quarta-feira, 26 de março de 2025
VIDAS PANTANEIRAS IMPORTAM
quarta-feira, 19 de março de 2025
A VIDA TEM URGÊNCIA TAMBÉM NO PANTANAL
sábado, 15 de março de 2025
100 ANOS DO SAUDOSO SENHOR HAMAD HAYMOUR
100 ANOS DO SAUDOSO SEU HAMAD HAYMOUR
Neste 15 de março, o Senhor Hamad Haymour estaria comemorando 100 anos de Vida de muita luta e dignidade. Nascido no Líbano em 1925, veio jovem para Corumbá, em fins da década de 1950, com toda a sua Família. Residiu e trabalhou interruptamente no coração do Pantanal e da América do Sul até 2005 em companhia de seu Filho Adnan, mas em decorrência de problemas de saúde precisou se mudar para Cuiabá, onde o Filho Khaled e a Filha Fátima moram há décadas. Em meados de fevereiro de 2019 nos chega a notícia de que o resiliente e incansável Seu Hamad Haymour havia se eternizado, aos 94 anos de uma fecunda e laboriosa existência exemplar. Foi, então, que fiz esta modesta mas sincera homenagem ao saudoso e querido Pai do Amigo Adnan Haymour.
SENHOR HAMAD HAYMOUR, UM LEITOR INCANSÁVEL
Ao tomar conhecimento, alguns dias depois da eternização do querido Amigo que herdei de meu saudoso Pai, o Senhor Hamad Haymour, logo me veio à lembrança, como num filme daqueles em “cinemascope” (sistema de filmagem de Hollywood dos anos dourados), a discreta e circunspecta personalidade de imigrante libanês chegado ao Brasil ainda jovem, com toda a sua família.
As imagens são do final da década de 1960, quando ainda a sua família -- esposa e filho(a)s Adnan, Fátima e Khaled -- não havia retornado ao Líbano, onde permaneceriam até meados da década de 1970, em razão da guerra civil que destruíra avassaladoramente a chamada Suíça do Oriente Médio e matara milhões de pessoas, em sua imensa maioria, crianças, mulheres e idosos indefesos.
O Senhor Haymour era um dos primeiros conterrâneos árabes com quem meu Pai fizera amizade na Corumbá cosmopolita dos anos 1960. Tão logo aportaram em Corumbá, eles se conheceram e logo sua Amizade (dessas com letra maiúscula) desabrochou. Como Seu Schabib gostava de ler, logo passou a trocar livros e revistas em árabe e francês com ele e os senhores Emílio Sayegh (Casa Brasil), Mohamad Bazzi (“Abu Kamel”, Casa das Flores), Fauze Rashid (Sorveteria Superbom), Soubhi Issa (“Seu Rafael”, Casa Estrela), Júlio Emílio Ismael (Casa Botafogo), Mohamad Omar (Casa Glória), Mohamed Ale, Ibrahim Ale, Mohamed Sleiman (Empório da Síria), Mohamad Said (Casa Said), Tajher Younes (Casa Damasco), Fehme, Aziz, Schaho, Wadih, Jamil e Amouri (seis grandes Amigos de longa data de meu Avô Youssef Al Hany, cujos sobrenomes lamentavelmente não lembro).
Proprietário da Casa Beirute (inicialmente localizada na rua Frei Mariano, entre a Cuiabá e a América), o Seu Haymour era extremamente atencioso quando íamos às compras. Fazia questão de nos atender pessoalmente, deixando funcionários atendendo os demais clientes. E nas oportunidades em que saíamos a passear, e era inevitável descermos pela Frei Mariano, era uma festa: aqueles doces árabes, para as crianças (nós), e o inigualável café árabe para os adultos...
Era praticamente vizinho (a três quadras da sorveteria e hospedaria Schabib, de meu Pai), o que os aproximara ainda mais depois de que sua família retornara ao Líbano. Além de ouvir rádio em árabe e ler volumosos livros em árabe e francês (segunda língua no Líbano e Síria), eles se atribuíam algo como “tarefas”, isto é, pesquisar alguns temas para debater no próximo encontro.
Esse gosto pela leitura foi determinante para que nossas famílias se identificassem com as letras e o livre pensar, eis que, ao contrário do bizarro estigma contra os árabes, o estímulo às artes e ao saber é cultivado, sobretudo entre as famílias de imigrantes, até como forma de afirmar a identidade cultural.
