quarta-feira, 21 de maio de 2014

ETERNAMENTE GUERREIRA



ETERNAMENTE GUERREIRA

(EM MEMÓRIA DA PROFESSORA MARIA AUXILIADORA FERREIRA)

Neste chuvoso fim-de-semana chegou-nos a notícia do encantamento da querida Professora Maria Auxiliadora Ferreira, incansável e altiva mestra de História desde os áridos tempos do obscurantismo ditatorial. Desafiou e venceu grandes embates, mas na manhã deste fatídico 17 de maio deixou de resistir, com o estoicismo que lhe era peculiar, a um processo de metástase causado por um tumor naquela divina garganta que irradiou saber e dignidade por décadas a fio.

Há exatos 40 anos tive a honra de ser seu aluno por três anos no antigo Centro Educacional Júlia Gonçalves Passarinho. Era março de 1974, quando a então jovem professora se apresentara como titular de História Geral, esclarecendo que por razões curriculares estabelecidas pela legislação vigente (a Lei 5.692/1971, de triste memória) naquele ano a escola não ofereceria História do Brasil. Atitude corajosa, pois naquele mês o regime de 1964 comemorava seu décimo ano de “desenvolvimento com segurança” e todos os educandários do País tinham a obrigação de promover concursos de redação e gincanas patrioteiras para manter o clima “democrático” alardeado pelos estrategistas do “Brasil: ame-o ou deixe-o”.

Dona de um sorriso espontâneo que explicitava o que não podia falar nos duros anos de chumbo, a Professora Maria Auxiliadora poupara seus alunos do primeiro ano do então segundo grau da apologia forçada a um momento da história bastante controverso mas que na época era inimaginável esboçar-se qualquer questionamento. A inglória tarefa acabara ficando, em nossa turma, para a titular de Organização Social e Política Brasileira, a também querida Professora Elza, que no meio do ano se mudara para Cuiabá. Uma seleta equipe de docentes dignos do maior reconhecimento, entre os quais os hoje saudosos Professores Otaviano Gonçalves da Silveira Júnior, Augusto Alexandrino dos Santos (Malah), Dilermando Luiz Ferra e Alcides dos Santos Mauro.

Instigante, generosa, reflexiva e sobretudo libertária, a Professora Maria Auxiliadora dedicou os melhores dias de sua Vida à formação das novas gerações na escola pública, como uma verdadeira missionária, sem abrir mão de sua contagiante alegria e de suas convicções inabaláveis por um mundo melhor. Ao lado de sua antecessora na disciplina no antigo Ginásio, Professora Lourdes, ela despertou em todos os seus alunos do ensino médio daquela geração o amor, o gosto, pela História (não por acaso a maioria deles seguiu, em nível universitário, as ciências humanas sem hesitação).

Com responsável discrição e prudência, acompanhava o crescimento intelectual de seus alunos tal qual mãe a velar pelos filhos. Ainda depois de nossa turma ter concluído o ensino médio em 1976, ela fazia questão de seguir, com a mesma atenção e generosidade, os passos de seus ex-alunos – todos tratados como amigos, da maneira mais respeitosa e cordial que já tivemos. Não posso esquecer que, ainda na década de 1970, ao lhe comunicar, diante da inexistência no estado do curso de Jornalismo, sobre minha opção pelo curso de História em Campo Grande, o seu entusiástico abraço de acolhida: “Isso mesmo, colega! Já conhecia sua vocação para a História...”

Desde então não foram mais de dez encontros de pouco menos de meia-hora com a agora saudosa Professora Maria Auxiliadora. Em 2007, quando do funeral de uma tia sua, a igualmente guerreira Dona Ernestina Araújo Ferreira, ficamos de nos rever com maior frequência, mas a ironia da Vida nos manteve próximos apenas por esporádicos encontros fortuitos. O último deles foi defronte a um supermercado, há pouco menos de um ano, quando, em indisfarçável tom de despedida, ela disse estar se preparando para fazer tratamento fora de Corumbá para combater um câncer na garganta, sempre com aquele sorriso companheiro, instigante, apoiador...

Manteve até o derradeiro momento de se despedir da Família, dos amigos e colegas a mesma discrição eloquente com que pautou sua Vida e norteou seu sagrado ofício de Professora (com letra maiúscula). A querida Professora Maria Auxiliadora fez, literalmente, História. Agora, eternizada igual luz a abrir horizontes dos que virão depois de nós, inspirará, entusiasmará e sobretudo conspirará (no melhor sentido) a juventude à razão, ao compromisso e à evolução das sociedades humanas – hoje reféns dos que se pretendem donos dos destinos da humanidade, mas que, a exemplo dos impérios que desmoronaram ao longo da História, voltarão à insignificância da qual jamais deveriam ter saído.

Até sempre, querida Professora Maria Auxiliadora! Sua coerência e dedicação se multiplicarão nas mentes e corações das novas gerações, para a felicidade da juventude que renasce todos os dias...

Schabib Hany
(Mensagem de 21 de maio de 2014)

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