quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

AVANÇOS E DESAFIOS NO CONTROLE SOCIAL EM CORUMBÁ

AVANÇOS E DESAFIOS NO CONTROLE SOCIAL EM CORUMBÁ
A posse, com mais de dois meses de atraso, dos membros do Conselho Municipal de Saúde de Corumbá – particularmente dos segmentos dos usuários do SUS e dos trabalhadores em saúde, legal e legitimamente eleitos em assembléia-geral sob a coordenação do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD), por meio do Fórum dos Usuários do SUS e do Fórum dos Trabalhadores em Saúde, e a prévia comunicação ao Ministério Público – nos leva a uma reflexão inadiável, sincera e coletiva sobre os avanços e desafios do controle social em nossa região.
Se, por um lado, é indiscutível o avanço institucional do controle social em nosso município, por meio de mecanismos democráticos exaustivamente pleiteados pelos anônimos cidadãos que estoicamente têm se dedicado à muitas vezes incompreendida labuta cidadã (onerosa, inclusive financeiramente, pois ninguém os recompensa pelo tempo dispensado e das despesas empreendidas, além dos incontáveis constrangimentos morais de que são alvo) – e o fundamental apoio do Ministério Público –, há, por outro lado, uma minoria silenciosa que conspira contra preceitos constitucionais relevantes, no afã de coibir o exercício do controle social, inclusive por meio de argumentos de uma legalidade duvidosa, repudiada, aliás, por ninguém menos que o notável doutrinador Edson Sêda (um dos redatores do Estatuto da Criança e do Adolescente) em sua recente visita a Corumbá.
Até o ato de posse, aliás, foi emblemático. É verdade que não houve água, café e biscoitos, embora tivesse sido marcada para as onze da manhã e os representantes da administração municipal só tivessem chegado por volta do meio-dia. Mas, é bom que fique para os anais da história do controle social, sobrou boa-vontade e desprendimento dos recém-empossados para, a despeito da total falta de infra-estrutura do auditório (sem mesa de trabalho e até sal para combater a queda de pressão arterial por conta da não ingestão de alimentos na hora do almoço), ouvir atentamente uma sucessão de breves relatos de nada menos que catorze projetos, aprovados a toque-de-caixa, mais por acreditar na boa-fé dos gestores locais que por cumprir com as prerrogativas de conselheiro, tortura que só teve fim às catorze horas e trinta minutos, quando fizemos questão de nos comparar às vítimas de estupro.
Para melhor compreensão do termo “controle social”, faremos uma breve retrospectiva à História Universal. A primeira vez que o termo foi usado, durante o conturbado período de consolidação da França pós-Revolução de 1789, essa locução tinha conotação policialesca, pois os revolucionários de então entendiam que cabia ao Estado o “controle da sociedade” – e o resultado dessa experiência sócio-política entrou para a História, com o final melancólico do regime pós-revolucionário sob as patas do cavalo de Napoleão Bonaparte, da mesma forma que a experiência do chamado socialismo real experimentado pela extinta União Soviética, cujo fim todos também conhecemos.
Mas foi o constituinte brasileiro que, entre 1987 e 1988, ouvindo os clamores dos movimentos sociais articulados pelos setores da sociedade civil organizada – entre os quais o Movimento da Reforma Sanitária e o Movimento Criança Constituinte Prioridade Absoluta, por exemplo –, ousou introduzir esse termo no cotidiano da vida cidadã do Brasil pós-Constituição Federal de 1988. Desde então, sobretudo no título da Ordem Social da Carta Magna, “controle social” passou a ser sinônimo de participação pública, participação cidadã ou participação popular – até porque, pela nova Lei Maior, o Brasil não é apenas uma democracia representativa, mas também participativa, razão pela qual todas as políticas públicas passaram a dispor de um órgão colegiado de caráter deliberativo chamado conselho nas três esferas de governo, dispondo de um fundo público gerido sob o monitoramento da sociedade e mecanismos efetivos de capacitação dos técnicos ou agentes sociais engajados num tipo de intervenção qualificada, denominado projeto, cujo financiamento passou a ter um tratamento impessoal, transparente, ético e acima de tudo público (ou seja, não privado, como sempre foi na breve história republicana latino-americana).
Depois da ressaca do fracasso collorido, quando o Movimento Pela Ética na Política do saudoso sociólogo Herbert de Souza (carinhosamente Betinho) chamou a atenção de toda a sociedade para a falta de prioridade às políticas sociais em sua memorável Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida (popularmente conhecida por Campanha contra a Fome), em Corumbá, no coração do Pantanal e da América do Sul, sob a generosa coordenação de Dom José Alves da Costa (bispo emérito da Diocese de Corumbá), precisamente em 1993, era desencadeada uma verdadeira reviravolta na história de Corumbá: iniciado na Segunda Semana Social Brasileira, o movimento foi ganhando expressão e logo se traduziu no Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania, que mais tarde culminou com o Pacto Pela Cidadania (ou Movimento Viva Corumbá) e o Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário.