Lembro-me do então adolescente Adnan, o querido Amigo que por décadas administrou a Casa Beirute (já instalada defronte à Praça Independência, na Frei Mariano), que além de escrever como poeta alado (memoráveis poemas em árabe e português), fazia belíssimas telas em aquarela e a óleo, como também bicos de pena e nanquim retratando sua saudosa estada na terra de seus pais...
Quando, sob a coordenação da bibliotecária e Professora Elenir Machado de Melo (querida Amiga Lena), foi realizada a Primeira Mostra da Cultura Árabe-Palestina de Corumbá, entre junho e outubro de 1987, na Biblioteca Estadual Gabriel Vandoni de Barros, em dependências da Casa de Cultura Luiz Albuquerque (o emblemático ILA), muitas famílias árabes generosamente disponibilizaram documentos, obras e objetos representativos da cultura árabe, entre elas o agora saudoso Senhor Hamad Haymour.
E o que muito me marcou, na Amizade com meu saudoso Pai, foi a disciplina, o rigor com que Seu Haymour lia, pesquisava e debatia. Algo que jamais esqueci foi que ele descobrira que as famílias dele e de meu Pai tinham a mesma origem e uma história comum, de resistência ao Império Turco-otomano, de triste memória.
Assinante de uma revista universitária do Cairo, senão me engano “Al Urubat”, ainda no iluminado tempo do Pan-arabismo de Gamal Abdel Nasser (grande estadista, um dos líderes do Movimento dos Países Não Alinhados e fundador da República Árabe Unida, que reunia o Egito, a Síria e por muito pouco tempo o Iêmen do Norte), mantinha meu Pai informado sobre as pesquisas históricas do então chamado Mundo Árabe.
Não por acaso, Seu Haymour e meu Pai, durante décadas, empreenderam uma batalha frustrada de construir um Centro Cultural Árabe-Brasileiro no coração do Pantanal e da América do Sul, com o propósito de disseminar as milenares artes e letras árabes, bem como suas diversas culturas e memórias. Mais um projeto frustrado, pois tanto o meu Pai como o Senhor Haymour se eternizaram sem terem podido ver qualquer iniciativa concreta.
O legado, no entanto, está perenizado na trajetória testemunhada pelas novas gerações, cujas referências não apenas são o testemunho e o aprendizado, mas a rigorosa e metódica atuação de imigrantes como o Senhor Hamad Haymour, cuja presença permanece viva, cintilante, entre nós. Até sempre, querido Amigo!
Ahmad Schabib Hany
sexta-feira, 14 de março de 2025
CPAN/UFMS realiza Simpósio de Gestão Urbana sobre futuro das cidades e as mudanças climáticas
quinta-feira, 13 de março de 2025
Usuários do SUS se mobilizam para efetivar assistência em saúde no Pantanal
terça-feira, 11 de março de 2025
AOS 99 ANOS DE UMA EXISTÊNCIA INSPIRADORA
AOS 99 ANOS DE UMA EXISTÊNCIA INSPIRADORA
Mãe de nove filho(a)s, Dona Yoya, discreta e reservada, fez de sua jornada verdadeiro instrumento de cidadania, ao lado de seu Companheiro de Vida sem se ofuscar nem competir: praticou o protagonismo cidadão que forjou o caráter de toda a sua Família. Neste 11 de março estaria completando 99 anos, razão pela qual tomo a liberdade de compartilhar o texto em sua homenagem de sete anos atrás.
OS 92 ANOS DA PEREGRINA DE DOCE OLHAR
WADIA AL HANY DE SCHABIB (11/03/1926 - 15/06/2009)
Caso estivesse conosco, o presente que a Vida nos deu como Peregrina de doce olhar -- que nós chamávamos de Mãe -- estaria, neste domingo, 11 de março, fazendo 92 anos. Eternizada há menos de nove anos, sua presença não é apenas saudade, mas fonte de sensatez e candura a nortear nossos caminhos.
