quinta-feira, 27 de outubro de 2016

CONFLITO GERACIONAL OU LUTA DE CLASSES? (Prof. Antônio Carlos Rodrigues de Moraes)

A LIÇÃO DO PROFESSOR ANTÔNIO CARLOS RODRIGUES DE MORAES



CONFLITO GERACIONAL OU LUTA DE CLASSES?

O conflito entre gerações, antes presente em todas as relações sociais, hoje parece se restringir às relações familiares e às do chamado mundo corporativo. No campo da política, houve tempos, principalmente para os nascidos antes da década de 1960, em que era normal ser “revolucionário” na juventude e “reacionário” na maturidade da vida. Até hoje, quase todos os “reacionários” conhecidos vangloriam-se de terem sido comunistas na juventude, ou, no mínimo, ter votado alguma vez no PT. Depois, dizem, a maturidade os fez criar juízo. Rejeitam um passado cuja lembrança serve para exorcizar a traição de classe, transmutando-a em sentimento de decepção com os erros cometidos pela esquerda.

Hoje em dia, em que ser revolucionário restringe-se muitas vezes a dominar as tecnologias da informação, parte significativa da juventude não se vexa em adotar posições nazistas, defender pastores midiáticos exploradores da boa-fé, embebedar-se com os discursos dos bolsonaros da vida, enfim, defender os ideais da direita, mormente a meritocracia, contra os vagabundos que vivem dos subsídios do governo. Ser jovem não garante mais, ipso facto, ideais revolucionários, e os limites entre esquerda e direita atravessam por dentro de todas as gerações e não mais as separam.

No campo de batalha contra as mudanças no ensino médio impostas pelo governo golpista através de MP 746 e a precarização dos investimentos à educação através da PEC 241, onde se multiplicam as manifestações de rua e, principalmente, ocupação de escolas e universidades em vários estados, podemos observar duas trincheiras opostas, dentro da mesma geração: de um lado, a estudante Ana Júlia, chamando às falas o governo e os deputados do Paraná, escancarando às suas vistas a consciência dos ocupantes das escolas e de outro, o Kim Kataguiri, com seu MBL, conchavado pelo governo golpista para desqualificar a luta dos estudantes. Através de seus vídeos editados, com entrevistas seletivas, tenta passar a ideia de que os participantes das ocupações não sabem o que estão fazendo lá.

Creio ser importante mostrar, antes de mais nada, que a imagem do estudante inocente, incapaz de pensar por si, é pressuposto e pós suposto da política da atual administração do Ministério da Educação. Pressuposto porque imaginam o estudante como totalmente exposto à manipulação ideológica de professores esquerdistas e pós suposto porque esse é seu objetivo, que ele se conserve alienado, através de projetos abençoados pelo MEC, como a escola sem partido, sustentada pelo peso moral de um Alexandre Frota, além da eliminação de disciplinas que desenvolvem o pensamento crítico, como filosofia e sociologia, redução de importância de outras disciplinas humanas como história e geografia e abono ao retorno de disciplinas doutrinárias como a já falecida educação moral e cívica.

Obviamente as medidas impostas à educação através da MP 746 e PEC 241 não são defensáveis no plano da discussão crítica e, por isso, não cabe aos seus defensores outra estratégia que não a sabotagem que se disfarça pela participação de movimentos integrados e liderados por jovens da mesma geração dos que lutam contra elas. Durante a reação contra as ocupações de escolas pelos que rejeitavam a tal “reorganização” do governo tucano do estado de São Paulo, a juventude do PSDB teve papel importante na ajuda a arrebentar cadeados e invadir escolas ocupadas, com o apoio de pais direitosos e do braço armado e truculento da polícia. Hoje, a truculência da polícia é coadjuvada pela ação sabotadora do MBL que, sem poder discutir com os estudantes os benefícios de uma política educacional que visa transformá-los em idiotas, tenta desqualificar quem se rebela contra esse processo.

Essa desqualificação é feita através de entrevistas que usam questões numéricas sobre o PIB brasileiro, sobre a dívida pública, etc., que as pessoas não trazem sempre à memória, para confundir os entrevistados e, com isso, tentar convencê-los de que não dominam os motivos pelos quais estão lutando. Passam longe de tentar convencer os estudantes de que as mudanças impostas pelo governo são benéficas a todos eles. Não se preocupam em discutir os efeitos de um congelamento dos investimentos em educação por vinte anos, tempo em que a população não deixará de crescer, nem a educação deixará de requerer maiores esforços para melhoria e nem que os míseros salários dos profissionais da educação não poderão esperar por vinte anos para sua recomposição, sem risco de seu desaparecimento. Não se preocupam também em refutar as acusações de tecnicismo da MP 746, que tem em vista apenas a formação de profissionais eficientes e obedientes para o mundo do trabalho e que a suposta possibilidade de escolha dos estudantes entre os cinco itinerários formativos é balela, na medida em que a escola não tem a obrigação de oferecê-los todos.

Felizmente, nem esses jovens cooptados, nem o governo que os coopta conhecem os mecanismos de formação da consciência dos estudantes em luta. A obra recém-lançada pela Ed. Veneta, “Baderna – Escolas de Luta”, de Antonia M. Campos, Jonas Medeiros e Márcio M. Ribeiro, mostra a trajetória da luta dos estudantes que ocuparam cerca de duzentas escolas no estado de São Paulo e derrotaram o projeto do governo tucano de “reorganização” das escolas estaduais. Agora, a mesma luta contagia milhares de estudantes em mais de mil escolas em vários estados contra a imposição de mudanças que hão de restringir investimentos e deteriorar o espírito crítico que caracteriza o ensino médio. Tanto na narrativa do livro, quanto agora na fala de Ana Júlia, podemos perceber que a consciência do estudante se forma na luta e não como produto de doutrinação por parte dos professores e nem pode ser apagada por uma doutrinação contrária. E, com certeza, ela há de crescer, alimentada, não por ideias estranhas ao mundo do estudante, mas pela percepção dos efeitos dessas mudanças na precarização do ensino. Essa consciência, forjada na luta, resultará, ao fim e ao cabo, numa valorização maior das disciplinas instrumentadoras de reflexão crítica que os estudantes estão ameaçados de perder.

Antonio Carlos Rodrigues de Moraes,
Professor aposentado

Compartilhado da página da Senadora Gleisi Hoffmann

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