sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

POESIA E SORVETE DE GUAVIRA (Luiz Taques)


Poesia e sorvete de guavira

Luiz Taques

A tarde chegava. Eu pensava nele, em sua risada gostosa, quando, de repente, começou a chover forte em Londrina.
 
Fui fechar a janela da sala e vi, do outro lado da rua, um carteiro prestes a ficar ensopado.
Então, desci rápido pelos degraus da casa, abri o portão da garagem e o convidei para entrar.
O carteiro aceitou, mas preferiu ficar na varanda. Arranjei-lhe um banquinho e um livro. Sim, um livro dele, Manoel de Barros.
Quando o temporal passou, vinte ou trinta minutos depois, o carteiro me chamou, agradeceu pela acolhida e, quando se preparava para me devolver o exemplar, eu disse que ele podia levá-lo, pois era um presente de Natal, dado de coração.
O carteiro agradeceu e saiu feliz, sorrindo, a falar: - Vou continuar a ler ainda hoje, porque - sabe, moço? - sou formado em Letras aqui mesmo no campus da UEL e já devorei mais de trezentos livros, e este aqui, ó, está entre os melhores que li.
E o carteiro foi embora carregando junto a suas cartas "O Guardador de Águas", um dos grandes livros de Manoel de Barros.
Não tive dúvida: na mesma hora, liguei para a casa do poeta, lá em Campo Grande, e contei-lhe o ocorrido.

O poeta riu com aquela sua risada gostosa, com aquela mesma risada gostosa que me fez lembrar dele no início da tarde, e, em seguida, veio com essa na invencionice deste conto curto:
- Para demonstrar sua eterna gratidão por não ter levado chuva intensa nas costas, o que um danado de um carteiro não é capaz de nos dizer logo após um aguaceiro, não é mesmo?
"Ô, poeta!", respondi-lhe de imediato e ainda ficcionalmente: "Como esse carteiro, dezenas e centenas e milhares de outras pessoas pelo Brasil afora apreciam a sua literatura e sorvete de guavira".
- Passar bem, Barros gentilmente me respondeu.
Porém, acrescentou:
- Acredito no que você fala, já que sei que quem aprecia sorvete de guavira e que lê poesia de boa qualidade é como pássaro criado solto na natureza: nunca perde o paladar refinado!

Desconfio ter retrucado:
"Antigamente, entre um chope e outro, você sempre me dizia que era tímido e fraco para elogios."
Sim, desconfio ter realmente retrucado isso.
Porque, do outro lado da linha, o poeta continuava soltando aquela sua risada gostosa.

PUBLICADO NA "FOLHA DE LONDRINA" (19 DE DEZEMBRO DE 2018, QUANDO O POETA FARIA 102 ANOS DE NASCIMENTO)


MEMÓRIA

Um conto para Manoel de Barros


O poeta mato-grossense faria 102 anos nesta quinta-feira(19), a Folha 2 publica um conto em sua homenagem


O poeta Manoel de Barros nasceu em Cuiabá (MT) em 19 de dezembro de 1916. Passou a infância e adolescência em Corumbá (MS). Estudou direito e morou no Rio de Janeiro, antes de fixar residência em Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, onde veio a falecer em 13 de novembro de 2014. 

Manoel de Barros tem mais de vinte livros publicados. Alguns deles: "Gramática Expositiva do Chão", "Retrato do Artista Quando Coisa", "Compêndio Para Uso de Pássaros" e "O Fazedor de Amanhecer". Também ganhou os principais prêmios literários, como o Jabuti e o APCA (Associação Paulista de Crítico de Artes).
Há três filmes/documentários sobre a vida e a obra do poeta: "Caramujo-flor", de Joel Pizzini; "Só Dez Por Cento é Mentira", de Pedro Cezar, e "O Poeta é um Ente que Lambe as Palavras e se Alucina", de Arlindo Fernandes de Almeida.
Em homenagem ao dia de nascimento do poeta, a Folha 2 publica o conto "Poesia e Sorvete de Guavira", escrito por Luiz Taques. Autor do livro "Vaso de Colher Chuvas - Contos-reportagem com Manoel de Barros" (editora Letradágua), Taques era amigo do poeta. O conto, "Poesia e sorvete de guavira", ele dedica à sua sobrinha Taís Satiko. 

FOLHA DE LONDRINA, 19 DE DEZEMBRO DE 2018 (CADERNO B)

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