Nascida Wadia Al Hany Ascimani, a formosa donzela que encantaria duas décadas depois o meu saudoso Pai, Mahoma Hossen Schabib, era a segunda de onze filhos que a jovem senhora Guadalupe Ascimani de Hany procriou com seu companheiro, o dentista Youssef Al Hany, em San Joaquín de las Aguas Dulces, departamento do Beni, Bolívia. Nossa Avó Guadalupe, de Pai libanês maronita e Mãe boliviana, casara-se aos 16 anos, como toda donzela de seu tempo. Nosso Avô Youssef, aliás José, libanês druso que estudara na Alemanha até ser atraído pelos encantos e mistérios amazônicos, ainda no pós-guerra de 1917, trocou o Oriente Médio pelo Oriente boliviano, tendo-se dedicado ao povo como se tivesse nascido naquelas terras de promissão e carência.
Desde criança nossa Mãe recebera a incumbência de auxiliar nossa Avó a cuidar dos irmãozinhos, ainda que fossem reduzidos os riscos da Amazônia boliviana. Sendo a mais velha das meninas, cabia a ela o papel de “segunda mãe”, como era apresentada aos amigos da Família. Na década de 1920, período entre-guerras, o Beni, como toda a Amazônia, se transformara em centro provedor de castanha, seringa, carne e minerais preciosos para a Bolívia e o mundo. Por conta disso, levas de imigrantes europeus e asiáticos procuravam o mítico Eldorado (ou El Dorado, em espanhol), mas a maioria encontrava a morte causada pela malária, pelas feras da floresta ou pelos rios indômitos -- muitos aventuravam, mas poucos eram os vitoriosos e podiam contar a sua história para os descendentes.
Não demorou muito para que o imigrante libanês Youssef se transformasse no lendário “Doctor José Al Hany”, dentista que por falta de médicos acabara cuidando da saúde e salvando vidas nos vilarejos situados à beira dos temidos rios amazônicos. Quando ele faleceu, não faltou um prefeito que o homenageasse com o nome de uma rua em Trinidad, capital do Beni, mas que, durante a ditadura sanguinária de Hugo Banzer Suárez, algum interventor rancoroso retirou seu nome para pôr o de um ancestral seu. Se isso fizera falta aos seus descendentes? Absolutamente, até porque a quase totalidade dos Hany se espalhara pela Bolívia e toda a América Latina, fazendo jus à sua origem peregrina.
Mas para a Família Hany retirar homenagem póstuma beirava anedota diante das histórias canhestras contadas pelo Tío Simón Hany, Irmão mais velho e que chegara antes de nosso Avô José à Amazônia, pelo Brasil. No início do século XX, então recém-chegado à América, o Tío Simón foi trabalhar na extração de castanha e seringa e produção de carne na gleba de um grande fazendeiro português, descendente dos senhores de escravo da época da colonização. Cansado dos abusos e represálias do arrogante patrão, o então jovem imigrante decidira pedir as contas e mudar-se para o outro lado da fronteira, a Bolívia. Aconselhado por um amigo africano, havia mais tempo na fazenda, a não fazer isso para não perder a vida -- antes fugisse sem deixar vestígios, mesmo deixando seus haveres --, mas ele relutara por entender que eram seus direitos e que ninguém o enganaria. Resultado: depois de pegar todo o salário devido, o Tío Simón foi alvejado por jagunços do patrão e, enquanto parecia agonizar, era roubado todo o seu dinheiro. Ainda com vida, apesar de todo ferido pelas balas que o atingiram, foi resgatado pelo amigo africano e levado para um vilarejo pouco distante dali, para ser salvo por nativos. Por ironia da vida, dias depois de o Tío Simón ter sido alvejado, o patrão arrogante e ladrão foi morto por um raio que derrubou uma árvore frondosa sobre ele.
Naquela época, as donzelas eram instruídas em casa. Quando jovem, Wadia (Yoya, em casa) e sua Irmã Magiba queriam seguir os estudos, mas no interior do Beni isso era impossível. Por isso, tão logo se emancipou com o casamento -- três anos depois ela, meu Pai e meus dois Irmãos mais velhos foram morar na cidade universitária da Bolívia, Cochabamba, pois para eles o estudo era instrumento de emancipação de todo e qualquer cidadão --, fez um curso de técnica de enfermagem, o que lhe foi de muita valia até para cuidar dos nove filhos e dos filhos de muitas parentes e amigas.
