segunda-feira, 21 de agosto de 2023

PROFESSOR NIVALDO, HUMILDADE A TODA PROVA

Professor Nivaldo, humildade a toda prova

O Professor Nivaldo Ferreira da Silva se eterniza eclipsado por lideranças ensimesmadas, muitas delas narcisistas, quando deveria ter sido referência de humildade e retidão para aqueles que amam de verdade Ladário e seu povo, de angústias e esperanças mil.

A eternização do primeiro prefeito eleito pelo voto direto de Ladário, Professor Nivaldo Ferreira da Silva, deixa um vazio irreparável na cidadania, como mestre incansável, ser humano humilde e cidadão exemplar. Leal filiado à Oposição, representado na época pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro), durante todo o regime de 1964 fez da política um bastião de resistência ao arbítrio e opressão que vigiam totalitariamente nos anos de chumbo.

Tive a honra de conhecer o Professor Nivaldo durante o processo de implantação do PMDB, em 1980, quando ele solitária e corajosamente enfrentava em Ladário o campeão de votos da Oposição, Deputado Cecílio de Jesus Gaeta, ao lado de, em Corumbá, Dona Eva Granha de Carvalho, Rubens Galharte, Joilce Araújo, Rômulo do Amaral, José de Oliveira, Jonas Ribeiro e Beatriz Viegas de Araújo, que mais tarde optaram fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) ou o Partido Democrático Trabalhista (PDT), de acordo com as suas convicções políticas.

Nas décadas de 1970 e 1980, o então jovem vereador Nivaldo Ferreira expressou a vontade do eleitorado de Ladário, majoritariamente contrário ao casuísmo praticado pelo governo federal, em plena vigência do regime de 1964. Porta-voz de um coletivo altivo e atuante, a despeito da censura e da falta de liberdades democráticas, soube, inteligente, leal e prudentemente, enfrentar os cães ferozes da ditadura à espreita da legítima inquietude da civilidade cidadã.

Diferentemente do que circulou nos dias que se seguiram à sua repentina eternização (e corretamente registrado pelo Correio de Corumbá), em meio a uma injusta e perversa invisibilidade por décadas, o Professor Nivaldo foi eleito pelo PMDB (sucedâneo do MDB histórico) no primeiro ano da Nova República prefeito de sua amada Ladário, em novembro de 1985, quando em Corumbá era eleito, também pelo PMDB, o Doutor Hugo Silva da Costa -- dois dirigentes municipais que fizeram história, cada qual com suas convicções, não só por terem sido os primeiros a serem eleitos pelo voto direto, depois de vinte anos de cerceamento, em nome de um instituto chamado ‘Segurança Nacional’, mas pela retidão e compromisso com as liberdades democráticas.

A última eleição municipal anterior ao pleito pelo sufrágio popular ocorrera em 1966, mas sob severas restrições, pois, com a cassação política dos adversários e a edição do Ato Institucional nº 2, os partidos até então existentes no Brasil (PTB, PSD, UDN, PSP, PDC etc) haviam sido extintos e criados por ato do então chefe do Executivo, sob a égide de um regime de exceção, a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB, que na região tinha como líderes Cecílio Gaeta e Rômulo do Amaral, cuja virtual eleição a prefeito de Corumbá fora garfada por meio de um flagrante ato lesivo à vontade popular, quando uma seção eleitoral da área rural foi fraudada depois de uma inusitada, senão curiosa (por desarranjo intestinal), retirada de combate dos fiscais emedebistas da urna, em que ‘sumiram’ os votos ao candidato do MDB, e perdeu a eleição por ínfima diferença de votos, conforme ação judicial peticionada por Amaral junto ao TRE/MT, ganha dias antes do fim do período administrativo de seu oponente e, sob censura, a imprensa sequer repercutiu o fato.

Esse importante registro histórico foi feito, com base em farta documentação da Justiça Eleitoral e do acervo de A Luta Mato-Grossense, pelo Professor Valmir Batista Corrêa em artigo intitulado “Um caso de corrupção eleitoral em Corumbá”, no Jornal da Cidade (6 set. 2015). Embora cosmopolita e celeiro de iluminados expoentes das artes, da cultura e da política, a nossa região desde tempos pretéritos está exposta à voragem de falsos ‘messias’, muitos dos quais alardeando seu amor suspeito, ‘desde criancinha’, pelo povo do Pantanal ou por um dos torrões pantaneiros. E, a bem da verdade, essa sina se acentuou depois da divisão de Mato Grosso uno.

O próprio Professor Nivaldo Ferreira da Silva também foi vítima dessa injustiça. Durante décadas, mesmo depois de ter realizado uma administração benfazeja e pródiga, amargou um deliberado ostracismo por conta da deslealdade de muitos que se beneficiaram de sua trajetória política, mas preferiram se deixar levar pelo canto das sereias. No entanto, ele não se deixou levar pela mágoa ou qualquer sentimento menor, tendo-se dedicado de corpo e alma ao sagrado ofício de Professor, que desempenhou com honradez e talento até o último dia de trabalho. O querido Professor João de Souza Alvarez, com quem, por alguns anos, conviveu na Escola Leme do Prado, confidenciara-me meses atrás sobre a cordura e companheirismo desse grande ser humano.

Durante a pandemia de covid-19, num breve encontro com o querido Psicólogo Juvenal Ávila de Oliveira, lembrávamos do período em que o Professor Nivaldo era prefeito de Ladário e de seu empenho pelo assentamento, em condições dignas, das famílias que ocupavam a área daquilo que consumira vultuosos recursos públicos para a construção do famigerado Pôlder de Ladário para o cultivo de arroz irrigado e que ficou então conhecida por Codrasa (sigla da empresa que deveria ter executado o milionário projeto inacabado, Companhia de Dragagem S/A). Graças à luta da incansável e saudosa querida Julinha do PT, a imortal Júlia González, e à gestão do Professor José Antônio Assad e Faria no governo da Presidenta Dilma Rousseff, a Codrasa hoje tem um nome e um destino à altura, Área de Proteção Ambiental, ou APA, Baía Negra.

Em meu derradeiro e providencial encontro com o Professor Nivaldo, há pouco mais de três meses, no entorno do Sexto Distrito Naval de Ladário, ao acompanhar meu Amigo-Irmão Luiz Taques à Pérola do Pantanal, pude constatar a firmeza de caráter e consciência tranquila do Professor Nivaldo Ferreira da Silva, sempre focado no presente e de bem com a Vida. Contara-me da alegria de sua Companheira de implantar uma conveniência nas imediações do campus do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), onde ficamos de nos voltar a ver, mas a Vida, imponderável como a História, se encarregou de postergar indefinidamente esse reencontro.

Que a Cidadania ladarense, oportuna e meritoriamente, denomine algum logradouro público central com o nome do honrado Professor Nivaldo Ferreira da Silva, de modo a perenizar o inestimável legado material e imaterial desse grande ladarense, incansável combatente e exemplar democrata que seus contemporâneos, lamentável e injustamente, preteriram, a despeito de seus incontáveis e eloquentes atos de lealdade e honradez. Sou grato, muito grato à Vida, por ter tido a honra e o privilégio de conhecê-lo pessoalmente.

Ahmad Schabib Hany

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