VIDAS
INTERROMPIDAS EM CORUMBÁ
‘Seu’ Carlos, Orlando Papa, Professor Molina...
Pessoas conhecidas, estimadas, admiradas e solidárias que se eternizaram por
causa da covid-19. Por que o coronavírus não para de ceifar vidas?
Creio
que todos tenhamos tido verdadeiros Amigos que assim se tornaram sem que nos tenham
sido apresentados. É como que a Vida, inadvertida e espontaneamente, tivesse
querido nos dar de presente pessoas interessantes que jamais tivéssemos
imaginado vir a conhecer.
Assim
que me casei e me mudei para o bairro Universitário, em Corumbá, há 16 anos, vi,
isto é, chamou-me a atenção um senhor da terceira idade, servidor da AGEPAN,
cuja residência era próxima ao condomínio onde moro desde então. Ninguém nos apresentou.
Ficamos amigos por conta de algumas coincidências que a Vida nos proporcionou.
Toda vez que saía rumo ao centro, eu o via na frente de sua casa, e,
obviamente, lhe fazia um aceno, como cumprimento.
Ninguém
me disse, mas deduzi que ele fosse servidor (provavelmente motorista) da
AGEPAN, pois muitas vezes ele chegava em casa dirigindo uma viatura dessa
instituição. Observei que, ao lado da Companheira dele, havia um casal jovem e
um filho ainda criança, hoje adolescente. No período que por alguns meses
tratei da saúde na capital perguntaram à minha Companheira sobre meu estado de
saúde e deixaram votos de melhoras.
À
medida que o tempo foi passando, começamos a nos cumprimentar mais detidamente.
Quando viajavam por um período mais longo, era inevitável que perguntássemos
aos seus vizinhos mais próximos sobre ele e sua família. Quando chegou outro
jovem casal, e mais tarde ganharam sua filhinha, passávamos a trocar
experiências em relação aos cuidados com os bebês.
No
dia em que fui tomar a primeira dose da vacina para a covid-19, ele estava
sentado à frente de sua moradia, e nos cumprimentamos, com evidente saudade.
Fazia um ano que não nos víamos. De repente, na quarta-feira, dia 16, minha
Companheira retorna do mercadinho do bairro visivelmente desconcertada: ao
encontrar, na frente da casa, um dos filhos, perguntou sobre o nosso Amigo, ao
que ouviu como resposta, que naquele dia era a Missa de Sétimo Dia de ‘Seu’
Carlos. Ele havia se eternizado por conta da covid-19.
Pois
é, só soube de seu nome no dia em que era celebrada a sua Missa de Sétimo
Dia...
Já
com o esportista e locutor Orlando Papa Jr., também eternizado pela covid-19
nestes dias, a relação vem de décadas, com seus Pais e Tios. Em 1970 tive a
honra e o privilégio de ser aluno, no antigo Ginásio Industrial Dr. João Leite
de Barros (onde hoje é a Escola Estadual Dr. Gabriel Vandoni de Barros), de
dois Tios do Orlando Júnior: os queridos e saudosos professores Odiney Taborda
Papa, odontólogo, e João Papa, licenciado em História.
Em
1972, quando a agência da Embratel foi inaugurada em Corumbá, chegaram os
técnicos que viriam a se suceder na chefia da agência, antes da privatização,
os saudosos senhores Orlando Papa, Pedro Júlio e Jamil Yunes Solonimy, cuja
vila de casas, oferecidas pela empresa, era a uma quadra da agência. Não raro,
logo que iniciaram as atividades em Corumbá, frequentavam o refeitório da
hospedaria de meu saudoso Pai, a poucas dezenas de metros, também.