Enquanto meu Pai fazia uma incursão pelas atividades jornalísticas e intelectuais, numa fase em que a Família tinha alcançado estabilidade financeira, sendo Dona Yoya a administradora dos negócios, uma crise sem precedentes se abateu sobre a Bolívia entre os anos 1953 e 1962, o que os levou a decidir emigrar com todos os filhos para o Líbano. Até porque meu Pai, minha Mãe e os filhos, por tabela, tinham automaticamente cidadania libanesa. Esse período, de quatro anos do Líbano, mostrou uma Wadia ainda mais extraordinária e companheira, o que permitiu que meu Pai retornasse às atividades jornalísticas, vinculando-se à imprensa egípcia, escrevendo em árabe e espanhol, pois os mesmos meios que antes publicavam seus artigos na Bolívia, Chile e Brasil tinham interesse de conhecer como as transformações decorrentes do nasserismo estavam se processando por todo o chamado Mundo Árabe.
A iminência da guerra civil no Líbano fez os meus Pais retornarem para a América do Sul, mas desta vez para o Brasil -- precisamente Corumbá, na divisa dos dois países, o que permitia que os filhos mais velhos pudessem cursar os últimos anos do ensino médio e seguir para a Universidade na Bolívia sem perda de tempo --, o que implicou numa fase de adaptação, sobretudo por causa do calor e das características de cidade de interior, ainda que com um cosmopolitismo ímpar. Com a mesma dignidade com que conduzira os negócios da Família na Bolívia e no Líbano, Dona Yoya se armou de valor e arregaçou as mangas para estar à frente de, inicialmente, uma pequena sorveteria e, depois, uma modesta pousada (na época soía ser chamada de “hospedaria”), com a qual custeou os estudos de todos os filhos, além de ter contribuído, ainda que modesta e anonimamente, para o desenvolvimento do turismo ecológico desta porção rica e singular do planeta por exatos 30 anos ininterruptos, além de ter inserido na agenda local alguns temas por meio de artigos publicados no emblemático decano da imprensa corumbaense, o combativo Diário de Corumbá.
Depois do encerramento das atividades comerciais, Dona Yoya aproveitou de desfrutar melhor da companhia do Seu Schabib, e fizeram memoráveis viagens para rever familiares no Brasil, na Bolívia, no Líbano e no México. Eis que o destino quis que o Companheiro de toda a Vida se eternizasse antes de que eles pudessem ter comemorado suas bodas de ouro, período de recolhimento e viagens curtas, na tentativa de esquecer a sofrida solidão. Mas não se deu por vencida, e com a mesma garra com que enfrentou adversidades em diferentes fases da Vida, viveu por mais treze anos de rica convivência com filhas, filhos, netas e netos, irmãs e irmãos.
Silenciou-se numa chuvosa manhã de 15 de junho de 2009, num leito de clínica em Campo Grande, depois de ter resistido estoicamente a um câncer voraz, oportunidade que nos permitiu conhecer melhor a Peregrina de doce olhar que a Vida nos presenteou como Mãe.
Ahmad Schabib Hany
segunda-feira, 10 de março de 2025
MAIS LUTA QUE FLORES E LUTO
segunda-feira, 3 de março de 2025
RECONHECIMENTO HISTÓRICO
Reconhecimento histórico
A vitória de Ainda estamos aqui como melhor filme internacional na cerimônia do
Oscar, mais que a maior conquista do cinema nacional, é reconhecimento
histórico do talento do artista e de sua consciência cidadã. O povo brasileiro,
de pé, aplaude seus artistas, que agem com cidadania enquanto seus ‘patriotas’ viajam com dinheiro público para implorar invasão
do Brasil.
Iniciamos dando os parabéns
merecidos a todo o elenco, aos roteiristas, à produção e à direção de Ainda estou aqui. Parabéns à Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Selton
Mello e Walter Salles e equipe! Acrescente-se a tudo isso o fato de o povo
brasileiro ter se identificado com um roteiro de caráter histórico num momento
em que pretensos pais
da república começam a
responder por crimes de lesa-pátria ao serem desmascarados por tentar um golpe
monstruoso com o assassinato do presidente eleito, vice-presidente eleito e o
presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Indicado em três
categorias, Ainda
estou aqui foi
contemplado em uma, mas lavou a alma do Brasil e dos amantes da Democracia em
todo o planeta. Imagine-se que tudo isto tenha ocorrido a pouco mais de um mês
da posse de um fascista que, por não ter sido julgado por tentativa de golpe de
Estado quatro anos atrás, virou presidente com ampla maioria nas duas casas do
Congresso Nacional dos Estados Unidos. E, pior, ameaça com seu delírio esquizofrênico
toda a humanidade.
