sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

SOU MUITO MAIS CARMEN PORTINHO



Sou muito mais Carmen Portinho
Que me desculpe a presidente Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), mas sou muito mais a aguerrida e pioneira urbanista Carmen Velasco Portinho, mulher de vanguarda que nunca se curvou à fama, aos afagos dessa insana mí®dia e muito menos aos arroubos de pabulagem ao lado de golpistas travestidos de democratas (ou melhor, de meliantes travestidos de parlamentares), como a querer intimidar os que se insurgem contra a perseguição ao Presidente Lula.
E digo isso com a consciência tranquila de quem não só compreendeu como justificou e defendeu seus critérios quando, em meados da primeira década do século, a então recém-chegada ministra ao STF teve a sua honra questionada por seu voto no processo do famigerado “Mensalão”, ao absolver diversos acusados daquele caso: não pela liberalidade, como alardeavam os falsos moralistas cujos baluartes não sossegaram até darem o golpe parlamentar contra a Presidenta Dilma e ficarem com as barbas de molho ao verem imagens de emissários de “éticos” como Aécio e Temer a levar malas de dinheiro dos até aquele momento “corruptores do PT”. Hoje, comprovada a prática generalizada a todos os partidos, só o PT e Lula estão prestes a uma condenação digna de Pôncio Pilatos, em que o líder em todas as pesquisas de intenção de voto não poderá ser candidato. Foi, aliás, o que aconteceu com o ex-senador e ex-petista Delcídio, que foi preso e perdeu sumariamente o seu mandato, enquanto o bonitinho conterrâneo da ministra presidente do STF permanece solto e incólume, ameaçando quem atravessar o seu caminho, como já denunciado pela mídia alternativa.
Não é demais lembrar a perplexidade causada pelo voto da ministra quando da condenação do ex-senador e ex-petista Delcídio, um divisor de águas entre a ministra recém-chegada e a ministra hoje: aquela que usava a doutrina para fundamentar seu voto, caracterizado pelo rigor técnico, e a atual, em que o viés político, sintonizado com uma elite recalcitrante ao Estado de Direito, que quer justiceiros togados, não juízes fundamentados no rico arcabouço jurídico emanado ao longo de séculos pela mais alta Corte brasileira. Como esquecer a bizarra manifestação de uma juíza que parodiou o mote da vitória de Lula, de que a esperança vencera o medo, em que fizera questão de dizer que, entre outras coisas, “agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo”. Diante dessa guinada, é compreensível por que ela se some ao coro das tentativas de amedrontar quem, no uso de suas prerrogativas constitucionais, questiona e se insurge legitimamente contra a condenação política do Presidente Lula.
Diferentemente disso tudo, nossa conterrânea Carmen Velasco Portinho (1903-2001), corumbaense filha de boliviana e gaúcho, não apenas ousou lutar contra o establishment e pela emancipação da mulher – seja no sufrágio feminino, no registro civil (mantendo o nome de solteira depois de casada) e, sobretudo, na conquista da profissionalização –, ainda que ficasse antipática aos recalcados moralistas de todos os tempos, como primeira urbanista do Brasil, inovou ao propor à administração pública a adoção de políticas de habitação popular, tendo sido ela e seu companheiro os responsáveis pelo primeiro conjunto habitacional popular de Pedregulho, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Além disso, criou e dirigiu a Escola Superior de Desenho Industrial encampada depois pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde trabalhou até os 96 anos de vida, vindo a falecer dois anos depois.
A exemplo de outras duas igualmente guerreiras pioneiras – a artista plástica Wega Nery, cujo último documentário em vida foi realizado por dois corumbaenses de vanguarda, Luiz Taques e Dary Jr., e a botânica Graziela Maciel Barroso, a única a ser homenageada em vida em Corumbá –, Carmen Portinho, longe dos holofotes e na intimidade de sua consciência livre e libertária (diferentemente desses burocratas que ascendem a algum dos Poderes para destilar seus recalques tardios), fez de sua trajetória um fecundo e generoso convite à transformação, ao progresso, à evolução.
Obrigados, Carmen Portinho, Wega Nery e Graziela Barroso, pela generosidade com que viveram e nos ensinaram que a Vida só vale a pena ser vivida quando se tem consciência e compromisso com a humanidade, não com os poderosos de plantão...
Ahmad Schabib Hany

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