DONA GEORGELINA SE ETERNIZA E SEU ASSUNÇÃO DESAFIA A SOLIDÃO
Internada em março para tratar de uma crise de vesícula,
a Companheira por 54 anos de Seu Assunção do Carmo Vieira se eterniza por causa
da covid-19. Em sua homenagem ele e o neto mantêm a tradição da devota de São
João e participam do concurso de andores da Fundação de Cultura e Patrimônio
Histórico de Corumbá.
Dona
Georgelina Fernandes Vieira. Nome singular para uma verdadeira dama incomum,
gentil, atenciosa. Simpatia em pessoa. Não por acaso, foi fundadora e
emblemática dirigente do Clube da Bela Idade do Pantanal. No dia em que o
titular da Subsecretaria de Cidadania, o querido Amigo-Irmão Arturo Castedo
Ardaya, celebrava os sessenta anos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, em dezembro de 2008, o Clube da Bela Idade inaugurava suas atividades
homenageando dois casais artífices da cidadania em nossa região: Dona Anna
Thereza e Seu Jorge Katurchi e Dona Lineise e Seu Balbino G. de Oliveira.
Leal
e discreta Companheira de um dos primeiros colaboradores - senão o
primeiro e dos que permaneceram até os derradeiros momentos - do Padre
Ernesto Sassida, Assunção do Carmo Vieira, Dona Geogelina nasceu em Porto
Murtinho e conheceu aquele que viria a ser seu Companheiro por 54 anos nos
primórdios da Cidade Dom Bosco, quando ainda se chamava Escola Alexandre de
Castro. É que, além de coordenar as obras da futura sede do projeto social do padre
salesiano, Seu Assunção promovia as festas para levantar fundos e tocar as
obras. Foi assim que se conheceram, em meio às atividades pioneiras da
escola-comunidade sonhada pelo missionário esloveno que se deixou atrair pelo
povo corumbaense para permanecer pelo resto de seus dias no coração do Pantanal
e da América do Sul.
Conheci
Dona Georgelina no bazar contíguo à Associação de Aposentados, Pensionistas e
Pessoas Idosas de Corumbá, na antiga sede da Mesa de Rendas de Mato Grosso, à
rua Delamare, quase esquina com a Frei Mariano. Embora conhecesse Seu Assunção
desde os tempos em que era vereador do MDB, na década de 1970, fiquei surpreso
ao conhecer a grande Companheira dele, totalmente desenvolta, verdadeiramente
cosmopolita. Aliás, igual a ele: poucos sabem, mas antes de trabalhar com o
Padre Ernesto, Seu Assunção trabalhou no antigo Serviço de Proteção ao Índio
(SPI), depois FUNAI, e sua vinda para Corumbá se deu por conta da construção da
pista asfaltada do Aeroporto Internacional de Corumbá, tendo sido responsável
pelas obras de construção, entre fins da década de 1950 e início dos anos 1960.
No
ano passado, assim que a pandemia nos levou ao distanciamento forçado, conversei
pela derradeira vez com Dona Georgelina. Eu ligara ao telefone deles porque
recebera um recado de Seu Assunção, referente às memórias dele. Ela, como sempre,
gentil e atenciosa, perguntara por minha Companheira, pelos Pais dela e por
nossos Filhos. Ao nos despedirmos (sem fazer ideia de que seria nosso último diálogo),
renovei o convite para que viessem tomar um café com chipa em casa. A pandemia
atravessou o caminho dela. Em março deste ano, precisamente no dia mundial das
águas (dia 22), a incansável e generosa murtinhense que escolheu Corumbá para
viver na companhia de Seu Assunção encerrou sua jornada solitária e
anonimamente.
Só
soube da eternização de Dona Georgelina ao ler a lacônica e desoladora mensagem
de Seu Assunção, domingo à noite, 20 de junho, em que revelava encontrar-se na
solidão e muito saudoso de sua eterna Companheira. Revelara também ter
contraído a covid-19, mas decidira permanecer em casa, e como por milagre
sobrevivera, com sequelas. Para homenagear, a Família decidiu inscrever o andor
de São João que ela conservava desde o início de sua permanência em Corumbá, inscrito
na categoria tradicional em nome do neto quase xará de Seu Assunção.
Abalado,
com o semblante marcado pela solidão destes 90 dias de pura saudade (como pude
constatar na videoconferência), Seu Assunção desafia os adversos tempos em que
vivemos ao homenagear sua Companheira de cinco décadas e renovar seus votos de devoção
pelo discípulo cristão que fez das águas a mensageira de Vida e de fé. Tal como
eles, que vieram pela emblemática embarcação Fernandes Vieira, o mesmo
sobrenome que Dona Georgelina passou a assinar depois de contrair núpcias com o
longevo parceiro do Padre Ernesto e testemunha privilegiada de momentos ímpares
de um dos projetos mais ousados realizados no coração do Pantanal.
Neste
São João diferente, a ladeira Cunha e Cruz é palco de uma incessante procissão
em que o sagrado e o profano se mimetizam com a aura de personagens eternizados
sob o manto do reconhecimento de que fazem parte do patrimônio imaterial do País.
E o mais importante: do povo, de onde jamais perderam o vínculo, a fé e a
graça. E quando o Brasil atinge a trágica marca dos mais de 500 mil eternizados
pela pandemia, ergamos nossas mãos para agradecer pela Vida e pela fé em dias
alvissareiros, livres e libertos de todos os vírus e pragas que assolaram estes
sombrios tempos...
Ahmad Schabib
Hany
3 comentários:
Prezado Schabib,
Mais um lindo e sensível texto sobre este momento de dor e indignação.
Que Deus dê força para a família da homenageada.
Abraços,
Tereza Exner
que bom que me alimenta de indignação e ternura!
Lindo texto 🤩
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