Obviamente, 2025 entra para a história por uma série de
fatos, cujo mais relevante no momento em que escrevo é o reconhecimento pela
Academia de Cinema de Hollywood de um filme brasileiro que contraria os
interesses da extrema direita em todo o mundo. Ainda estou aqui, de
Walter Salles, com base na obra de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva,
ex-deputado do PTB cassado pelo AI-1 em 1964 e perseguido até a morte por
ajudar brasileiros que tentavam resistir aos abusos do regime, e de Dona Eunice
Paiva, viúva do desaparecido político que inspirou o autor, seu filho, como
artistas, roteiristas, produtores e direção.
O orgulho nacional está no alto neste carnaval de
2025. A
conquista do primeiro Oscar por um filme brasileiro se compara ao que, em
passado recente, representou ganhar a Copa Mundial de Futebol. Mas
não se trata da conquista do primeiro Oscar, ‘apenas’ -- como se isso fosse pouco,
há tanto tempo chegando perto, mas ‘batendo na trave’ --, essa vitória tem um
sentido muito mais emblemático. Como bem ilustra a charge de Alexandre Beck, o
denominado ‘drama biográfico’ trata de parte de nossa história, de nossa memória,
que alguns tentaram apagar de todos nós, cidadãos anônimos.
Rubens Paiva, lembrado por Ulysses Guimarães no ato
de promulgação da Constituição de 1988, foi sequestrado de sua própria casa por
homens fardados numa noite de janeiro de 1971 e, depois de aprisionar também sua Companheira,
Eunice Paiva, e duas de suas filhas mais velhas por alguns dias, nunca mais foi
visto com vida. Ele, um deputado cassado nos primeiros dias do nefasto regime,
teve esse fim trágico. Quantos milhares de outros brasileiros e brasileiras,
sem qualquer acusação formal e condenação pela justiça, foram privados de sua
liberdade, submetidos à tortura e até à morte sem que seus familiares pudessem,
ao menos, enterrar seus restos mortais?
Essa é a história do
regime de 1964, cuja verdade vem sendo escondida da população, em especial das
novas gerações. Estas, sem conhecer a história e doutrinadas por fakenews criminosas, fazem apologia a esse maldito
regime. Digo maldito por ter perdido, também, meu irmão quando, no Brasil, a ‘redentora’
comemorava seus ‘primeiros dez anos’. Quem teve um familiar morto em
circunstâncias nunca elucidadas sabe, porque viveu, o drama da família que
perde seu ente querido. E o pior, ainda, é o estigma que orbita sobre os que
sobrevivem a esse duplo, triplo assassinato: além de ter a memória enxovalhada,
o defunto vira ‘lição’ para os seus contemporâneos: “Veja o que ocorreu com
fulano!”
Ah, sim! E os patriotas? Muitos não conseguem
segurar sua contrariedade com a conquista. Primeiro, porque se trata de um fato
histórico em que seus ‘ídolos’ são desmascarados em escala mundial: o filme não
deixa dúvida de que o deputado cassado foi vítima de abusos de uma horda de
milicianos que se julgavam ‘donos’ da nação. Seus hoje idolatrados, seus mitos,
não passam de fora de lei covardes que se valeram da impunidade para cometer os
seus mórbidos atos libidinosos e assassinos. Tudo em nome de... ‘Deus, pátria e
família’!
Mas o pior é que alguns, membros da família do
inominável, viajaram até os Estados Unidos para implorar ao inominável de lá
que invadisse (sic) o Brasil e
depusesse o presidente da República. Como se não conhecessem a palavra e o
significado de soberania nacional. Não entendem, na prática, pois quando o palerma
daqui usou e abusou do cargo, arriou suas calças para se entregar aos gringos
do hemisfério norte e, não satisfeito com isso, jurou a sua bisonha lealdade a
gente como Elon Musk e assemelhados. Conduta própria de quem não tem a
hombridade de sair do armário e ser feliz...
E se isso fosse pouco,
proclamam-se inimigos da corrupção, mas se locupletaram cínica e asquerosamente
até com centavos, clipes e grampos. Com leite condensado, lubrificante anal e Viagra.
Empreenderam viagem à terra de seus amos e senhores -- os Estados Unidos! -- com
dinheiro público, recursos do erário nacional. Como, aliás, sempre o fizeram:
ou a imprensa corporativa desconhece que o palerma que só chegou a ser
presidente porque Lula foi impedido de ser candidato a presidente em 2018 fez orgias absurdas durante
todo o seu desgoverno? E não só ele, mas muitos que hoje como governadores e
parlamentares também se locupletaram compulsivamente.