Essa construção cidadã foi feita à luz do dia e ao lado de homens e mulheres de boa-vontade, como o Padre Pascoal Forin (então vigário-geral da Diocese e pároco de São João Bosco), Pastor Fernando Sabra Caminada (da Igreja Presbiteriana), Pastor Marcelo da Silva (da Primeira Igreja Batista), Irmã Antônia Brioschi (diretora do GENIC), Irmã Zenaide Britto (diretora da Creche-Lar Santa Rosa), o saudoso Padre Antônio Müller (pároco de Nossa Senhora de Fátima), Padre Júlio Mônaco (pároco de Nossa Senhora dos Remédios), Padre Ernesto Sassida (idealizador e diretor da Cidade Dom Bosco), professora Rosa das Graças Nunes Delgado (representante da União Espírita de Corumbá), a bancária Fátima Garcia (representante dos funcionários da agência local de um dos bancos oficiais do Brasil), a eletricitária Elígia Assad (funcionária de uma antiga estatal de eletricidade), a saudosa professora Maria de Paula e seu esposo Zózimo de Paula (membros da comunidade presbiteriana), os agentes de pastoral Luiz Carlos Vargas, Amélia Pereira de Santana Zanella, Milton Jacques Zanotto e Ivaneide Terezinha Minozzo (da Pastoral Social da Diocese), os sindicalistas Anísio Guilherme da Fonseca (da Ferrovia), Mara Leslie do Amaral (da Previdência), Cristiane Sant’Anna de Oliveira (do magistério privado), Ednir de Paulo (da Câmara Municipal), Aurélio Mansilha Tórrez e Sonner Rodrigues da Silva (do SINDEESSAÚDE), Reginaldo Rodrigues de Almeida e Gumercindo Sarapião de Carvalho (dos Correios), Alexandre Gonçalves dos Santos e Luiz Carlos Rocha (dos camelôs), Antônio Corrêa (dos taxistas) e Mirane dos Santos Costa (da Embrapa), artista plástica Marlene Terezinha Mourão (Peninha), escritor Augusto César Proença (da Sociedade dos Amigos da Cultura), o saudoso jornalista Márcio Nunes Pereira (do Diário de Corumbá), os ativistas culturais Arturo Castedo Ardaya e Heloísa Helena da Costa Urt, os comerciantes Jorge José Katurchi, Luz Marina Cavalcante da Silva, Balbino Gonçalves de Oliveira e Vera Anache, os advogados Carmelino Arruda Rezende e Walter Mendes Garcia, os engenheiros Francisco Fausto Mato Grosso Pereira e Elano Holanda Saldanha, a advogada Denise Mansano, os dentistas Lamartine de Figueiredo Costa e Robson Ajala Lins, as médicas Angélica Anache e Rosemeire Fernandes Árias, os saudosos médicos Pedro Paulo de Barros Lima, Humberto da Silva Pereira e Salomão Baruki, a saudosa dentista Mary de García, os saudosos advogados Joilce Viegas de Araújo, Lício Benzi Paiva Garcia e Pecy de Barros Por Deus, as estudantes Adriana Ferraz Santos, Simone Yara Benítez e Adriana Lara de Souza, a benfeitora Cerise de Campos Barros (da Associação das Senhoras Católicas da Diocese de Corumbá), os jornalistas Luiz Taques e Edson Moraes, os psicólogos Juvenal Ávila de Oliveira, Aguinaldo Rodrigues, Tânia Nozieres de Sant’Anna, Maria Helena Faria, Marilza da Silva Pinheiro e Delari Botega Ebeling, as enfermeiras Lourdes Missio, Margarete Knok Mendonça e Socorro de Maria Pinho, o saudoso farmecêutico Volmar Walter Rien, os professores Valmir Batista Corrêa e Celso Cordeiro (UFMS), Marco Antônio Monje e Raul Nunes Delgado (SINTED), as professoras Margarida Garrido Duarte (Cidade Dom Bosco), Mariléia Ribeiro (GENIC), Judith Pedreira (Santa Teresa) e Clélia Regina Duarte (da Sociedade Espírita Francisco de Assis), as assistentes sociais Eliane Barreto Melo Pereira, Dulce Regina Amorim e Estela Márcia Scandola, os aposentados Alcides dos Santos Ribeiro (da FAPEMS), Vergínio Alves de Morais (da SUCAM), José Batista de Pontes (da SEAPAN), Ariodê Martins Navarro (Pastoral da Criança), Assunção do Carmo Vieira (da AAPIC) e João Gonçalves Miguéis (da LEMAC), Pastor Antônio Ribeiro (da Igreja Batista Missionária), as servidoras Nelly Ramona Costa dos Santos e Edna de Freitas, a biblioteconomista Elenir Machado de Melo, o artesão Carlos Canavarros, os saudosos poetas Rubens de Castro e João Lisboa de Macedo, a saudosa dona Laura Pinheiro (da ACLAUD) e o incansável Armando Carlos Arruda de Lacerda, discreto colaborador.
Se, na calada da noite, o crime organizado tenta impiedosamente assediar seu contingente de súditos para amealhar o tecido social tenuemente constituído nesta sociedade de tradição excludente – ousando não apenas recrutar para suas tropas adolescentes sem perspectivas e adultos em desespero, mas bizarros líderes de si mesmos que pretendem escalar os generosos espaços da democracia por meio da compra de consciências e a troca de vantagens – há felizmente aqueles que diuturna e discretamente oferecem o melhor tempo de suas vidas para a construção de uma sociedade liberta, solidária, justa e igualitária para que a humanidade não venha a ser refém da barbárie que ronda os lares, as vidas e as esperanças das sociedades contemporâneas.
Como bem disse o poeta: a história é um carro alegre, cheio de povo contente, que atropela indiferente aquele que ousar impedi-lo.
Ahmad Schabib Hany
PS: Dedicamos este artigo-reflexão à memória do agora saudoso advogado Walter Mendes Garcia, cuja notícia de seu lamentável falecimento nos chega no momento em que o concluíamos. O querido doutor Walter Mendes Garcia, além de Pai do grande Amigo William Garcia, era um advogado da maior dignidade, batalhador dos Direitos Humanos e das liberdades democráticas que nos foi generosamente apresentado pelo também querido Amigo, o doutor Carmelino Rezende em fins da década de 1980.

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