Padre Ernesto Saksida e o Dia dos Professores e Professoras
15 de outubro, Dia dos Professores e Professoras, também é aniversário natalício do Padre Ernesto Saksida, fundador e alma mater da Cidade Dom Bosco, uma obra social interdisciplinar do início da década de 1960 que chega aos 60 anos jovial e futurista, pois seu visionário fundador fez do amor um princípio educativo de inclusão e transformação social.
Temos diante de nós um dia de luto pelo destrato da Educação por ação e omissão das elites parasitárias do país -- e quando chamadas à responsabilidade amarelam sem constrangimento -- e, também, pela ausência física do saudoso e querido Padre Ernesto Saksida, esloveno chegado ao Brasil na terceira década do século XX com passaporte italiano, em razão da ocupação da Eslovênia pela Itália fascista de Benito Mussolini, e que decidiu não mais deixar a população mais vulnerável do coração do Pantanal e da América do Sul.
E dia de luta, pela necessidade de o magistério ter que retomar o protagonismo ante o avanço do neofascismo em todo o mundo, em particular nas generosas e hospitaleiras terras brasileiras, que a partir da segunda década do século XXI se sentiu estimulado a mostrar suas vergonhas, recalques e desvarios. Se estivesse entre nós o Padre Ernesto Saksida, que conheceu o fascismo sem máscaras e foi incentivado pela Mãe a deixar o país para poupá-lo da degenerescência que é esse regime de ódio e perversidade, nos relataria por que a Senhora Margarida, sua sábia progenitora, o convenceu a sair da Europa e levar a outras terras o amor às pessoas vítimas da exclusão depois da chegada dos colonizadores.
Mas também no 15 de outubro Professoras e Professores se confraternizaram a propósito de conquistas milimétricas, obtidas com muita luta e incompreensão. Antes, sinônimo de reverência, hoje o docente é destratado por fanáticos e as hordas de extremistas. Lamentavelmente, também se encontra nesse contexto de desafios inusitados, extremos e perigosos a Cidade Dom Bosco, um projeto interdisciplinar pioneiro, concebido e executado pelo Padre Ernesto com mais de 60 anos de atividades (12 deles sem a presença física de seu idealizador e realizador).
Não que um projeto de escola sem qualquer princípio transformador como a tal escola cívico-militar seja avassalador, mas o conjunto de titubeios e falta de concatenação metodológica na maioria das unidades da federação representam o mais adverso contexto pedagógico para o necessário avanço do país na área educacional dos últimos 60 anos. Nem nos anos de chumbo essa gente medonha estava aí para destruir o que com muito sacrifício e denodo foi construído.
Isto porque com um Congresso Nacional eivado de negaciocionismo e retrocesso acintoso é fundamental que os diversos segmentos sociais sejam efetivamente mobilizados para impedir que conquistas constitucionais e infraconstitucionais da Educação caiam por terra, e que a maioria parlamentar conservadora não transforme o parlamento brasieliro em barricada medieval.
Embora neste terceiro mandato do Presidente Lula haja importantes avanços a comemorar -- como o programa Pé-de-meia para estudantes secundários de escolas públicas (relevante mecanismo de incentivo à permanência na escola e de valorização da educação nas camadas sociais mais depauperadas nos últimos anos) e a Carteira Profissional do Professor com um conjunto de direitos do magistério --, o Congresso Nacional tem sido motivo de muita preocupação para os docentes brasileiros. A categoria não só não vem conquistando mais direitos desde os funestos mandatos de Temer e do presidente golpista que traiu os eleitores que o elegeram, como hoje a maioria constituída pelo centrão e as bancadas conservadoras (BBB, do boi, da bala e dos pentecostais golpistas) são uma ameaça à soberania tecnocientífica, querendo impor ao Brasil uma agenda de costumes e de volta aos tempos coloniais e de submissão imperial.
Em ano anterior, "cometi" a necessária atitude de citar nominalmente todas e todos os docentes, desde o antigo pré-primário até o universitário, que a Vida me presenteou, em minha condição de aluno, irmão, colega, amigo e inclusive companheiro de luta. Todas e todos eles estão, por reconhecimento e gratidão, em minha memória e meu coração, e não os nomeio por razões de espaço e de prudência, para não incorrer no risco de ter trocado algum sobrenome ou, pior, de ter omitido o nome de algum ou alguma Professora. Mas do Movimento UFPantanal, pela criação da Universidade Federal do Pantanal, representativo número participa (e as/os que não mais estão entre nós, estão juntos em nossa memória, nosso caminhar), de modo que a Vida nos desafiou e nos presenteou com generosidade, ainda que, no meu caso, honestamente, não merecesse.
CORAGEM PARA TRANSFORMAR
Conhecida como Reino do Amor desde as primeiras décadas de funcionamento, a obra social do sacerdote salesiano chega aos 63 anos de idade com igual vigor e determinação dos primeiros anos. Dá-nos a impressão de que Padre Ernesto, sempre zeloso sobre o porvir do projeto pioneiro interdisciplinar que o levou a ficar desde jovem em Corumbá, permanece entre nós, ainda que na mente e no coração.