Eis o grau de civismo,
consciência cidadã e, sobretudo, respeito ao Estado Democrático de Direito.
Tentando repetir o delírio orgástico cometido entre 2013 e 2018. O choque de realidade somente veio
depois da intentona de 8 de janeiro de 2023, quando foram todos -- isto é, os mais otários e otárias das hordas --
presos e julgados por tentativa de golpe e abolição do Estado de Direito.
Sentem-se injustiçados por não terem sido apoiados em sua loucura. O fascista é
assim: quando contrariado age como criança mimada, com toda a idade que tem e o
cinismo que encobre seus propósitos nada honestos e civilizados.
Não percam por esperar:
diversos juristas, ciosos do erário, já protocolaram inúmeras ações contra
esses otários, que com acinte e perversão cometem crimes de toda natureza. Além
de terem que reembolsar o Estado pela dinheirama gasta sem comedimento algum,
responderão a processo por crime de lesa-pátria, ao propor, como detentores de cargos
eletivos, a invasão do país por potência estrangeira e atentar contra o Estado
Democrático de Direito de maneira tão explícita, que dispensa maior materialidade.
Com patriotas de tão baixo nível, o que esperar de seus
hipotéticos projetos para o país? Virar um Haiti?
Diferentemente dos patriotas, fardados ou
não, os artistas e as pessoas humildes deste país-continente têm em comum
consciência cidadã e empatia, profunda empatia. Tudo o que foi conquistado pelos
humildes e muitas vezes anônimos brasileiros no Brasil e lá fora o fizeram
merecidamente, com denodo e generosidade. Não amealharam um centavo sob
pretexto de ‘defender a pátria’ para por trás se locupletar. Essa hipocrisia de
usar discurso de beato e patriota sempre foi recurso nada criativo das elites
canhestras e suas hordas de serviçais, inclusive fardados, que vão sendo, um a
um, desmascarados.
Por tudo isso, caro leitor, é preciso ler, mas ler
coisa que preste, em bibliotecas públicas, e autores de referência, para que os
facínoras dos ‘brasis perpendiculares’, ‘brasis de cócoras’ e ‘brasis
rastejantes’ não maculem obras conhecidas e reconhecidas com edições piratas e
destituídas de fidedignidade. Instruir, educar e formar nunca foram sinônimos
de doutrinar -- mas de emancipar, libertar, tornar autônomas mentes e corações.
Viva o cinema nacional! Vivas aos artistas e
cineastas! Vivas às culturas e às artes! Ainda estamos aqui!
Ahmad
Schabib Hany
domingo, 2 de março de 2025
‘Maria, Carnaval e Cinzas’
‘Maria,
Carnaval e Cinzas’
Composição de Luiz Carlos
Paraná, com a qual Roberto Carlos se classificou em 5º lugar no Festival de MPB
de 1967, foi o primeiro samba que o ídolo da Jovem Guarda interpretou em sua
carreira e que depois da eternização do compositor, em 1970,
não mais o cantou. Com este samba homenageio a Jornalista Vanessa Ricarte e as
inúmeras vítimas de feminicídio desta sociedade eivada de misoginia, homofobia
e hegemonismo genocida e opressor.
Este modesto texto é dedicado à memória da
Jornalista Vanessa Ricarte, a segunda vítima conhecida [porque não conhecemos o
índice de subnotificação] num estado em que o ódio e a intolerância campeiam
soltos em instituições cujos dirigentes, como cidadãos e servidores públicos,
devem observância ao que estabelece o arcabouço jurídico do Estado Democrático
de Direito, vigente desde 5 de outubro de 1988, com a Constituição Cidadã.
Quantas Marias não mais estão neste carnaval? Ainda
que fora da folia, quantas Marias não estão entre nós, no convívio com seus
familiares? Que direito sobre-humano têm os seus algozes para lhes tirar a
Vida? O ódio e a intolerância, que tornaram o ambiente coletivo nos últimos
anos irrespirável, têm alimentado essa nefasta conduta, esse nefasto conceito
de sociedade, em que só os narcisos se reconhecem. Aquela diversidade generosa
e digna da sociedade brasileira se perdeu. Aquela graça de vermos a variedade
de modos de Vida e de comportamentos se dissolveu, como antiácido em copo d’água.
