domingo, 11 de junho de 2023

AUGUSTO CÉSAR PROENÇA, REFERÊNCIA SEMPRE PRESENTE

Augusto César Proença, referência sempre presente

Escritor, memorialista, professor, roteirista e cidadão à frente de seu tempo, Augusto César Proença se eterniza no momento em que é necessária a preservação do patrimônio cultural imaterial e seu elegante estilo de registro, como nunca, é imprescindível.

Pelas mensagens consternadas de quatro Amigos queridos -- Armando Lacerda, Raquel Paulino, Luiz Taques e Edson Moraes -- acabo por me inteirar da fatídica notícia sobre a eternização do querido e agora saudoso Amigo e Companheiro de grandes causas Augusto César Proença.

Por meio do Armando Lacerda (então diretor da Urucum Mineração), em 1991, tive a honra de conhecer pessoalmente esse gigante, ser humano à frente de seu tempo. Estávamos em junho daquele ano, sob o governo faraônico de Pedro Pedrossian, que usava toda a sua sanha para antagonizar com a administração do Doutor Fadah Scaff Gattass, então prefeito de Corumbá.

A Casa de Cultura Luiz de Albuquerque (popular ILA) não apenas estava parecendo um mausoléu, como a gestão do principal centro cultural era prejudicada pelas disputas entre as diferentes forças políticas que se haviam aliado para derrotar os partidos progressistas que vinham administrando o estado desde a vitória do Doutor Wilson Barbosa Martins, em 1982.

A primeira vítima dessas disputas internas foi o saudoso Doutor Lécio Gomes de Souza, diretor do inicialmente (em 1978) Instituto de Estudos e Pesquisas Regionais Luiz de Albuquerque (ILA) e depois Casa de Cultura Luiz de Albuquerque (a partir de 1983, com a criação da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, pelo Doutor Wilson Barbosa Martins, e por seu primeiro presidente, o saudoso advogado e pesquisador José Octávio Guizzo).

Numa tentativa consenso, o saudoso Doutor Salomão Baruki foi nomeado para o ILA pela representatividade que detinha (afinal, como titular da Secretaria de Educação e Cultura do governo do Doutor Cássio Leite de Barros, último governador de Mato Grosso uno, foi ele que nomeara o Doutor Lécio Gomes de Souza diretor do ILA tão logo de sua criação). No entanto, em menos de 50 dias, foi publicada sua exoneração no Diário Oficial, sem ter sido previamente comunicado, num gesto de grosseria absurda.

Essa sucessão de nomeações e exonerações foi tão desgastante e o estado de abandono do prédio e do acervo bibliotecário e documental do ILA me incentivou a tomar a iniciativa de conversar com um saudoso Amigo herdado de meu Pai, o Senhor Lincoln Gomes de Souza, então responsável pela Carteira de Comércio Exterior da Agência do Banco do Brasil em Corumbá, além de aficionado da cultura.

Ex-colega de meu saudoso Irmão Mohamed no curso de Psicologia do então CPC/UEMT, o Senhor Lincoln Gomes não titubeou a aceitar o desafio de integrar uma comissão do que viria a ser a Sociedade dos Amigos da Cultura. Fomos às duas emissoras de rádio AM de então e nos dois programas de entrevistas do meio-dia o Senhor Lincoln e eu fizemos um apelo às pessoas sensíveis à questão da cultura e do patrimônio histórico regional. Ao tempo em que fomos ao gabinete do Prefeito e ao escritório político do deputado Armando Anache para convidá-los para integrar os esforços pela revitalização de nosso maior centro cultural regional, visitamos os consultórios do Doutor Salomão Baruki e do então vereador, saudoso Doutor Lamartine Figueiredo Costa (parente distante do então sucessor do Doutor Salomão na direção do ILA, embora em campos políticos diferentes).

Logo na primeira reunião, lá estava o Senhor Augusto César Proença, que não só apoiou todas as iniciativas como colocou seu nome para integrar a coordenação. Ele era uma referência nas letras desde a juventude: foi secretário de redação do diário O Momento em meados da década de 1950, antes de se mudar para o Rio de Janeiro, onde fez Letras e trabalhou com seu Padrinho de ofício (e Tio pelo lado materno), o renomado crítico literário M. (de Manoel) Cavalcanti Proença.

