domingo, 4 de fevereiro de 2024

GONZAGA, FORMADOR DE REPÓRTERES E COMUNICADORES

Gonzaga, formador de repórteres e comunicadores

Repórter especial do Jornal do Brasil, Luiz Gonzaga Bezerra foi o generoso redator-chefe que, mais que chefe, era um humilde líder e talentoso e incansável repórter que atuou como garimpador e lapidador de talentos, sobretudo repórteres e comunicadores, na Corumbá da década de 1970.

O talentoso Jornalista Edson Moraes é a prova mais eloquente da inesgotável capacidade de revelação, lapidação e preparação de grandes talentos nas áreas do Jornalismo, cultura e comunicação do saudoso Jornalista Luiz Gonzaga Bezerra, repórter especial do Jornal do Brasil trazido a Corumbá por Daniel de Almeida Lopes, diretor-geral do Consórcio Corumbaense de Comunicação (CCC), que existiu em Corumbá no início da década de 1970 para promover os políticos da Arena e combater a popularidade crescente de Cecílio de Jesus Gaeta, da oposição.

Nascido em Minas Gerais, Gonzaga é o pivô da transformação de um projeto enviesado em uma usina reveladora de talentos e responsável por ter contribuído para a modernização da imprensa nos confins do Brasil num tempo de censura e repressão dos dois lados da fronteira: tanto o Brasil como a Bolívia tiveram sua jovem democracia interrompida no fatídico ano de 1964 (abril no Brasil e novembro na Bolívia) e os novos donos do poder precisavam mostrar prestígio junto a uma opinião pública exigente e uma juventude inquieta desde o início do século XX.

A lista dos talentos revelados é bem maior do que a que conhecemos: Edson Moraes, Gino Rondon, Juvenal Ávila, Augusto Malah, Ademir Lobo, Marluce Brasil. Embora o Consórcio Corumbaense de Comunicação fosse integrado pela Rádio Difusora Mato-grossense S/A (ZYA-2, 1.490KHz), matutino O Momento, vespertino Folha da Tarde e semanário Correio de Corumbá, o caráter colaborativo e solidário da categoria em Corumbá acabou por replicar o desenvolvimento de todos os meios de comunicação à época. Assim, a Sociedade Rádio Clube de Corumbá Ltda. (ZYX-29, 1.410KHz) e o matutino independente Diário de Corumbá, coirmãos mais que concorrentes, acabaram usufruindo dos ganhos advindos dessa aventura. Até porque os profissionais das emissoras de rádio e jornais tinham uma relação de amizade (e até de parentesco), própria do modo de vida pantaneiro.

Corumbá, desde o primeiro quartel do século XX, era celeiro de grandes repórteres. Quem poderia imaginar que o benfeitor e advogado Gabriel Vandoni de Barros, cujo acervo doou em vida ao estado de Mato Grosso do Sul no primeiro ano do governo democrático de Wilson Barbosa Martins, fora o único repórter brasileiro a entrevistar o então capitão rebelde Luiz Carlos Prestes durante sua passagem por Mato Grosso na emblemática Coluna Prestes? Pois é. Isso nossa oficiosa historiografia regional vive a escamotear, ainda que o Professor Valmir Batista Corrêa tenha obtido essa confirmação do próprio Doutor Gabi nos idos dos anos 1970. Da mesma forma que escamoteou a doação de vultosas quantias ao Hospital de Caridade (que financiaram a construção da nova ala do nosocômio de Corumbá nos idos de 1930) pelos integrantes da Coluna Prestes quando de sua repatriação, como reconhecimento pela acolhida hospitaleira (a placa, durante o regime de 1964, foi retirada da parede da Santa Casa pelos novos ‘donos do poder’, pois, como inimigos da memória, censuraram, apagaram e difamaram todos os que contrariassem seus pouco nobres interesses).

Merecedor da confiança do Jornalista Daniel Lopes, ex-correspondente em Cuiabá de O Globo (então vespertino oficioso da ditadura), o ex-repórter especial do Jornal do Brasil tinha carta branca do colega para introduzir todas as inovações que desejasse, mas sem interferir na linha editorial, razão de ser do CCC. Gonzaga, de cara, fez as transformações gráficas que achava pertinentes, tendo criado novas sessões e introduzido o conceito de ‘editorias’ na Folha da Tarde, o jornal que, pelo horário de fechamento e circulação, lhe pareceu mais adequado para ser carro-chefe da modernização dos meios integrantes do consórcio.

Gonzaga convenceu Lopes a contratar alguns pratas da casa para o meio impresso. Edson Moraes, revelado na Clube, passou para a Difusora não só na locução, mas como repórter de faro singular, que o redator-chefe já havia sondado. Pouco a pouco, diversos nomes da emissora coirmã foram para o CCC, mas como empregados das respectivas firmas constantes do contrato constitutivo desse novo status, sem perderem sua personalidade jurídica (na época CGC, hoje seria CNPJ). Primeiro eram contratados pela Difusora, depois passavam a integrar a equipe da Folha da Tarde ou de outro impresso integrante do grupo, para o qual foi criado o semanário esportivo SóSports, além das edições experimentais da Folha da Noite e, em projeto, a Folha da Manhã (com o cuidado de não melindrar os donos do carrancudo O Momento, de gênese udenista).