Sabemos que há uma subnotificação, de taxas
desconhecidas, dos números oficiais sobre as vítimas de feminicídio e sobre as
sobreviventes. E também sobre órfãos e dependentes vitimados pelo trauma. Ainda
as instituições municipais e estaduais, que estão na ponta do Sistema de
Garantia de Direitos e da Rede Jurídico-Social de Proteção, construída com
tanto denodo por nossas gerações ao longo de décadas, desde antes da
promulgação da Constituição Federal de 1988, não se articularam e efetivaram os
protocolos emanados há pelo menos quinze anos. [Corumbá e Ladário, na verdade,
também estão em débito com a cidadania, não por acaso nosso glorioso
FORUMCORLAD foi defenestrado precisamente quando os gestores municipais haviam
sido eleitos e reeleitos pelo partido de Lula. Ou creem termos ignorado o drama
da menina e dos familiares de Lívia, desaparecimento que expõe não apenas a
fragilidade da rede, mas a hipocrisia reinante em nossa sociedade?]
A História saberá cobrar a omissão de todo servidor,
de todo cidadão e de todo omisso que por qualquer razão não se empenhou ou não
cobrou o suficiente, em todos os casos em que o algoz -- ou a rede de algozes --
encontrou meios de executar sua mórbida ação ou saiu impune dela. Se prestarmos
atenção, os mesmos que hoje enxovalham o Estado Democrático de Direito com suas
patranhas e perversidades -- inclusive disseminando fake news criminosamente,
fazendo-se de inocentes -- são os que cinicamente participam, por ação ou
omissão, desse odioso e perigoso ambiente em que, sobretudo, são mulheres as
maiores vítimas (além de seus filhos, pais ou dependentes, igualmente atingidos
pela tragédia que só tende a crescer diante de nossos olhos indignados).
COMPOSIÇÃO DE 1967
O título deste modesto texto nos remete ao nome da
composição de Luiz Carlos Paraná, samba com riqueza metafórica singular, um
recurso semântico próprio da época para driblar a censura e seus sombrios agentes.
A versão mais conhecida foi a interpretação de Roberto Carlos, que a defendeu
no III Festival de Música Popular Brasileira da antiga TV Record, em 1967, no
qual se classificou em quinto lugar. Talvez o único, senão o primeiro, samba
interpretado pelo ‘rei’, que, além de não se posicionar contra a ditadura, era ídolo
ascendente da Jovem Guarda, um gênero filiado ao Iê-iê-iê dos Beatles, que em
muitos países era sinônimo de rebeldia, diferentemente do Brasil, sob censura.
Roberto Carlos, embora tivesse feito muito sucesso
com o samba -- há quem diga que ele tenha sido recordista de vendas em seu
tempo (isso deixarei para pesquisadores da MPB, como meu Amigo Juvenal Ávila de
Oliveira)
--, depois da eternização de seu compositor, Luiz Carlos Paraná, em 1970, o ídolo da Jovem Guarda não mais cantou essa bela canção. Muitos
dizem se tratar de denúncia da mortalidade infantil, pois durante a ditadura
era proibido explicitar essa tragédia social. Não me esqueço que em aula de
Estudos de Problemas Brasileiros (EPB),
na ex-FUCMT, ainda sob o regime de 1964, questionei o então vereador
campo-grandense Yvon do Egito Filho (líder da Arena), palestrante convidado pela saudosa Professora Thiê Yegushi
dos Santos, titular da disciplina, mas ele respondeu em tom de advertência que a
questão não podia ser debatida por estudantes, apesar do tema de sua palestra ser
“As conquistas sociais dos 15 anos da Revolução de 31 de Março”.
Se em 1979 isso ainda era tabu, imaginem em 1967,
quando o festival foi realizado, sob nítida tensão, em ambiente tomado pelas
mobilizações antiditatoriais. Só pelo título da canção de Luiz Carlos Paraná dá
para compreender que há um questionamento explícito em sua composição
metafórica e melancolia indisfarçável. Roberto Carlos prestou grande serviço à
resistência democrática quando defendeu a canção em festival de tamanha
relevância. Pode-se perceber, aliás, a mudança de atitude da plateia à medida
em que a canção era apresentada: os jovens que vaiavam o ídolo da Jovem Guarda,
entendendo a mensagem, pararam as vaias e ao final aplaudiram o cantor e o grupo
que o acompanha.
