FORÇA E CORAGEM
O amor e a caridade, nestes tempos de renascimento do nazissionismo, se transformaram no binômio “Força e Coragem” com que Padre Júlio Lancellotti há décadas saúda todos os com quem se depara em seu imprescindível serviço de acolhimento de pessoas em situação de rua — porque ninguém escolhe as ruas para viver, e porque ninguém finge ser solidário de quem só tem as ruas para viver e conviver. É sobre isto a modesta e despretensiosa reflexão de Natal deste ano, na esperança de que os dias que se sucederem sejam de vivência sincera no legado de Jesus, do amor ao próximo e da caridade como forma de expressão prática de seus ensinamentos, ainda que os autoproclamados paladinos de um neocristianismo — distante, aliás, do Novo Testamento e próximo demais do sionismo de Benjamin Netanyahu e da plutocracia de Donald Trump — o chamem de comunismo.
“Força e coragem!” Eis o binômio com que Padre Júlio Lancellotti manifesta sua vivência em nossos insólitos e cruentos tempos no legado de Jesus, o Menino, a ser lembrado neste Natal — cuja celebração o capitalismo tornou a aparentemente inocente e inofensiva festa de Papai Noel, que chega de trenó voando, todo vestido de vermelho, cores da marca de refrigerante símbolo do consumismo e da cobiça dos assim chamados tempos modernos pelo saudoso e genial Charles Chaplin, praticamente um século atrás.
Pois é. No ano em que perdemos o Papa Francisco, pouco tempo depois de que o igualmente querido Dom Mauro Morelli também nos deixara. Mas é com base na práxis do Padre Júlio Lancellotti — o sacerdote que acolheu as pessoas que moram nas ruas de São Paulo e hoje é alvo de ataques da parcela da extrema-direita hipocritamente católica, mas que tem muito ódio para destilar — que iniciaremos nossa reflexão de Natal, símbolo maior da cristandade, ainda que hoje seja refém do assédio dos neopentecostais fundamentalistas, sócios do sionismo e da mais cínica e deslavada teologia da dominação, que substituiu a não diferente teologia da prosperidade, tão pernóstica quanto a posterior.
E por que iniciativas solidárias como as de Padre Júlio Lancellotti em São Paulo incomodam os fariseus contemporâneos? A extrema-direita — incapaz de construir algo — não disputa projetos, disputa narrativas: vive a criar histórias da carochinha para suas legiões, que não conseguem ler três linhas, quanto mais um parágrafo ou um texto de lauda e meia. Com todo o respeito pelas aves tropicais mais sedutoras da Terra, mas essas hordas, feito papagaios, vivem a repetir o que lhes é replicado nas redes sociais do modo mais insano possível — se o robô da inteligência artificial pedir para matar sua própria família como demonstração de fé e obediência, o fazem sem qualquer titubeio.
Ou o(a) gentil leitor(a) crê que é milagre o surgimento de hordas de fanáticos negacionistas não pensantes? Tive a honra e felicidade de conviver com Amigos que, formados na hermenêutica bíblica, explicavam lucidamente as parábolas, hoje interpretadas ao pé da letra por gente que sequer tem iniciação teológica. Feliz daquele que habitua ler — e fazer uma interpretação sadia —, o Novo Testamento, parábolas reveladoras, como aquela que diz que Jesus veio para separar o joio do trigo — não para unir, mas para acolher os desprezados —, ou as diversas metáforas que insistem em que sua mensagem de amor e caridade pelo próximo iletrado, ignorado, não foi para os eleitos (ou melhor, autoproclamados eleitos), mas para o gentio, o humilde, o leproso.
Em julho de 1994, pude conhecer, além de Dom Mauro Morelli e Herbert de Souza, Betinho, os voluntários da emblemática obra do Padre Júlio Lancellotti presentes à inovadora e desafiante iniciativa da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), quando o Conselho Diocesano de Corumbá, graças à iniciativa generosa de quatro Amigos que não mais estão entre nós — Dom José Alves da Costa, Padre Pasquale Forin, Padre Ernesto Saksida e Padre Antônio Müller —, me designou honrosamente representante regional da Segunda Semana Social Brasileira à fase nacional, em Brasília.
Entre essas queridas e queridos Amigos reunidos durante o relevante processo de construção e necessárias reflexões de viva voz e coletivamente na fase regional da Segunda Semana Social Brasileira e criação do Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida encontram-se o Pastor Marcelo Moura da Silva e o Pastor Fernando Sabra Caminada, a Irmã Antônia Brioschi e a Irmã Zenaide Britto que estão em plena atuação, ainda que a alguns quilômetros de distância, presentes, atentos, para manter reflexões indispensáveis para a Vida, sobretudo nestes tempos adversos.
Ora, se ainda estivessem entre nós, além do Reverendo Jaime Wright, Dom Luciano Mendes de Almeida e Dom Ivo Lorscheiter — ambos ex-presidentes da CNBB e sacerdotes que, ao lado do Reverendo Jaime Wright, inspiraram muitos religiosos de diferentes denominações —, também teriam sido alvo da sanha medievalesca desses extremistas que se dizem paladinos da teologia e da ética. Não temos por que entrar nesses meandros, cujo labirinto costuma causar muitos dissabores. Usar da racionalidade e ser minimamente ponderado contribui para a superação destes sucessivos desencontros que nada ajudam a humanidade e, sobretudo, as maiorias oprimidas, exploradas, saqueadas e massacradas, em todos os continentes, em particular na África, América, Ásia e Oriente Médio.
Assim como o Natal não é uma criação ocidental, mas um fato acontecido na Palestina sob ocupação do império romano, do ocidente, as tiranias que foram plantadas na África, Ásia — portanto, Oriente Médio — e América existem porque há um império que lucra com tudo isso, e como lucra. Embora não haja império que dure um milênio incólume, existe uma sucessão de impérios cujas elites — cortes, obviamente, e monarcas — se beneficiaram sem qualquer constrangimento. É disso que se trata esta necessária reflexão. É sobre isto que também precisamos refletir, pois este mundo do jeito que está já não mais nos diz respeito e, pior, não respeita as grandes parcelas da população humana e das demais espécies de seres vivos do Planeta.
Neste momento em que a humanidade se volta para Gaza, Sudão e Congo — mas a violência iminente também paira na Venezuela, Cuba e Nicarágua —, urge que os governos e segmentos da sociedade civil sensíveis aos clamores populares façam interromper a escalada violenta e cruel que desaba sobre os corpos indefesos e inofensivos de bebês, crianças, adolescentes e mães e, ainda, sobre a consciência da espécie humana, cujas classes proletárias se levantaram em defesa da paz e da justiça no Planeta, sob pena de pormos a perder toda a evolução e experiência civilizacional acumulada ao longo dos últimos milênios.
A Paz e a Vida nos pertencem por direito, defendê-las é um dever. Lembremo-nos que ao nascer um bebê renasce a esperança e se renovam os ideais de Justiça e Clemência, segundo a ancestralidade da maioria dos povos da Terra. Feliz Natal para todos, com amor, caridade, força e coragem!
Ahmad Schabib Hany
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