"ROBSON LINS, VOZ SERENA E OLHOS QUE ESCUTAVAM"
O Dr. Robson Ajala Lins foi, até o último suspiro, o dentista de Manoel de Barros - poeta das miudezas e de sua querida Stella. Mas chamá-lo apenas de dentista seria pequeno demais para um homem assim.
Antes de qualquer ofício, Robson era um homem de mansidão, de voz serena e olhos que escutavam — um olhar que parecia vir das águas paradas do Pantanal, do tempo espalhado em lentidão, da sabedoria que nasce no barro e na quietude.
Ele era um contador de histórias. Histórias que respiravam a fronteira, que tinham o cheiro de Corumbá, cidade onde viveu por tantas décadas ao lado de Regina, sua companheira não apenas no consultório, mas na vida inteira. Eram narrativas tão vivas, tão impregnadas de humanidade, que algumas delas foram colhidas pela escuta dourada do poeta e transfiguradas em personagens de seus versos — migalhas do real que viraram ouro na alquimia da literatura.
Como a do vaqueiro Santiago, que montou um cavalo famanaz, esporou, chicoteou, e o animal corcoveou de lado e de frente, desafiando o chão. Ao passar pelo galpão, os peões viram, marcada a ferro e fogo — ou melhor, a espora — na paleta do bicho, a frase enigmática: “Até aqui Santiago veio bem.” Lenda que atravessou rios e reinventou nomes — mais adiante, em Dourados, o mesmo peão já respondia por Laquicho.
Conheci Robson em seu duplo ofício: dentista tradicional, homeopata e dos primeiros voluntários dentista a integrar as Expedições do Instituto Alma Pantaneira.
No mesmo consultório onde ele e Regina cuidavam dos sorrisos de Manoel e Stella, dividiam espaço com meu cunhado, Dr. Pedro Ávila, e com a Dra. Vilma Brambilla Ávila, guardiões dos meus dentes por uma vida inteira. Ali, entre uma restauração e outra, Robson fazia mais que devolver dentes: ele me emprestava mundos. Histórias saborosas, improváveis, cheias de vida — pequenos presentes que guardei como quem guarda pérolas.
E agora imagino que essas histórias, sementes plantadas na terra úmida da memória, seguem frutificando. Em algum lugar além do tempo, Robson encontra, sua gente pantaneira,
seus antigos clientes e companheiros de prosa — o poeta, a esposa, os vaqueiros de suas narrativas — e recomeçam a tecer, com fios de luz, os causos que o céu agora ouve.
Vai com Deus, Robson. O Pantanal agradece — não apenas a prosa, mas o silêncio entre as palavras, o ouvido atento, o homem que sabia que um sorriso guarda, às vezes, mais que dentes: guarda uma história inteira.
Bosco Martins
Jornalista e escritor
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