sexta-feira, 18 de junho de 2021

VIDAS INTERROMPIDAS EM CORUMBÁ

VIDAS INTERROMPIDAS EM CORUMBÁ

‘Seu’ Carlos, Orlando Papa, Professor Molina... Pessoas conhecidas, estimadas, admiradas e solidárias que se eternizaram por causa da covid-19. Por que o coronavírus não para de ceifar vidas?

Creio que todos tenhamos tido verdadeiros Amigos que assim se tornaram sem que nos tenham sido apresentados. É como que a Vida, inadvertida e espontaneamente, tivesse querido nos dar de presente pessoas interessantes que jamais tivéssemos imaginado vir a conhecer.

Assim que me casei e me mudei para o bairro Universitário, em Corumbá, há 16 anos, vi, isto é, chamou-me a atenção um senhor da terceira idade, servidor da AGEPAN, cuja residência era próxima ao condomínio onde moro desde então. Ninguém nos apresentou. Ficamos amigos por conta de algumas coincidências que a Vida nos proporcionou. Toda vez que saía rumo ao centro, eu o via na frente de sua casa, e, obviamente, lhe fazia um aceno, como cumprimento.

Ninguém me disse, mas deduzi que ele fosse servidor (provavelmente motorista) da AGEPAN, pois muitas vezes ele chegava em casa dirigindo uma viatura dessa instituição. Observei que, ao lado da Companheira dele, havia um casal jovem e um filho ainda criança, hoje adolescente. No período que por alguns meses tratei da saúde na capital perguntaram à minha Companheira sobre meu estado de saúde e deixaram votos de melhoras.

À medida que o tempo foi passando, começamos a nos cumprimentar mais detidamente. Quando viajavam por um período mais longo, era inevitável que perguntássemos aos seus vizinhos mais próximos sobre ele e sua família. Quando chegou outro jovem casal, e mais tarde ganharam sua filhinha, passávamos a trocar experiências em relação aos cuidados com os bebês.

No dia em que fui tomar a primeira dose da vacina para a covid-19, ele estava sentado à frente de sua moradia, e nos cumprimentamos, com evidente saudade. Fazia um ano que não nos víamos. De repente, na quarta-feira, dia 16, minha Companheira retorna do mercadinho do bairro visivelmente desconcertada: ao encontrar, na frente da casa, um dos filhos, perguntou sobre o nosso Amigo, ao que ouviu como resposta, que naquele dia era a Missa de Sétimo Dia de ‘Seu’ Carlos. Ele havia se eternizado por conta da covid-19.

Pois é, só soube de seu nome no dia em que era celebrada a sua Missa de Sétimo Dia...

Já com o esportista e locutor Orlando Papa Jr., também eternizado pela covid-19 nestes dias, a relação vem de décadas, com seus Pais e Tios. Em 1970 tive a honra e o privilégio de ser aluno, no antigo Ginásio Industrial Dr. João Leite de Barros (onde hoje é a Escola Estadual Dr. Gabriel Vandoni de Barros), de dois Tios do Orlando Júnior: os queridos e saudosos professores Odiney Taborda Papa, odontólogo, e João Papa, licenciado em História.

Em 1972, quando a agência da Embratel foi inaugurada em Corumbá, chegaram os técnicos que viriam a se suceder na chefia da agência, antes da privatização, os saudosos senhores Orlando Papa, Pedro Júlio e Jamil Yunes Solonimy, cuja vila de casas, oferecidas pela empresa, era a uma quadra da agência. Não raro, logo que iniciaram as atividades em Corumbá, frequentavam o refeitório da hospedaria de meu saudoso Pai, a poucas dezenas de metros, também.

