quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

SEU JORGE KATURCHI, SEMPRE NA MEMÓRIA E NO CORAÇÃO

Seu Jorge Katurchi, sempre na memória e no coração


No último dia de janeiro deste 2023 que timidamente acena para o porvir, a fatídica notícia da eternização do querido e agora saudoso Senhor Jorge José Katurchi nos dilacera corações e mentes: a saída de cena do incansável e inabalável Paladino da Cidadania deixa um profundo vazio logo no momento em que começávamos a nos rearticular nas lutas em defesa das causas maiores, das quais o eternamente jovem nonagenário era nossa referência maior.

No momento em que nosso querido Amigo e grande Companheiro das causas maiores, esse gigante chamado Jorge José Katurchi, partia para o seu encontro com a querida e saudosa Dona Anna Thereza de Copacabana Rondon Maldonado Katurchi, sua eterna Namorada, Corumbá derramava copiosamente suas lágrimas, ciente de que, senão o maior, um dos maiores sinceramente apaixonados por este querido torrão e pelo seu povo generoso, acolhedor e sedutor se despedia condoído desta relação ética, única e pródiga.

Terça-feira, 31 de janeiro de 2023 (a quatro anos de seu centésimo aniversário). Era a hora do pôr do sol mais encantador de todo o Planeta, como descrevera com a peculiaridade que o caracterizava o eterno e terno Poeta Manoel de Barros, em cuja juventude provavelmente se encontrara com Seu Jorge, o Argentino mais Corumbaense -- ou melhor, o mais Corumbaense (sempre maiúscula) de todos os tempos --, até porque entre seus Amigos mais próximos estava o igualmente encantador e saudoso Doutor Cleto Leite de Barros, Primo e admirador incondicional de Manoel de Barros.

Quem teve a honra e o privilégio de conviver com Seu Jorge Katurchi é testemunha do valor e da personalidade generosa e abnegada desse incansável apaixonado pelo Povo Corumbaense e pela Corumbá de todos os encantos e utopias, onde aportou a bordo do vapor Argentina aos 5 anos, em 1932, em companhia de sua Mãe, Dona Amélia Abraham Katurchi, e sua Irmã, Dona Maria Rosa Katurchi, ao encontro do Pai, o Senhor José Katurchi, que chegara alguns anos antes na ânsia de assegurar um porvir próspero e seguro, livre do fanatismo e intolerância que ao longo do século XX destruíra o Oriente Médio como herança funesta do Império Turco Otomano, e continuada pelos nefastos impérios inglês, francês, estadunidense e sua face dissimulada, o sionismo que destrói até hoje a milenar Palestina, Terra Santa de todas as religiões.

Lembra-se com invejável memória de seu deslumbramento com a Corumbá cosmopolita que o recebeu e à sua Família: coincidência ou destino, o mesmo vapor que os trouxera, homônimo de seu país-natal, trazia também o primeiro hidroavião e a primeira tripulação, então vinculada à Marinha do Brasil. Desde o primeiro instante, sentiu-se em casa, com a certeza de que o Paraíso era aqui. Mas aos 18 anos, como cidadão consciente de suas obrigações, retornou à Argentina para fazer o serviço militar obrigatório, período em que se encantou com a Dama dos Descamisados, Evita Perón e o peronismo, embora no Brasil as ligações com a UDN, até por causa da Família de sua Amada, fizesse com que mantivesse com discrição essa queda pelo trabalhismo argentino, mas até o momento em que repetia com entusiasmo e emoção o discurso de Evita no ato alusivo ao Primeiro de Maio de 1945: “Compañeros de la valerosa Central General de los Trabajadores de la Argentina ...”

A gratidão é uma das inegáveis qualidades de Seu Jorge Katurchi. Embora lá vivera poucos anos, nunca se esqueceu de Magdalena, província de Buenos Aires, sua cidade-natal. Aprendeu com Seu José, seu saudoso Pai, que a América, embora desconhecida e muito diferente de sua Mardini eterna -- terra de sua ancestralidade, da etnia suriane, como nos ensina o querido Professor Lejeune Mirhan em sua primorosa pesquisa digna de doutorado sobre a saga das treze Famílias chegadas a Corumbá no começo do século XX --, é da diversidade, da pluralidade e da concórdia, a amálgama da emancipação e do empoderamento, daí o histórico papel do Brasil e da América Latina.

Não por acaso, apaixonou-se e se casou com sua eterna Namorada, Dona Anna Thereza, uma jovem Filha de imigrante boliviano, o Senhor Reyes Maldonado, e de Dona Maria da Conceição Rondon Maldonado, descendente direta do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, o grande responsável pela integração territorial por meio da construção das linhas telegráficas e fundador do Serviço de Proteção do Índio (SPI), depois transformado, nos anos 1960, em Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Sempre se referiu com orgulho aos membros da Família Maldonado, em especial ao Cunhado Dr. Hênio Rondon Maldonado e ao Sobrinho Professor Doutor Carlos Alberto Reyes Maldonado, ex-secretário de Estado de Educação de Mato Grosso (primeiro governo de Dante de Oliveira) e fundador e primeiro reitor da Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT), que hoje leva o seu nome, como homenagem póstuma.

