terça-feira, 18 de janeiro de 2022

CORUMBÁ NOS TEMPOS DA ‘PANAIR’

CORUMBÁ NOS TEMPOS DA ‘PANAIR’

Memória privilegiada, Seu Jorge Katurchi nos descreve como era viver na cosmopolita Corumbá do primeiro quartel do século XX. Antes de o aeroporto ter sido construído, as aeronaves que pousavam e decolavam eram hidroaviões, das mais diferentes procedências, tal como as embarcações de então.

Somos, de fato, privilegiados por termos os Amigos que temos. O mais experiente deles, e por certo o mais jovial de todos, é Seu Jorge José Katurchi, que do alto de seus 95 anos costuma nos surpreender com sua sabedoria benfazeja.

Dia destes, interrompeu sua sagrada sesta para nos ligar. É que sonhara com episódio ocorrido nos tempos da ‘Panair’ (a companhia aérea que ligava Corumbá ao mundo antes da chegada da ferrovia até a estação local), e me descrevera com riqueza de detalhes o sonho -- uma reconstituição fidedigna de fatos ocorridos na Corumbá cosmopolita de sua juventude.

Como naquela época o serviço de bordo das aeronaves soía ser de padrão internacional (nada dessa mesquinharia imposta pela ANAC dos tempos golpistas do ‘brimo’ Temer), o maître da ‘Panair’ na região era o corumbaense Seu João de Oliveira (o sobrenome não pôde confirmar, pelo tempo transcorrido), que se mudou com a Família para São Paulo, a convite dos diretores da companhia aérea. Seu Jorge se lembra porque a fornecedora dos produtos para a empresa -- inclusive frangos rigorosamente selecionados para a confecção das refeições de bordo -- era a firma de seu saudoso Pai, o Senhor José Katurchi.

O escritório da ‘Panair’ em Corumbá se situava próximo de uma farmácia sexagenária instalada desde sua fundação na Frei Mariano. O chefe da agência local da Panair, muito cordial, atendia pessoalmente os passageiros. Seu Jorge, com saudades, lembra que por conta do aniversário de casamento com a querida e saudosa Dona Anna Thereza tinha duas passagens compradas para uma viagem a Buenos Aires, mas por causa de uma picada de morcegos, confirmada por um laboratório em São Paulo, tiveram sua viagem cancelada e os valores religiosamente restituídos.

A ‘Panair’ foi uma de diversas companhias aéreas com linhas domésticas e internacionais operando no Aeroporto Internacional de Corumbá, o primeiro em Mato Grosso uno. Que me desculpem os campo-grandenses, mas nessa época era um campo de pouso o que funcionava na região dos quartéis, transferidos cem anos atrás de Corumbá pelo então governador Joaquim Murtinho. Já Cuiabá nunca teve aeroporto, pois ele foi construído em Várzea Grande, a ‘cidade-satélite’ da capital mato-grossense. Em fins da década de 1980, Seu Jorge foi com o falecido empresário José Xavier, fundador da Corcal, visitar o então superintendente da Infraero e oferecer uma área contígua ao Aeroporto Internacional para ampliar a área de tráfego aéreo, de pouso e decolagem, de Corumbá.

Os acionistas majoritários da ‘Panair’ eram os brasileiros Mário Wallace Simonsen e Celso da Rocha Miranda, alvo de perseguição dos golpistas de 1964, que determinaram o encerramento das atividades em 1965. Isso foi reconhecido pela Comissão da Verdade em 2014, mas os descendentes preferiram não mais brigar pelo retorno das operações da companhia pioneira brasileira, ao lado da Varig, Cruzeiro do Sul, Vasp, Transbrasil e Sadia.

Mas antes da ‘Panair’ operavam em Corumbá hidroaviões de várias procedências, como a Bolívia, Argentina, Uruguai e Paraguai, além de instituições privadas, governamentais e militares, como o Correio Aéreo Nacional, Força Aérea Brasileira e Marinha do Brasil, que tinha um comando para esses transportes. Imaginem o majestoso Rio Paraguai sendo o destino (ou o início) dos voos. Seu Jorge se lembra de sua chegada ao Brasil com as saudosas Dona Amélia (Mãe) e Dona Rosa Maria (Irmã), no mesmo barco, Argentina, que trazia o primeiro comandante da unidade aérea da Marinha para a região, em 1931.

E o querido Seu Jorge Katurchi se lembra de muito mais fatos. Alguns hilários, outros nem tanto, pois a Vida tem dessas coisas: nem mesmo neste Paraíso Terreno, que nossa Corumbá de todos os povos e todas as culturas costuma ser, está livre da maldade humana, muitas vezes travestida de gestos cordiais de políticos oportunistas. Mas isso é outra história, que não vem ao caso. Porque no generoso coração de ouro de Seu Jorge só cabem coisas boas, notícias benfazejas. Alvíssaras, alvíssaras!

Ahmad Schabib Hany

2 comentários:

O caminho se faz ao caminhar disse...

Comentário do Professor Valmir Batista Corrêa (enviado por e-mail):
Boa lembrança. Tenho na minha coleção peças da Panair: fotos, estojo de higiene distribuída aos passageiros e, entre outros, um jogo de paliteiro, saleiro desenhado por Oscar Niemayer.
Uma preciosidade.
Abraço.
Valmir Batista Corrêa

Estela Márcia disse...

Quem não tem um ancião que compre um é o melhor aprendizado desse post... já estou me sentindo uma anciã a serviço da memória de algumas lutas.