‘Seu’
Orlando era mais reservado, mas com ‘Seu’ Pedro e o Jamil nossos contatos eram
mais intensos: conversávamos de tudo, inclusive sobre livros e autores de
clássicos, em especial com a saudosa e querida Amiga Maria Auxiliadora Júlio,
esposa de ‘Seu’ Pedro, e que conheci em 1978, quando estagiava na então Telemat
e realizávamos uma pesquisa de campo sobre perspectivas de mercado da telefonia
local. Dona Auxiliadora, gentilmente, me emprestou uma dezena de livros
clássicos, e a partir daí nossa Amizade cresceu, mesmo na época em que fui
estudar em Campo Grande.
A
querida Dona Maria Papa, Mãe do Orlando, Irmã do célebre e saudoso artista
plástico Jorapimo (João Ramão Pinto de Moraes), é uma incansável e solidária
cristã e cidadã, como pude testemunhar ao longo desse período, mas que o faz
com muita discrição, pois não gosta de holofotes. Com seu outro filho, César
Papa, em agosto de 1994, quando do centenário de falecimento de Antônio Maria
Coelho, herói da Retomada de Corumbá, realizamos uma semana de atividades
culturais na Praça Independência, onde há um monumento com sua estátua e seus
restos mortais em sua homenagem. Lá estavam, também, a saudosa Professora
Marilza Coelho e seu Pai, ‘Seu’ Satyro Coelho, o querido e incansável Armando
Lacerda, a querida Adriana Ferraz Santos, a querida Mara Leslie do Amaral, a
igualmente querida Denise Campos Diniz e o grande Antônio Lima Batista, então
vereador.
Desde
essa época, o César e Dona Maria Papa, sempre que possível, ligavam ou enviavam
mensagem para saber como estávamos, inclusive no tempo em que eu estive em
Campo Grande, entre 1999 e 2003. Imaginem, depois da perda do Companheiro e do
Irmão, ver agora a partida de um atleta saudável como era o Orlando é de partir
a alma. Mas Dona Maria é pessoa de fé e bastante convicta, e, embora saibamos
de sua dor de verdadeira Matriarca, ela tem muito para nos ensinar...
Por
seu turno, a eternização, também pela covid-19, do Professor de História e
técnico de enfermagem Reinaldo Molina, causa igualmente consternação. Havia se
aposentado dos dois ofícios há pouco mais de quatro anos, e era vizinho dos
Pais de minha Companheira, nas imediações da ‘Antiga Shell’, como são
conhecidos os reservatórios de combustível do tempo da ferrovia, no bairro
Universitário. Todos acudiam à residência dele, pois, solidário e técnico de
enfermagem experiente, nunca negava ajuda a quem o procurasse. Foi assim até o
dia em que se sentiu mal e precisou ser internado para tratar dos sintomas da
covid-19.
Curiosamente,
em 2017, o Professor Molina foi entrevistado por um jornalista para uma
reportagem em jornal local, numa cobertura da campanha de vacinação da gripe
H1N1. Nessa ocasião ele revelava que a técnica de vacinação que aplicara o
imunizante era sua ex-aluna, precisamente a atual responsável pela campanha de
imunização contra o novo coronavírus, a técnica Luciana Ambrósio. Mas esta
semana, antes de completar 60 anos, o Professor Molina se eternizou sem ter
desfrutado o suficiente de sua aposentadoria.
Além
dos sinceros e mais profundos sentimentos, recebam os familiares de todos esses
Cidadãos (com letra maiúscula), agora saudosos, a certeza de que seu legado
permanece presente em nossa memória e em nossos corações. Até sempre, ‘Seu’
Carlos, Orlando Jr. e Professor Molina!
Ahmad Schabib Hany
2 comentários:
Sempre com lucidez e história na ponta dos dedos (para digitar)
Sempre um privilégio ler!
Obrigado, Professor Thiago, pelas generosas palavras...
Creio ser minha obrigação (e, talvez, de todos nós, que estamos nos movimentos sociais) testemunhar o legado e a trajetória de pessoas queridas que se eternizaram. Sobretudo nestes tempos sombrios.
Grande abraço!
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