Aluno destacado dos emblemáticos Colégio Salesiano de Santa Teresa e Escola Técnica de Comércio, onde obteve sua habilitação de contabilista em fins dos anos 1940, seu Jorge foi um jovem desassossegado, como dizia o Poeta Fernando Pessoa: participara de todos os movimentos ligados às causas maiores, como os da implantação das linhas de transmissão de energia elétrica, criação do Instituto Superior de Pedagogia (mais tarde UEMT, hoje UFMS) e implantação da Zona Franca de Corumbá, na década de 1960. Humilde, foi várias vezes vice-presidente atuante (talvez tanto quanto ou mais que os titulares) da Associação Comercial de Corumbá e da Sociedade Beneficente de Corumbá (entidade mantenedora do Hospital de Caridade), sendo apenas uma vez presidente do Lions Clube Corumbá, quando, ao lado de grandes diretores como o Doutor Cássio Leite de Barros (seu grande Companheiro de UDN), Doutor Hélio Sacher de Souza e Professor Sérgio Freire, recebeu o que para ele representou um verdadeiro diploma de Doutor Honoris Causa, uma emblemática carta do Presidente do Lions Clube Internacional reconhecendo-o como Presidente Cem-por-cento entre todos os países lusofalantes (na época, Brasil, Portugal, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique e Ilha Madeira).

Embora no Brasil estivesse ligado por razões afetivas (familiares, por parte de sua Companheira de Vida) à UDN, ele desfrutava de excelente relacionamento com grandes Amigos ligados aos velhos PTB, PSD e PCB, tendo sido aluno no Santa Teresa do Professor de Matemática que era Irmão do célebre Apolônio de Carvalho, do advogado e ex-deputado estadual Amorésio de Oliveira, bem como do primeiro candidato a senador (em 1982) e fundador do PT em Mato Grosso do Sul, o saudoso Promotor de Justiça que na infância foi seu colega de Santa Teresa, o Doutor José Mirrha, a quem chamava carinhosamente de ‘Zé Borracha’ desde os tempos escolares. Não foram poucas vezes em que ele se dirigira ao coronel responsável pelos IPMs no alvoroço de abril de 1964 (e período posterior, como entre 1968 e 1973), para pedir clemência por acusados de “subversão”, muitas vezes ignorando conselhos de Amigos da UDN.

Além da influência paterna, que ensinara desde cedo a respeitar a diversidade e não enveredar pelo fanatismo, que é sinônimo de terror, Seu Jorge Katurchi teve oportunidade de receber em seu ambiente familiar hóspedes ilustres como o Doutor Wilson Barbosa Martins, um Democrata que acabou cassado pelo regime de 1964, e também ex-pessedistas ligados a Juscelino Kubitschek como Pedro Pedrossian, que depois aderiu à ARENA, ao lado de um dos ideólogos do período mais duro, o então senador Filinto Müller, cuja esposa argentina visitava com frequência Dona Amélia Katurchi, com quem falava fluentemente em espanhol. Por isso não teve nenhum constrangimento ao receber em sua residência o então candidato a governador José Orcírio Miranda dos Santos (PT) e o candidato a senador Carmelino de Arruda Rezende (PPS), durante e depois da emblemática campanha de 1998, tendo convidado seu Amigo e Companheiro de UDN, o ex-governador Cássio Leite de Barros, a participar de algumas conversas.

Em todos esses encontros com esses dirigentes, estigmatizados mais recentemente ‘de esquerda’, Seu Jorge se revelara hábil diplomata: em nome do Pacto Pela Cidadania (pois antes se reunia com Dom José Alves da Costa e Padre Pasquale Forin e as respectivas comissões setoriais temáticas para referendar as propostas que seriam apresentadas formalmente), conquistara muitas benfeitorias para Corumbá, entre elas o emblemático financiamento pelo governo do estado (gestão de José Orcírio) da grande obra da agora saudosa Dona Izulina Gomes Xavier do Cristo Rei do Pantanal e toda a Via Crucis, por meio do Lions Clube Corumbá, então presidido pelo saudoso Carlos Alberto Machado, depois presidente do Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental (CENPER). Não que tivesse ficado magoado, mas questionou enfaticamente o seu companheiro leão Machado por não ter sido incluído o Pacto Pela Cidadania na placa, pois em nome desse Espaço Público não Estatal o nosso querido Seu Jorge havia reivindicado ao então governador Zeca o financiamento da obra, recorrendo ao Lions Clube Corumbá por questões burocráticas e de gestão pecuniária.