1968 foi o ano que, segundo o Jornalista Zuenir
Ventura, não acabou. Emblemático ano em que a juventude foi às ruas enfrentar fascistas
cínicos que tomaram de assalto o golpe civil-militar de 1964: primeiro matando
o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, que rompeu com eles ao querer
devolver o poder aos civis, quando seu avião monomotor ‘colidiu’ com um jato da
esquadrilha da fumaça cujo piloto sobreviveu; a seguir, cassando civis que participaram
do golpe, entre eles Carlos Lacerda, o eloquente e bem articulado líder do
golpe; depois golpeando o segundo marechal, Arthur da Costa e Silva, que teria
sido ‘acometido de um AVC’, só que não, segundo denúncia de sua viúva, Yolanda
Costa e Silva, e ao morrer não assumiu o vice Pedro Aleixo, civil, mas a junta
militar que surge do nada e da qual sairia sagrado ‘presidente’ o facínora
Emílio Garrastazu Médici, o mais temido general do ciclo militar.
A EDUCAÇÃO LIBERTA
Diferentemente do que pregam os fanáticos
seguidores do fascismo e sionismo, em que a doutrinação é a ferramenta de sua
formação, somente a educação laica e sinceramente exercida sob os paradigmas
posteriores ao Iluminismo oriental e ocidental [cada qual em seu momento
histórico] é que será possível assegurar bases sólidas para uma formação
emancipadora das novas gerações. E para isso é urgente que, independentemente
das posições partidárias, filosóficas ou religiosas, nos irmanemos em projetos
consistentes por uma sociedade de valores sólidos e de respeito à diversidade,
seja étnica, cultural e, em especial, ambiental.
Eis por que precisamos gostar de ler, de artes e
culturas (assim, no plural) e,
sobretudo, de história. Quando vemos os atuais algozes da democracia por todos
os cantos do planeta surrupiando o direito da juventude e da infância de
conhecer sua história, suas culturas e suas artes -- além de incentivar a não
ler e a não pensar, obviamente -- devemos acender o sinal de alerta, pois o
processo civilizacional está em risco de ser destruído. Parece algo
dispensável, desnecessário, no entanto, a humanidade levou dezenas de milênios
para construí-lo. Sem esses valores, fundamentais para a sobrevivência da
humanidade, o que nos espera? A barbárie, o que para os fascistas, sionistas, fundamentalistas
e assemelhados é o sonho, a meta, por razões que só o desvario e a perversidade
humana justificam.
Aliás, é nesse contexto que projetos inovadores,
inclusivos e integradores como a proposta da futura Universidade Federal do
Pantanal, pela qual o Movimento UFPantanal tem sido incansável fomentador e
mobilizador, são oportunos e imprescindíveis. Além de alavancar um futuro
sustentável à nossa região, preterida há décadas das prioridades regionais e
nacionais, projetos transformadores focados na formação das novas gerações são
fatores seguros e perenes das sociedades conectadas à contemporaneidade e com
respostas para os desafios deste momento sombrio da história humana.
Ler, estudar e lutar pela Universidade Federal do
Pantanal (UFPantanal), pois, é
estar conectado à realidade. Mais que uma instituição necessária e com a cara
do bioma e das populações do Pantanal, trata-se de uma resposta à altura dos
desafios de toda a espécie humana, cujos maiores detratores são os
pseudolíderes inspirados em Hitler, Mussolini, Salazar, Franco et caterva. Por
quê? Porque a luz que dissipa as trevas é a mesma que permeia o horizonte
fecundo e transformador.
Basta recorrer à História e compreender em profundidade
este fato, este processo. Basta ler. Basta pensar. Basta estudar para se
libertar do atraso, das mentiras e, sobretudo, das trevas que por séculos
teimam por impor às imensas maiorias da humanidade. Porque mantê-las no
primarismo, na desqualificação profissional, na invisibilidade humana é a
fórmula do sucesso das potências ocidentais que hoje, para não sucumbir ante o
surgimento de novas potências tecnológicas, querem nos submeter a uma nova
colonização. Quem tiver alguma dúvida, basta entender em profundidade o
noticiário de qualquer mídia, seja corporativa ou independente. Só tome o
cuidado de não cair no conto de vigaristas fazedores de fakenews.
Ahmad
Schabib Hany