domingo, 13 de junho de 2021

O GOLPE VEM DE MOTO?

O GOLPE VEM DE MOTO?

Minha geração, privada por 21 anos do direito à liberdade, costumava alertar que ‘o golpe vem a galope’, mas tudo indica que virá de moto. Depois do golpe policial-militar boliviano de 2019, com a participação direta de facínoras tupiniquins, patroteiros em duas rodas, com as placas camufladas, ‘treinam’ à luz do dia na maior metrópole brasileira com o explícito propósito de mostrar força para replicar a ação dos ‘matoqueros’ que levaram pânico, dor e morte no país andino.

Qual o propósito de, no dia dos namorados, promover uma ‘motociata’ (sic) com o afã de fazer mais uma afronta desavergonhada às medidas de enfrentamento à pandemia, esnobar força ante o Estado Democrático de Direito e, sobretudo, fazer um treinamento cínico da estratégia de levar pânico, dor e morte ao inimigo - experimentada com êxito em novembro de 2019 no golpe policial-militar da Bolívia - em plena luz do dia na maior metrópole brasileira?

A maior evidência de que a iniciativa não era inocente é a camuflagem das placas das motos. Por quê? Desde o ocupante do maior cargo da República e muitos assessores até seus sulfurados apoiadores estavam em veículos com placas não identificadas. Isso só já chama a atenção, já acende o sinal de alerta.

Não são poucos os analistas experientes a dizer que, desde a posse, o atual inquilino do Planalto só pensa ‘naquilo’... A inversão de prioridades em seu desgoverno constata esse temor: abandono da saúde, educação, energia, transporte etc. Ao promover o caos, se sai como ‘vítima’ do ‘inimigo’ (na verdade os que defendem a ordem democrática, de acordo com a Constituição Federal que ele jurou cumprir e defender). Ele e seus mais próximos assessores creem que, feito fênix, ele ressurgirá das cinzas da democracia.

É óbvio que não foi passeio a tal ‘motociata’. Teve características de ‘treinamento’ cínico para algo sinistro, em data guardada a sete chaves e roteiro já estabelecido. Pior, com a participação de servidores públicos, passíveis de sanções, e o deslocamento de veículos e servidores, sob expensas do erário, supostamente para preservar a integridade física da maior autoridade do país, que, como que não soubesse, insiste em prevaricar todo o tempo, tamanha a sua obsessão pelo poder.

Até o mais ingênuo dos leitores sabe que todo político com queda fascista não governa: sua formação ‘messiânica’ o leva à prática totalitarista, até teocrática, se preciso for. A figura patética que, mediante um golpe parlamentar-midiático, encontrou atalho para se instalar no centro da administração federal, jamais abriria mão de tentar (ou atentar) contra a ordem constitucional. Seu passado o condena.

As instituições responsáveis pela preservação do Estado de Direito e das salvaguardas constitucionais não podem permanecer plácidas contemplando iniciativas insólitas, tão e claramente golpistas quanto os atentados a bomba contra bancas de jornais ou a carta-bomba enviada ao presidente da OAB que matou Dona Lyda Monteiro, secretária do Conselho Federal da entidade no Rio de Janeiro, no início da década de 1980. Não há como saber se há meliante de então com expertise em conspirações dessa natureza, mas o grau de insolência, a sequência de episódios a fragilizar as instituições democráticas e a certeza da impunidade permitem avaliar a dimensão do golpe em gestação.

Não custa repetir. As hordas fascistas que se aglomeram, com o maior acinte, em torno de seu messias não têm nada de alopradas e muito menos imbecis. Sabem o que querem e têm a certeza da impunidade. Seu propósito é tão explícito quanto os cartazes que ostentam: intervenção militar já, fechamento do STF, supressão do Estado Democrático de Direito.

Para concluir, há circulando pelas redes sociais um belíssimo artigo cujo autor ainda não identifiquei (razão pela qual não o citei, mas quando o autor for identificado, pretendo publicá-lo na íntegra). Além do rico detalhamento de fatos que evidenciam a preparação de um autogolpe pelo atual mandarim de plantão, correlaciona dados históricos na Itália e Bolívia, sobre motos.

Mais que nunca, é hora das forças sinceramente comprometidas com a democracia e o Estado de Direito constituírem uma frente democrática capaz de barrar, com a efetiva participação popular, qualquer tentativa de ruptura da ordem constitucional e das garantias individuais e coletivas. Não é possível que a soberba de alguns líderes de si mesmos se sobreponha aos reais interesses da sociedade brasileira e da civilidade no país.

O porvir das novas gerações e a sobrevivência das instituições nacionais depende de um ato de coragem democrática protagonizado com desprendimento e cordura.

Ahmad Schabib Hany

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