Sem ter sido empossado em algum cargo público, o Senhor Jorge Katurchi fez discreta e efetivamente muito mais que qualquer detentor de cargo eletivo ou por nomeação. Na verdade, o então governador Zeca chegou a reivindicar um cargo no primeiro escalão para o Seu Jorge na primeira administração petista de Corumbá, mas por razões de acomodação política seu nome acabou preterido, o que provocou um dissabor em seu seio familiar. Para ele, isso nunca foi motivo para deixar de lutar, como voluntário, por sua Corumbá de todos os povos e, sobretudo, pela população corumbaense, pela qual sempre foi grato. Tanto é verdade, que, a despeito dos tempos sombrios sob a batuta do inominável, Seu Jorge chegou a participar de rápidas reuniões do Pacto Pela Cidadania antes do período de distanciamento social por causa da pandemia, o que representou para ele um verdadeiro confinamento.

Além da pandemia, o encerramento das atividades comerciais -- a sua razão de viver, o comércio, em verdade, era um pretexto para estar em contato com o povo, com o qual ele deixou de conviver depois que as portas se fecharam definitivamente -- o abateu muito. Parece que não, mas o fato de as pessoas terem que adentrar à residência familiar o isolou, quando essa interação era o oxigênio de que precisava para viver. Um verdadeiro homem público, que não precisava fazer demagogia, porque não era de seu feitio. E que sempre era assediado por candidatos das mais diferentes correntes ideológicas para angariar apoio popular. Ele o fazia com desenvoltura e muita espontaneidade. Tal qual sua resposta inusitada quando um repórter de televisão o entrevistou no velório do saudoso Prefeito Ruiter Cunha de Oliveira: Ele está sendo recebido pelo Padre Ernesto que, ao lado de São Pedro, estão a velar por nossa querida Corumbá e seu povo maravilhoso.

Os últimos anos de sua jornada foram muito duros, sobretudo do ponto de vista afetivo: em 2015, perdeu sua Irmã, Dona Maria Rosa; em 2016, sua eterna namorada, Dona Anna Thereza, se foi, deixando-o profundamente abatido; em pleno auge da pandemia, Mário Márcio se eternizou. Uma sucessão de perdas que abalaram a sua saúde, mas resistiu e lutou pelas causas maiores pelas quais sempre batalhou. Isso lhe deu fôlego, mas quem o acompanhou sabe do sofrimento que viveu, dia após dia. Para atenuar essas ausências, dores indescritíveis, ele conversava com seus entes queridos. E não duvido que eles o ouviam e o aconselhavam, pensando em José Eduardo, cuja saúde é frágil, e resiste com a maior dignidade, com o apoio de toda a Família, sobretudo do Zequinha, seu Filho.

Nosso encontro derradeiro foi na véspera de seu aniversário de 96 anos, quando me permiti reivindicar que se mantivesse firme e forte para a confraternização de seus 100 anos, e com bolo de baunilha, que o remetia aos tempos de sua infância na Argentina. Tempos em que ele ouvia de Dona Amélia, sua querida Mãe, uma canção de ninar que ele sabia decor: “Aroró mi Nena, Aroró mi sol...” Essa mesma canção de ninar Dona Amélia cantarolava quando embalava a neta que hoje é a realização plena de Seu Jorge, a Doutora Tereza Katurchi Exner, a primeira mulher Corregedora-geral do Ministério Público do Estado de São Paulo, eleita e reeleita por seus pares, sem qualquer ingerência partidária. Sonho que viu realizar, com a felicidade de quem teve as dores causadas por tantas perdas pessoais mitigadas por uma Filha que ele considera sua terceira Mãe.

Contenhamos nossas lágrimas, ainda que com dificuldade. É que nosso center alf Perón foi se reencontrar com Seu Eldo Delvizio, Seu Walmir Provenzano e os demais saudosos integrantes do time que abalava os torneios de futebol amador de sua geração. Mas não sem antes ser recebido por sua eterna Namorada, Dona Anna Thereza, acompanhada dos igualmente saudosos Mário Márcio, Dona Maria Rosa, Dona Amélia e Seu José Katurchi, que em festa contarão com a presença do Padre Ernesto Saksida, do Padre Pasquale Forin, de Dom José Alves da Costa, de Dom Segismundo Álvarez Martínez, de Dom Miguel Alagna, do Pastor Antônio Ribeiro, do Pastor Cosmo Gomes e de tantos outros Amigos de fé, futebol, sonhos e lutas... Ele que teve a felicidade de ver o Papa Francisco, um Argentino como ele, só não torcedor do Boca Juniors, mas do San Lorenzo.

Até sempre, Seu Jorge Katurchi, querido Amigo e Companheiro, sempre na memória, no coração e na alma! Seu lugar não será preenchido por ninguém, e faremos a sua festa dos 100 anos porque estará em meio às ações de cidadania, das causas maiores, pensando sempre no coletivo, nestes tempos sombrios, de egoísmo, arrogância e insensatez, sendo um farol a iluminar as gerações mais jovens, como jovem nonagenário que nunca desistiu das boas causas, ainda que difíceis de serem conquistadas. Obrigado pelas lições e pela honrada companhia!

Ahmad Schabib Hany

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