terça-feira, 30 de abril de 2019

Réquiem para a Dama da Música Popular Brasileira



 Réquiem para a Dama da Música Popular Brasileira

Neste Primeiro de Maio, pela primeira vez em tantas décadas, sua voz, sua lucidez e sua solidariedade infinitas não estarão nos tão necessários atos de celebração, resistência e protestos pelos cantos do Brasil. Mas a dignidade aguerrida da eternamente querida Beth Carvalho, a Dama da Música Popular Brasileira, estará em meio a nossa saudade, nossa melancolia, nossa tristeza...

Que tempos malditos, me perdoem o desabafo necessário, do fundo da alma! No mesmo dia em que canalhas traidores do digno Povo Venezuelano tentam mais um golpe contra a soberania de seu país, e, pior, com o apoio oficial do fantoche canalha e incompetente que por meio de manipulações tornaram “presidente” o débil mental que desgraça a maior democracia do hemisfério, a nossa grande dama do samba e da dignidade se eterniza, como a protestar contra tanta atrocidade...

Não esqueço de seu primeiro grande sucesso, no tempo dos festivais de MPB. Era 1968 (“o ano que não terminou”, como bem disse o genial Zuenir Ventura em sua obra-prima) quando sua voz altiva irrompeu no silêncio imposto por outros canalhas fardados, tão fantoches como os de hoje, entoando “Andança”, uma belíssima composição de Danilo Caymmi, Paulinho Tapajós e Edmundo Souto, uma pérola da bossa-nova, acompanhada pelos Golden Boys: “Já me fiz a guerra por não saber / Que esta terra encerra meu bem querer / E jamais termina meu caminhar / Só o amor ensina onde vou chegar / Me leva amor... / Amor / Me leva amor / Por onde for quero ser seu par / Me leva amor / Me leva amor / Por onde for / Quero ser seu par.”

Uma artista completa: voz e presença de palco impecáveis, consciência política responsável, generosidade e solidariedade a toda prova... Pelo menos por duas vezes esteve em Corumbá (MS), sempre em momentos de grandes causas: no início do processo de redemocratização, apoiando a Aliança Democrática e seus candidatos em 1985 e no Movimento pela Ética na Política no início dos anos 1990, deixando sempre claro que era uma incondicional apoiadora do aguerrido Brizola no Rio de Janeiro, como depois de conhecer o incansável Lula passou a apoiá-lo em todo o Brasil, apesar de seus problemas de saúde.

Não por acaso, uma das mais belas músicas do século XX é de sua autoria e interpretação, o samba “Coisinha do Pai”. Ainda que muitos preconceituosos e reacionários torcessem o nariz por seu apoio incondicional aos movimentos populares por justiça social (trabalhadores sem-terra, sem-teto, desempregados, estudantes, professores, favelados, músicos populares e revelações da cultura popular) neste país em que o que mais abunda é a injustiça, é inegável que não deixem de balançar seus corpos ao som de “Chora” e outros clássicos interpretados e/ou compostos por ela.

Sem dúvida, hoje o Brasil ficou enormemente mais pobre. Silencia a voz que generosamente embalou por certo os melhores momentos de diversas gerações e, sobretudo, deu vez aos imensos contingentes humanos tratados como insetos por uma sórdida e canhestra elite de imbecis que preferem ficar de quatro ante os abutres e sua nefasta cobiça pelas riquezas ímpares do país-continente, vocacionado para ser potência mundial da paz, não dos túmulos, mas da justiça e da fraternidade, e cujo povo é a jóia da coroa, como nunca relegado à indigência, como sempre, em nome da (sic) “modernidade”...

Até sempre, querida Beth Carvalho, grande Dama da MPB e da vanguarda da humanidade, e obrigado por ter existido!

Ahmad Schabib Hany

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