Humilde, disciplinado e generoso, Augusto César se revelou, ao lado do Senhor Lincoln Gomes, um incansável e dedicado sensibilizador. Com a consigna “Abra seu coração para a Cultura: adote o ILA”, a Primeira Semana da Cultura, entre 14 e 20 de setembro, das 16 horas às 21 horas, as diversas atividades artístico-culturais foram determinantes para alavancar um novo momento para a Casa de Cultura, que em menos de um ano passou por uma primeira reforma, para ser revitalizada em 1995, primeiro ano do segundo mandato do Doutor Wilson Martins, com a eficiente participação da Professora Idara Duncan Negreiros, então presidente da Fundação de Cultura de MS.

Além de ter sido vencedor de um concurso nacional em Brasília com seu primeiro livro de contos, Snack Bar (1979), Proença foi colaborador e integrante da primeira turma do O Pasquim (tempo da emblemática Editora Codecri, sigla do irreverente Comitê de Defesa do Crioléu), em Ipanema. Nesse período é que decidiu viver em Nova York por algum tempo, quando começou a elaborar as ideias gerais do que seria mais tarde o seu extraordinário Pantanal: gente, tradição e história, inicialmente lançado pela Editora da UFMS (1993), tendo-me dado a generosa oportunidade de ser seu revisor.

Discreto e profundamente introvertido, essas conquistas suas foram reveladas por seus queridos Amigos como os Senhores Celso e José Luiz (cujos sobrenomes não posso grafá-los por ora) e são confirmadas por contemporâneos que têm uma admiração inequívoca. No entanto, sou testemunha de sua vitória no concurso da Rádio França Internacional do conto Nessa poeira não vem seu pai (1993). Nas poucas, mas inesquecíveis, visitas que fiz à sua gigantesca biblioteca, herdada de seu igualmente saudoso Pai, o Doutor Nheco Gomes da Silva, há uma inesgotável fonte de conhecimento e de saber, próprio dos seres alados que fazem de sua existência uma via iluminada para décadas, séculos e, provavelmente, milênios vindouros.

Sua gestão no ILA, a pesquisa que resultou no Corumbá de todas as graças e a incansável participação na fundação do CENPER e da OCCA, na construção do Pacto pela Cidadania e no Comitê de Monitoramento do Programa Pantanal são a prova cabal e inquestionável de seu desapego por cargos, vaidades e veleidades. Sincero, sempre, em tudo o que o cativava e sem qualquer outro propósito que o compromisso com o coletivo, o senhor Augusto César Proença escreveu de modo universal e consistente os maiores passos que nos últimos 50 anos pudemos dar para a humanidade, ou melhor, para a História.

Afinal, a terra que fecundou a cosmovisão de Manoel de Barros, Lobivar Mattos, Wega Nery, Carmen Portinho, Graziela Barroso, Jorapimo, Augusto César Proença, Apolônio de Carvalho, Augusto Alexandrino dos Santos (Malah), Heloísa Urt e tantas outras cabeças iluminadas não menos importantes (e me desculpem não citar os que estão entre nós), é e será um celeiro, fonte inesgotável de talento sem fim. Mas, confesso, minha maior frustração foi ter visto em sua terra natal, para a qual Proença retornou há mais de 30 anos, um certo ar de indiferença quando ele, nas ruas ao lado do povo que tanto amava e pelo qual dedicou seu talento gigantesco, passeava solitário e compenetrado, mas sempre gentil, educado e atento, não lhe foi dado o afeto e o reconhecimento que tanto merecia.

Até sempre, querido Amigo Augusto César Proença! O Senhor e suas virtudes germinam e continuarão a germinar enquanto a humanidade trilhar pelo caminho da civilização. Obrigado pelas inesgotáveis lições de inabalável compromisso com o seu semelhante e de desapego da frivolidade com que marcou sua presença perene entre nós e nossos descendentes!

Ahmad Schabib Hany

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