‘Seu’ Orlando era mais reservado, mas com ‘Seu’ Pedro e o Jamil nossos contatos eram mais intensos: conversávamos de tudo, inclusive sobre livros e autores de clássicos, em especial com a saudosa e querida Amiga Maria Auxiliadora Júlio, esposa de ‘Seu’ Pedro, e que conheci em 1978, quando estagiava na então Telemat e realizávamos uma pesquisa de campo sobre perspectivas de mercado da telefonia local. Dona Auxiliadora, gentilmente, me emprestou uma dezena de livros clássicos, e a partir daí nossa Amizade cresceu, mesmo na época em que fui estudar em Campo Grande.

A querida Dona Maria Papa, Mãe do Orlando, Irmã do célebre e saudoso artista plástico Jorapimo (João Ramão Pinto de Moraes), é uma incansável e solidária cristã e cidadã, como pude testemunhar ao longo desse período, mas que o faz com muita discrição, pois não gosta de holofotes. Com seu outro filho, César Papa, em agosto de 1994, quando do centenário de falecimento de Antônio Maria Coelho, herói da Retomada de Corumbá, realizamos uma semana de atividades culturais na Praça Independência, onde há um monumento com sua estátua e seus restos mortais em sua homenagem. Lá estavam, também, a saudosa Professora Marilza Coelho e seu Pai, ‘Seu’ Satyro Coelho, o querido e incansável Armando Lacerda, a querida Adriana Ferraz Santos, a querida Mara Leslie do Amaral, a igualmente querida Denise Campos Diniz e o grande Antônio Lima Batista, então vereador.

Desde essa época, o César e Dona Maria Papa, sempre que possível, ligavam ou enviavam mensagem para saber como estávamos, inclusive no tempo em que eu estive em Campo Grande, entre 1999 e 2003. Imaginem, depois da perda do Companheiro e do Irmão, ver agora a partida de um atleta saudável como era o Orlando é de partir a alma. Mas Dona Maria é pessoa de fé e bastante convicta, e, embora saibamos de sua dor de verdadeira Matriarca, ela tem muito para nos ensinar...

Por seu turno, a eternização, também pela covid-19, do Professor de História e técnico de enfermagem Reinaldo Molina, causa igualmente consternação. Havia se aposentado dos dois ofícios há pouco mais de quatro anos, e era vizinho dos Pais de minha Companheira, nas imediações da ‘Antiga Shell’, como são conhecidos os reservatórios de combustível do tempo da ferrovia, no bairro Universitário. Todos acudiam à residência dele, pois, solidário e técnico de enfermagem experiente, nunca negava ajuda a quem o procurasse. Foi assim até o dia em que se sentiu mal e precisou ser internado para tratar dos sintomas da covid-19.

Curiosamente, em 2017, o Professor Molina foi entrevistado por um jornalista para uma reportagem em jornal local, numa cobertura da campanha de vacinação da gripe H1N1. Nessa ocasião ele revelava que a técnica de vacinação que aplicara o imunizante era sua ex-aluna, precisamente a atual responsável pela campanha de imunização contra o novo coronavírus, a técnica Luciana Ambrósio. Mas esta semana, antes de completar 60 anos, o Professor Molina se eternizou sem ter desfrutado o suficiente de sua aposentadoria.

Além dos sinceros e mais profundos sentimentos, recebam os familiares de todos esses Cidadãos (com letra maiúscula), agora saudosos, a certeza de que seu legado permanece presente em nossa memória e em nossos corações. Até sempre, ‘Seu’ Carlos, Orlando Jr. e Professor Molina!

Ahmad Schabib Hany

2 comentários:

Thiago disse...

Sempre com lucidez e história na ponta dos dedos (para digitar)
Sempre um privilégio ler!

O caminho se faz ao caminhar disse...

Obrigado, Professor Thiago, pelas generosas palavras...
Creio ser minha obrigação (e, talvez, de todos nós, que estamos nos movimentos sociais) testemunhar o legado e a trajetória de pessoas queridas que se eternizaram. Sobretudo nestes tempos sombrios.
Grande abraço!