sexta-feira, 3 de março de 2023

Carta aberta à comunidade ("Marcha dos Esquecidos", em 16 de setembro de 2010)

Carta aberta à comunidade

MOVIMENTO “MARCHA DOS ESQUECIDOS”

Caros moradores de Corumbá, Ladário e todo o Pantanal,

Queremos fazer uma reflexão sobre a nossa situação precária, tanto na estrutura física (água, estrada, saúde, educação, laser, escoamento da produção) quanto na questão social e política de nós assentados.

Cabe a nós, e mais ninguém, nos preocuparmos com essa situação caótica em que nos encontramos. É hora de muitos políticos aparecerem do nada e prometerem milagres para resolver nossos problemas. Compram a preço baixo o serviço de pessoas que se dizem líderes, para poderem espalhar seus interesses políticos. Mas será que somos só isso? Um número de alguns milhares de votos.

Será que nossa história desde quando se iniciou a luta pela reforma agrária em Mato Grosso do Sul não tem valor algum? Que valor estamos dando para nossa luta?

A cada dia mais e mais jovens estão partindo. Você pode ter um filho ou parente que teve que ir embora por causa da falta de perspectiva nos estudos, já que quando acaba a 9ª série na Escola, o jovem tem que ir embora do assentamento. Pois é, temos um potencial muito grande nos assentamentos.

Nossa terra tem um nível de fertilidade poucas vezes encontrada no MUNDO (comprovado por análise química), mas como não conseguimos produzir adequadamente? Por que nosso rebanho não produz mais? A resposta você já sabe: FALTA DE ÁGUA.

O maior absurdo dos assentamentos é esse: a falta d’água. Como morrer de sede em uma ilha cercada por água doce? O descaso, a corrupção e a falta de vontade política nos fazem perecer por mais de vinte anos de assentamento. No Nordeste mandaram modificar o curso do Rio São Francisco para que se atendessem comunidades da seca. Aqui não são capazes de distribuir água para assentamentos a menos de 10 km do Rio Paraguai, por quê? Não tem dinheiro?

Será que não pagamos impostos também? Imagine essa terra com um sistema de irrigação eficiente, com uma assistência técnica que funcione, abasteceríamos toda região e ainda sobraria para mandarmos para fora nossos produtos. Mas sofremos pela má-vontade e incompetência dos poderes públicos.

Nossa questão econômica é mais grave do que imaginamos, pois nossa economia é baseada no gado leiteiro. Vamos pensar se o governo fizer cumprir a lei de sanidade (aquela lei que não permite vender o leite em garrafa ou sem estar pasteurizado). Como seria? Qual alternativa teríamos no momento?

Nosso sistema de transporte é humilhante, pois as pessoas têm que levar as mercadorias amontoadas nos ônibus da linha e a superlotação é um risco todo dia de feira. E no ônibus escolar as crianças passam por riscos de vida nas estradas degradadas e ônibus velhos.

Nossas estradas são uma vergonha, faz quantos anos não uma
pavimentação decente, e ainda, para piorar, nossa patrola destinada somente à área de assentamentos para melhoria das estradas, produção de curva de nível e limpeza de açudes, estava trabalhando na cidade de Corumbá, “cedida” para uma empresa particular. Ou seja, o pouco que temos ainda nos foi tirado.

E ainda assim o povo dos assentamentos luta pela sobrevivência, para dar um futuro melhor para os filhos. Mas luta sozinho, cada um na sua luta solitária.

O que propomos é transformar essa luta solitária numa luta conjunta entre todos os assentamentos, onde possamos cobrar no MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL as devidas ações para não sofrermos mais tantas injustiças. Nosso MOVIMENTO visa organizar uma AÇÃO CONJUNTA contra o ESTADO (UNIÃO, GOVERNO DO ESTADO E PREFEITURA), através de um abaixo-assinado com as seguintes reivindicações:

*Abastecimento de água do Rio Paraguai para irrigação e consumo animal.

*Abastecimento de água potável para consumo humano.

*Pavimentação (cascalhamento) das estradas vicinais e travessões, construção de tubulação e pontes para córregos secos e retorno imediato da patrola na zona rural. *Construção de uma Escola Técnica Agrícola Federal para alunos dos assentamentos da região.

*Renegociação das dividas de financiamentos.

*Retomada das agrovilas cedidas à empresa BEM-BOM ou o cumprimento do acordo feito pela Prefeitura de Corumbá.

*Atendimento médico eficiente a todos pacientes dos postos de saúde e uma ambulância em cada posto e implantação do programa saúde na família em todos os Assentamentos da região.

*Descriminalização do trabalho nos Assentamentos em relação ao Meio Ambiente.

Esta carta é uma reflexão, para lembrarmos um pouco da nossa história, do que fomos e somos capazes de fazer, e acreditamos que este é o momento para sermos ouvidos, o momento em que somos importantes e enxergados pelos poderosos – o momento que antecede as eleições.

Vamos nos unir e reivindicar, protestar, nos organizar para termos mais força, e o mais importante: não podemos nos vender, vender nossas consciências nestas eleições, pois o preço que estamos pagando é muito alto.

Por isso fazemos nossa AÇÃO CONJUNTA NO MINISTÉRIO PÚBLICO, e uma passeata no dia 16 de SETEMBRO DE 2010, sendo uma MOBILIZAÇÃO GERAL DOS ASSENTAMENTOS para entregar o documento no Ministério Público Federal. Se você está cansado de sofrer, venha se juntar a nós. O local da concentração será: ENTRADA DO LIXÃO NA NOVA CORUMBÁ, ÀS 7:00 DA MANHÃ.

Íntegra da Carta Aberta à Comunidade publicada pelo Movimento "Marcha dos Esquecidos"

Corumbá (MS), 16 de setembro de 2010.

 

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