisela Levatti Alexandre, Gilberto Luiz Alves, Masao Uetanabaro, Valmir Batista Corrêa, Lúcia Salsa Corrêa, Maria Angélica de Oliveira Bezerra e Francisco Fausto Matto Grosso Pereira, quando da elaboração, com minha Irmã Wadia, de um artigo sobre os 50 anos do hoje Campus do Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), já nos haviam dado pistas sobre este importante fato. No entanto, por conta do período de arbítrio, o município não pôde implementar políticas locais de consolidação dessa relevante conquista, pioneira e natural. A bem da verdade, o Professor Valmir Corrêa, quando titular da Secretaria Municipal de Educação e Cultura do Prefeito Armando Anache, e mais tarde em seus dois mandatos de vereador (o primeiro pelo PMDB e o segundo pelo PT) tentou e não conseguiu, porque a prerrogativa efetiva da autonomia municipal, conquistada pela Constituição Federal de 1988 e efetivada pelo Estatuto da Cidade em 2004, ainda não vigia e, nesse tema, as esferas estadual e federal se sobrepunham.

Como se pode depreender, muitas conquistas pioneiras de Corumbá foram levadas como cinzas pela ventania do descaso com a divisão do velho estado de Mato Grosso (fruto do casuísmo do já cambaleante regime de 1964) e a instalação da nova unidade da federação numa região que, decorridos mais de 40 anos, ainda não se deu ao trabalho de conhecer e reconhecer o valor, a dimensão e, sobretudo, a diversidade de Corumbá e Ladário, não por acaso a região cosmopolita mais antiga de Mato Grosso (e, obviamente, Mato Grosso do Sul). Não se trata de ‘bairrismo’ barato (até porque não nasci aqui, embora ame esta terra), mas, no dizer dos Amigos (com letra maiúscula) Seu Jorge Katurchi e Armando Lacerda, uma inadiável questão de sabedoria e inteligência das elites dirigentes do já não tão novo estado.

Então a Cidade Universitária (com a implantação do curso de Medicina em Universidade pública), a Área de Livre Comércio (mais que sonho, razão de ser da geração de Seu Jorge), a revitalização do Patrimônio Arquitetônico (com uma gestão incentivadora, não punitiva), o Pantanal uno e sustentável (em que instituições como a UFMS, Embrapa, UFGD, UEMS, UCDB e UNIDERP tenham condições de contribuir efetivamente), o destino do turismo contemplativo (cultural e científico) e a ativação do tronco rodoferroviário transcontinental (interrompido em 1996 com a privatização da RFFSA e concessão / sucateamento da extinta Noroeste do Brasil por Efe-agá-cê), isto que hoje parece uma vã utopia de apaixonados corumbaenses como Seu Katurchi e Lacerda seriam um fato concreto, efetivo e possível. Como o querido Amigo Arturo Ardaya diz, se reportando ao tempo em que atuava na Pastoral da Juventude, “só ama quem conhece”...

Ahmad Schabib Hany

Em memória do querido Amigo e Professor Orivaldo Leite Pereira, o eterno Fumaça, que se eternizou no dia primeiro de novembro por causa de dois infartos sucessivos. Orivaldo foi, por quase uma década, um querido Professor de Matemática e Ciências em diversas escolas de Corumbá. Foi, igualmente, aluno destacado em duas graduações, Ciências e Formação de Tecnólogos em Administração Rural, por sinal, um Colega marcante de duas de minhas Irmãs, a Waded e a Fatmato. Nas emocionantes palavras do querido Amigo-Irmão Edson Moraes (de quem, aliás, era Primo): “Tinha um sorrisão que parecia nunca se cansar de sorrir, de cumprimentar a luz do dia e a escuridão da noite... Porque não era um riso: era luz!”

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