sábado, 17 de julho de 2021

EDMIR FIGUEIREDO DE MORAES (IN MEMORIAM)

EDMIR FIGUEIREDO DE MORAES (IN MEMORIAM)

Abelha, Neno, Sandino. Mas seu maior orgulho era ser o ‘Irmão do Edson Moraes’. Fez história e empoderou expressivos segmentos sociais durante sua existência de grandes conquistas coletivas. Por conta do desapego ao poder e ao dinheiro, enfrentou dificuldades próprias de quem é motivado pelas grandes causas. Neste dia 15 de julho encerrou sua intensa jornada, sempre na luta...

Edmir Leocádio Figueiredo de Moraes. O eterno e terno Abelha das grandes causas. Eu o conheci em Campo Grande, quando ele ainda era secundarista e liderava a oposição, ao lado de outros jovens idealistas, a um capacho da ditadura cujo nome não vem ao caso. Foi-me apresentado pelo querido e saudoso Senhor Mário Corrêa Albernaz, que, surpreso por não conhecê-lo, completara: “É o Irmão do Edson Moraes.”

Embora a Amizade (dessas com letra maiúscula) com o Edson, já naquela época, fosse longeva, do tempo em que ele foi a grande revelação do Jornalismo combativo em Corumbá, nos idos de 1975, tendo como mestre o querido e saudoso Jornalista Luiz Gonzaga Bezerra, na emblemática Folha da Tarde de Daniel de Almeida Lopes, só fui conhecer o incansável (e muitas vezes desconcertante) Sandino em Campo Grande no início da década de 1980.

De fala bem articulada e envolvente, seus olhos claros e vívidos e um sorriso espontâneo (tipicamente cuiabano-pantaneiro), Sandino ou Edmir, Neno ou Abelha, era contraponto do comportamento padrão da vanguarda estudantil da época. Discrição e comedimento eram predicados imprescindíveis na luta pela democratização. Mas a espontaneidade do querido ‘Irmão do Edson’, que muito o lisonjeava, fazia o mais sisudo combatente pela democracia embarcar em sua cativante narrativa de verdadeiro contador de causos. Um pantaneiro universal e internacionalista.

A oposição à direção fantoche da entidade representativa dos secundaristas da capital era constituída por um coletivo bem diverso e politizado. Entre eles, jovens com traços de adolescentes, como Márcio Bittar, Valdir Neves, João Pedro Wessner e Carlos Mena, hoje quase todos com uma carreira política sólida, embora distantes da utopia socialista acalentada. O forte laço que os mantinha unidos era a agenda pela democratização do País: Assembleia Nacional Constituinte, eleições diretas em todos os níveis, ensino público gratuito do fundamental ao superior, liberdade de organização e manifestação do pensamento (fim da proscrição e censura), revogação do AI-5 e legislação correlata (Lei de Segurança Nacional e decretos 228 e 477) e volta dos militares aos quartéis.

Durante algum tempo eu chamei o querido e agora saudoso Abelha de Sandino. Coube ao próprio Amigo Mário Albernaz me advertir que seu nome não era esse e que em Família o apelido era Neno. Na primeira oportunidade, fui tirar dúvida: por que ‘Sandino’? Deu-me uma verdadeira aula sobre o líder nicaraguense Augusto César Sandino e sua luta contra a opressão ianque. A Frente Sandinista de Libertação Nacional comemorava, então, o primeiro ano da derrota do ditador sanguinário e dócil serviçal ianque Anastasio Somoza, que, asilado no Paraguai de Alfredo Stroessner, foi assassinado por aliados como queima de arquivo, com disparos de bazuca em Assunção, após ter prestado relevantes serviços aos seus amos e senhores imperialistas.

Além de sua atuação no movimento secundarista, Abelha apoiou a formação da JPMDB, ou o setor jovem do PMDB, tendo percorrido o estado todo na campanha pela eleição do Doutor Wilson Barbosa Martins, em 1982. Mas foi na mobilização pelas Diretas-Já, em 1983-84, que percebeu que sua atuação era estratégica em Corumbá, o que o trouxe de volta para o coração do Pantanal, onde atuou nas mais importantes causas de seu tempo (sobretudo, no processo de efetivação do Estado Democrático de Direito, consignado na Constituição Federal de 1988).

Muito espontâneo e sincero, militou em vários partidos até se identificar com o Partido dos Trabalhadores, em 1989, quando da primeira campanha presidencial pós-1964, com o apoio a Lula contra Collor: participou da organização do velho PCB, depois do PCdoB e de modo efêmero da ‘Hora do Povo’, um grupo instável que muitas vezes fazia alianças com setores da direita, como durante o golpe contra Dilma. Sem constrangimento, Abelha explicava de modo convincente sua peregrinação até se encontrar no PT, como fruto de amadurecimento pessoal e do próprio Partido dos Trabalhadores, que evoluiu com desenvoltura até se consolidar como o maior partido brasileiro.

As mobilizações pela democratização e a necessidade de resgatar sua própria condição de afrodescendente lhe despertaram o gosto pela História, cursada no então CEUC (hoje Campus do Pantanal da UFMS). Foi um dos pioneiros na organização dos grupos de estudo e de luta pela igualdade dos negros, como à época se dizia. Trouxe para Corumbá ícones da luta contra o racismo estrutural e, por mérito, foi o primeiro titular da Coordenadoria de Políticas de Igualdade Racial de Corumbá, quando atuou ao lado de Companheiros de primeira hora, como os queridos Arturo Castedo Ardaya e Cristiane Sant’Anna de Oliveira (subsecretário de Cidadania e coordenadora de Políticas para a Mulher), na gestão do então petista (e primeiro prefeito do PT em Corumbá), Ruiter Cunha de Oliveira.

Solidário e combativo, Abelha esteve ao lado dos povos originários (sobretudo, Guató, Guarani, Terena e Ayoreo), palestino, boliviano, paraguaio, cubano, venezuelano, sírio e haitiano ao longo das últimas décadas. Foi um ardoroso defensor dos Direitos Humanos, em todas as suas dimensões. Incansável combatente, apaixonado pelas grandes causas, Abelha viveu com intensidade e humildade, generosamente se entregando às grandes causas coletivas. Era avesso aos cargos e às benesses do poder, ainda que brigasse pelo reconhecimento das bases na composição das estruturas de governo, como garantia das conquistas a serem mantidas.

Coincidência ou não, nosso Sandino se eternizou quatro dias antes do dia em que 42 anos atrás sandinistas empreendiam uma acachapante derrota à ‘dinastia’ Somoza e seus 43 anos de ditadura familiar na Nicarágua. Mais que discreto militante de causas maiores, foi, é e será sempre um expoente de luta por uma sociedade melhor, um mundo mais justo e solidário. Até sempre, Companheiro Abelha, e obrigado pelo generoso legado de solidariedade e humildade em toda a sua existência de entusiasmo coerente!

Ahmad Schabib Hany


Um comentário:

Unknown disse...

Linda homenagem!Abelha, presente!