sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

PROFESSOR DEUSMAR JATOBÁ ESPÍNDOLA (1952 - 2016)

PROFESSOR DEUSMAR JATOBÁ ESPÍNDOLA (1952 – 2016)

Com profundo pesar compartilho com Vocês a consternadora notícia sobre a eternização do Professor Deusmar Jatobá Espíndola, vítima de câncer, em Campo Grande, neste fatídico 3 de fevereiro, a um mês de seu aniversário de 64 anos.

Ele era um dos raros corumbaenses inquietos, desassossegados, que perseguiam incansavelmente seus sonhos, ainda que solitariamente. Já casado, pai de filhos e com todas as dificuldades que a Vida de proletário impõe aos que ousam sair da mesmice, licenciou-se em Estudos Sociais em 1984 e em História em 1988 pela UFMS, no então Centro Universitário de Corumbá (CEUC), e bem mais tarde, depois de tentar em diversas universidades de Mato Grosso do Sul, tornou-se Mestre em História pela Universidade Salgado de Oliveira, no Rio de Janeiro, em 2012.

Ex-técnico em eletricidade e ex-ferroviário, Deusmar era um crítico sincero de nosso amigo comum Manoel do Carmo Vitório, então dirigente sindical da categoria ferroviária e ex-colega universitário no curso de licenciatura em Estudos Sociais. Passou a exercer o magistério em 1985 nas redes municipal e estadual de ensino e, em meados da primeira década do século XXI, realizou sua experiência como docente universitário, temporário, na UFMS. Da mesma forma, conhecendo as minhas convicções ideológicas, fazia questão de demarcar as nossas diferenças políticas, até porque ele se definia como um democrata cristão, fiel à sua formação salesiana.

Aliás, durante décadas ele foi, no teatro amador, o Cristo crucificado que comovera gerações de corumbaenses e ladarenses que assistiam à peça Paixão de Cristo, escrita, produzida, dirigida e encenada a quatro mãos com outro(a)s Amigo(a)s, nos idos de 1970, antes da divisão de Mato Grosso. Da mesma forma, foi pioneiro na produção dos "Debates Populares", em 1988, quando os radialistas João Luiz Gonzales e Andersen Navarro, sucessivamente, eram as estrelas da programação da imponente Rádio Clube de Corumbá,  sob a direção da falecida Doutora Laurita Anache.

Nós nos conhecemos no início da década de 1980, quando eu ainda estudava em Campo Grande, na FUCMT, e ousava dar meus primeiros passos no meio jornalístico. Foi numa de minhas vindas a Corumbá que o conheci ao lado de meu saudoso Pai, por conta de suas instigantes conversas -- é que ele se declarava um "curioso nato, amante da boa e produtiva conversa", como ficou registrado no perfil de sua página do portal "Café História" --, ao ver o senhor Mahoma Hossen Schabib falando com naturalidade vários idiomas, cercado de turistas mochileiros, ou absorto na leitura de pilhas de livros, revistas e jornais, também em diversas línguas.

Mas a nossa Amizade (dessas com letra maiúscula) se solidificou precisamente quando ele, produtor do então programa semanal "Debates Populares" da Rádio Clube de Corumbá, me "intimara" a participar (foi esse o verbo usado quando me convidou para ser um dos debatedores enquanto ele esteve como produtor e os mencionados radialistas se sucederam). E diferentemente da linha posteriormente adotada pelo Jornalista Armando de Amorim Anache, com a participação do Jornalista e Advogado José Carlos Cataldi (ex-radialista da Rádio Nacional, do Rio), o programa teve, também, edições memoráveis, como a que discutiu os rumos da Constituinte presidida pelo saudoso Deputado Ulysses Guimarães, ou a que debateu sobre a dívida externa brasileira, ou aquela que questionou os cinco anos para Sarney, ou a discussão sobre Parlamentarismo, ou a respeito da adoção da pena de morte no ordenamento jurídico brasileiro etc.

Nos últimos dez anos, raramente nos encontramos, por puro acaso. Mas tive a grata satisfação de recebê-lo em casa para lermos o seu anteprojeto de Mestrado sobre a Coluna Prestes (o exílio, por Cáceres, de seus integrantes na Bolívia e sua repatriação por Corumbá), com o qual queria ingressar no programa de uma universidade pública. Apesar da consistência e originalidade do projeto, não fora feliz nesse intento, tendo se decidido posteriormente pela universidade do Rio de Janeiro, e dessa vez com outra temática.

Nosso derradeiro encontro foi em Miranda, numa parada obrigatória para quem viaja em ônibus de carreira, quando ambos retornávamos de uma insólita experiência, depois de participarmos da primeira etapa de um processo seletivo realizado na capital, extremamente concorrido. Bastante consternado com seu desempenho naquela prova, revelou-me um lado até então desconhecido por mim: o do incansável guerreiro visivelmente esgotado, cético e que jogara a toalha. Menos de um mês depois, soube por sua companheira que se submetera a uma nova cirurgia, desta vez no pâncreas, já em vias de viajar para Campo Grande.

Deusmar é uma das mais eloquentes expressões da multifacética Corumbá de todos os povos, de todos os credos, de todas as culturas, de todos os tempos: determinado, conquistou seu lugar na história (em todas as acepções), mas, obviamente, como todo intelectual oriundo da classe trabalhadora brasileira, precisava fazer a "conversão" burguesa que, ainda que outrora pudesse ter desejado, as bizarras elites jamais lhe concederam. Sua personalidade, muitas vezes controversa e irreverente, e sobretudo sua cordialidade inesgotável, farão muita falta neste torrão cada vez mais dominado pela mediocridade totalitarista, fruto da abominável globalização contra a qual nossa geração se insurgiu assim que tomamos consciência de nossa cidadania -- e, como disse o grande Darcy Ribeiro, fomos derrotados, mas jamais gostaríamos de estar no lugar dos que nos venceram, "donos" de uma sociedade perversa e aviltante para a espécie humana e todo o planeta.

Até sempre, querido Amigo, e obrigado pelas inúmeras lições que generosa e sabiamente nos deu!


Ahmad Schabib Hany

2 comentários:

edson moraes disse...

Brilhante definição, Schabib. Fotografia em branco-e-preto do Deusmar. Limpa, bruta, e acima de tudo verdadeira.

Unknown disse...

Schabib, se assim me permite chama-lo, e era assim que meu pai se referia a sua pessoa carinhosamente, gostaria, em meu nome, da minha irmã (Mariella Espindola), e todos os irmãos de meu pai, Deusmar Espindola, agradece-lo pelo carinho externado no texto publicado no Correio de Corumbá, ao qual tive acesso com mais calma nesse momento. Obrigado pelas palavras de reconhecimento e que talvez esse seja o grande sentido da nossa passagem por esse campo físico, pois no final o que nos resta é a amizade e o reconhecimento daqueles que conosco conviveram. Cleiton Espindola.