Por uma dessas ironias que só a Vida explica, os três sacerdotes salesianos que tiveram papel fundamental para sua consolidação nas últimas décadas de vida do Padre Ernesto -- Padre Pasquale Forin, Padre Oswaldo Scotti e Padre Andrés Satidrián -- não puderam colaborar por muito tempo em razão de suas missões: Padre Pasquale, ao se aposentar, foi voluntário da CRIPAM/CAIJ, Bairro Cristo Redentor (Corumbá), com um público em situação de vulnerabilidade social e econômica maior que o da Cidade Dom Bosco, e que durante a pandemia de covid-19 se eternizou em Campo Grande; Padre Oswaldo foi nomeado diretor do Colégio São Gonçalo, em Cuiabá (MT), onde permaneceu enquanto pôde desempenhar suas funções, pois, ao ser-lhe diagnosticado um câncer, precisou se submeter a tratamento oncológico, e poucos anos depois se eternizou; Padre Andrés foi transferido, ainda nos anos 1990, para o interior de Mato Grosso, tendo visitado a Cidade Dom Bosco esporadicamente, e, mediante informações do Professor Thiago Godoy, hoje Padre Andrés, aos 83 anos, mora em Santiago de Compostela, Espanha, enfrentando alguns problemas de saúde por causa da idade, mas sem gravidade.
O Padre Amércio Rezende de Oliveira, diretor da Cidade Dom Bosco quando da eternização do Padre Ernesto, permaneceu por mais uns anos em Corumbá. Ele foi o responsável pela transição posterior à existência do fundador e idealizador da obra social de magnitude e pioneirismo incomensurável. A Missão Salesiana de Mato Grosso, a Congregação que chegou a Corumbá em fins do século XIX com o grande rol educacional, tomou para si a permanência desse projeto extraordinário, que por meio do amor, do sistema preventivo de Dom Bosco e a genialidade da metodologia interdisciplinar, cumpre um compromisso que, sem dúvida, tem feito a diferença.
Nunca é demais reiterar: a multidisciplinaridade da Cidade Dom Bosco foi concebida em um tempo em que essa metodologia era privativa de instituições multilaterais e acadêmicas. Entretanto, vivendo um dia de cada vez, Padre Ernesto foi enfrentando cotidianamente a incompreensão dos contemporâneos em todos os lugares e organismos governamentais e privados e atravessando os mais inimagináveis limites culturais, nacionais e internacionais, entrelaçando o seu mosaico de educação, assistência social, saúde, cultura, artes, esportes, formação para o trabalho e valores teológico-humanísticos (que desde sempre respeitou a diversidade religiosa das famílias atendidas por esse projeto social pioneiro e emblemático).
E o mais importante, como ele dizia, com amor. Esse componente intangível foi amálgama para que toda essa intersetorialidade estivesse articulada, como na Vida, sem compartimentalização, segmentação. Assim, a educação salesiana, o sistema preventivo de Dom Bosco, adaptado à realidade pantaneira (não de modo mecânico e indolor, pelo contrário, causando muitas contrariedades e até frustrações), deu sentido e razão de ser à sua arquitetura imaterial, porque a estrutural foi de pronto concretizada, graças à rede de benfeitores espalhados pelo mundo.
Vida longa e efetividade à equipe que hoje administra e consolida a existência da Cidade Dom Bosco, sob a sábia direção do Padre Jair Marques de Araújo! E, obviamente, gratidão a todas e todos os colaboradores, benfeitores, parceiros e voluntários que fazem da Cidade Dom Bosco um desafio vitorioso, resultado da obstinação do Padre Ernesto Saksida e dedicação de inúmeros profissionais das mais diferentes áreas, sinceramente comprometidos com os princípios do amor e o sistema preventivo de Dom Bosco para a inclusão social por meio da educação, assistência social, saúde, cultura, artes, esportes, formação para o trabalho e valores teológico-humanísticos.
Afinal, o número de crianças e adolescentes e suas respectivas famílias, até a presente data, se iguala ao da população de Corumbá na década em que, com determinação e consciência, o querido e saudoso Padre Ernesto iniciou sua obra sem maiores pretensões. Óbvio que centenas de voluntários e profissionais de todo o mundo são, igualmente, protagonistas, entre os quais faço questão de nomear, como reconhecimento a todos e todas, além dos seus Irmãos de Congregação Salesiana citados e colaboradores como os saudosos e queridos Seu Carlos Urquidi, Dona Ivone, Seu Chico, Dona Catarina e Dona Jalbina, os saudosos e queridos Seu João Gonçalves Miguéis (foi com quem o Padre Ernesto começou sua obra, inicialmente denominada Legião Mato-grossense dos Amigos da Criança, LEMAC), Doutor José Ferreira de Freitas, Professora Norma de Souza, Professora Camila de Pontes, Seu Assunção Vieira, Doutor Salomão Baruki, Seu Jorge José Katurchi, Seu Waldir Provenzano, Seu Lino Viegas, Seu Eldo Delvizio, Seu Hernán Guerrero e Seu Alcebíades Franco, que, à exceção das Professoras Norma e Camila, de Seu Assunção e do Doutor José, os demais Amigos colaboradores estão na eternidade, com ele, a celebrar as incessantes conquistas da obra e, sobretudo, da Vida.
Ahmad Schabib Hany
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