O GOLPE VEM DE
MOTO?
Minha geração, privada por 21 anos do direito à
liberdade, costumava alertar que ‘o golpe vem a galope’, mas tudo indica que
virá de moto. Depois do golpe policial-militar boliviano de 2019, com a
participação direta de facínoras tupiniquins, patroteiros em duas rodas, com as
placas camufladas, ‘treinam’ à luz do dia na maior metrópole brasileira com o
explícito propósito de mostrar força para replicar a ação dos ‘matoqueros’ que
levaram pânico, dor e morte no país andino.
Qual
o propósito de, no dia dos namorados, promover uma ‘motociata’ (sic) com o afã de fazer mais uma afronta
desavergonhada às medidas de enfrentamento à pandemia, esnobar força ante o
Estado Democrático de Direito e, sobretudo, fazer um treinamento cínico da
estratégia de levar pânico, dor e morte ao inimigo - experimentada
com êxito em novembro de 2019 no golpe policial-militar da Bolívia - em plena luz
do dia na maior metrópole brasileira?
A
maior evidência de que a iniciativa não era inocente é a camuflagem das placas
das motos. Por quê? Desde o ocupante do maior cargo da República e muitos
assessores até seus sulfurados apoiadores estavam em veículos com placas não
identificadas. Isso só já chama a atenção, já acende o sinal de alerta.
Não
são poucos os analistas experientes a dizer que, desde a posse, o atual
inquilino do Planalto só pensa ‘naquilo’... A inversão de prioridades em seu
desgoverno constata esse temor: abandono da saúde, educação, energia,
transporte etc. Ao promover o caos, se sai como ‘vítima’ do ‘inimigo’ (na
verdade os que defendem a ordem democrática, de acordo com a Constituição
Federal que ele jurou cumprir e defender). Ele e seus mais próximos assessores creem
que, feito fênix, ele ressurgirá das cinzas da democracia.
É
óbvio que não foi passeio a tal ‘motociata’. Teve características de ‘treinamento’
cínico para algo sinistro, em data guardada a sete chaves e roteiro já estabelecido.
Pior, com a participação de servidores públicos, passíveis de sanções, e o
deslocamento de veículos e servidores, sob expensas do erário, supostamente
para preservar a integridade física da maior autoridade do país, que, como que
não soubesse, insiste em prevaricar todo o tempo, tamanha a sua obsessão pelo
poder.
Até
o mais ingênuo dos leitores sabe que todo político com queda fascista não
governa: sua formação ‘messiânica’ o leva à prática totalitarista, até
teocrática, se preciso for. A figura patética que, mediante um golpe
parlamentar-midiático, encontrou atalho para se instalar no centro da
administração federal, jamais abriria mão de tentar (ou atentar) contra a ordem
constitucional. Seu passado o condena.
As
instituições responsáveis pela preservação do Estado de Direito e das
salvaguardas constitucionais não podem permanecer plácidas contemplando
iniciativas insólitas, tão e claramente golpistas quanto os atentados a bomba
contra bancas de jornais ou a carta-bomba enviada ao presidente da OAB que
matou Dona Lyda Monteiro, secretária do Conselho Federal da entidade no Rio de
Janeiro, no início da década de 1980. Não há como saber se há meliante de então
com expertise em conspirações dessa natureza, mas o grau de insolência, a
sequência de episódios a fragilizar as instituições democráticas e a certeza da
impunidade permitem avaliar a dimensão do golpe em gestação.
Não
custa repetir. As hordas fascistas que se aglomeram, com o maior acinte, em
torno de seu messias não têm nada de alopradas e muito menos imbecis. Sabem o
que querem e têm a certeza da impunidade. Seu propósito é tão explícito quanto
os cartazes que ostentam: intervenção militar já, fechamento do STF, supressão
do Estado Democrático de Direito.
Para
concluir, há circulando pelas redes sociais um belíssimo artigo cujo autor
ainda não identifiquei (razão pela qual não o citei, mas quando o autor for identificado,
pretendo publicá-lo na íntegra). Além do rico detalhamento de fatos que
evidenciam a preparação de um autogolpe pelo atual mandarim de plantão,
correlaciona dados históricos na Itália e Bolívia, sobre motos.
Mais
que nunca, é hora das forças sinceramente comprometidas com a democracia e o
Estado de Direito constituírem uma frente democrática capaz de barrar, com a
efetiva participação popular, qualquer tentativa de ruptura da ordem
constitucional e das garantias individuais e coletivas. Não é possível que a
soberba de alguns líderes de si mesmos se sobreponha aos reais interesses da
sociedade brasileira e da civilidade no país.
O
porvir das novas gerações e a sobrevivência das instituições nacionais depende
de um ato de coragem democrática protagonizado com desprendimento e cordura.
Ahmad Schabib Hany
Nenhum comentário:
Postar um comentário