Enquanto Daniel Lopes focava na expansão dos meios do consórcio (adquirindo linotipo, clicheria, belinógrafo e impressora, e criava a Agência Mato-grossense de Imprensa, AMI, a primeira agência de notícias de Mato Grosso), Gonzaga se ocupava com a qualidade jornalística dos meios. Escolhida como laboratório, a Folha da Tarde foi a que se beneficiou das inovações. O trabalho era feito em equipe, cuja pérola era Edson Moraes, que logo passou a ser redator de nova coluna, No bolso do repórter, algo parecido à Coluna do Castello, do Jornal do Brasil. O coirmão Diário de Corumbá (inovador que fora com Coluna da Tia Fifina, muito lidas, em que o próprio fundador, Carlos Paulo Pereira, se permitia comentar fatos do cotidiano da cidade ou região), para não ficar atrás, criou a Ronda Policial, em que o jovem repórter e locutor Roberto Hernandes foi dos primeiros redatores (nessa época o jornal da Antônio Maria contara com uma plêiade de renomados Jornalistas, entre eles o querido Amigo-Irmão Adolfo Rondon Gamarra, além de Jorcêne José Martinez, Onésimo Vale do Espírito Santo Filho, Adelson Miguel Navarro e Clarimer da Meira Navarro).

O Professor Octaviano Gonçalves da Silveira Junior, docente das Escolas Estaduais Santa Teresa e Julia Gonçalves Passarinho e do Centro Pedagógico de Corumbá (da Universidade Estadual de Mato Grosso), que fora revisor e foca quando jovem na Folha de S.Paulo (ele era sobrinho da renomada crítica de tevê Helena Silveira, colunista da Folha Ilustrada), chegou a agendar palestras para os alunos com Daniel Lopes, Luiz Gonzaga e Edson Moraes, mas curiosamente foram canceladas e ele não mais tocou no assunto. O contexto político tinha essas imprevisibilidades. Uma década mais tarde, como apoiador do Professor Jair Madureira, candidato a reitor da UFMS foi porta-voz da demanda pela criação do curso de Comunicação, durante o VII Seminário de Ensino, Pesquisa e Extensão (SEPE), quando foi iniciada a articulação da oferta desse curso na então única universidade pública do estado.

Conheci Gonzaga em 1975, graças ao querido Amigo-Irmão Juvenal Ávila, que já me havia apresentado o Amigo-Irmão Edson Moraes (então, ele assinava Edson de Moraes). Juvenal, na época, era diretor musical na Difusora e depois das aulas no Julia Gonçalves Passarinho (estudávamos no período vespertino), o hoje Professor aposentado João de Souza Alvarez (na época repórter fotográfico) e eu acompanhávamos Juvenal até a rádio para conhecer a dinâmica da seleção musical. Numa dessas idas, Gonzaga ainda não havia deixado seu local de trabalho (como redator-chefe, depois de fechar a edição do vespertino, preparava a pauta de edição seguinte e selecionava as principais notícias do teletipo da AFP (Agência France Presse) para o ‘Rotativa Noticiosa’, em suas quatro edições diárias, do final da noite, da madrugada, da manhã e do meio-dia.

Humildade, faro jornalístico e generosidade em Gonzaga caminhavam juntos. Atolado de trabalho, dera atenção a um adolescente curioso, cheio de perguntas, a maioria delas por certo descabidas. Deu-se ao trabalho de não só conversar sem pressa como de explicar o passo-a-passo da produção das matérias que comporiam a edição daquele dia. Levou-nos até a sala onde estava instalado o teletipo da France Presse (o consórcio foi o primeiro a contratar os serviços jornalísticos de uma agência estrangeira), em espanhol. Só anos mais tarde, quando lhe perguntei por que a contratação do serviço em espanhol se a AFP tinha material em português, ao que me respondeu que foi de propósito, para driblar a censura, tanto que a Difusora foi a primeira emissora em todo o estado a dar a notícia do assassinato do rei Faisal, da Arábia Saudita, em 25 de março de 1975.

Nas próximas semanas traremos alguns fragmentos sobre o legado dessa aventura pouco ‘católica’ patrocinada pelos ‘donos da Arena’ durante os anos de chumbo numa cidade em que ainda vicejavam os ares do cosmopolitismo e da apoteótica diversidade cultural daquele que fora entre as décadas de 1870 e 1950 o entreposto comercial de importância continental nas águas interiores da América do Sul e que, com a inauguração das estações ferroviárias da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB) e da Red Oriental da Empresa Nacional de Ferrocarriles (ENFE) no perímetro urbano de Corumbá na metade do século XX, o coração do Pantanal e da América do Sul ganhou uma sobrevida de meio século, até a privatização da ferrovia, em meados da década de 1990.

Discreto e humilde, Luiz Gonzaga Bezerra não quis revelar as razões que o fez mudar-se para a futura ‘Novacap’ nas muitas oportunidades propiciadas pelo processo de fundação da Associação Profissional dos Jornalistas de Mato Grosso do Sul, na sede da Casa Sindical criada pelo saudoso Amigo-Camarada José Rodrigues dos Santos, então líder fundador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campo Grande (situada à rua Saldanha da Gama, bairro Amambaí, a poucas quadras do Terminal Rodoviário Heitor Laburu). O então futuro Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul, que teve como primeira presidente a Jornalista Ecilda Estefanello, tinha o saudoso Jornalista Luiz Gonzaga Bezerra entre os membros do Conselho Fiscal, pois assim ele dava, discreta e humildemente, suas contribuições para a organização da categoria até 1987, quando se eternizou enquanto se preparava para mais um dia de trabalho.

Ahmad Schabib Hany

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