terça-feira, 30 de abril de 2019

Réquiem para a Dama da Música Popular Brasileira



 Réquiem para a Dama da Música Popular Brasileira

Neste Primeiro de Maio, pela primeira vez em tantas décadas, sua voz, sua lucidez e sua solidariedade infinitas não estarão nos tão necessários atos de celebração, resistência e protestos pelos cantos do Brasil. Mas a dignidade aguerrida da eternamente querida Beth Carvalho, a Dama da Música Popular Brasileira, estará em meio a nossa saudade, nossa melancolia, nossa tristeza...

Que tempos malditos, me perdoem o desabafo necessário, do fundo da alma! No mesmo dia em que canalhas traidores do digno Povo Venezuelano tentam mais um golpe contra a soberania de seu país, e, pior, com o apoio oficial do fantoche canalha e incompetente que por meio de manipulações tornaram “presidente” o débil mental que desgraça a maior democracia do hemisfério, a nossa grande dama do samba e da dignidade se eterniza, como a protestar contra tanta atrocidade...

Não esqueço de seu primeiro grande sucesso, no tempo dos festivais de MPB. Era 1968 (“o ano que não terminou”, como bem disse o genial Zuenir Ventura em sua obra-prima) quando sua voz altiva irrompeu no silêncio imposto por outros canalhas fardados, tão fantoches como os de hoje, entoando “Andança”, uma belíssima composição de Danilo Caymmi, Paulinho Tapajós e Edmundo Souto, uma pérola da bossa-nova, acompanhada pelos Golden Boys: “Já me fiz a guerra por não saber / Que esta terra encerra meu bem querer / E jamais termina meu caminhar / Só o amor ensina onde vou chegar / Me leva amor... / Amor / Me leva amor / Por onde for quero ser seu par / Me leva amor / Me leva amor / Por onde for / Quero ser seu par.”

Uma artista completa: voz e presença de palco impecáveis, consciência política responsável, generosidade e solidariedade a toda prova... Pelo menos por duas vezes esteve em Corumbá (MS), sempre em momentos de grandes causas: no início do processo de redemocratização, apoiando a Aliança Democrática e seus candidatos em 1985 e no Movimento pela Ética na Política no início dos anos 1990, deixando sempre claro que era uma incondicional apoiadora do aguerrido Brizola no Rio de Janeiro, como depois de conhecer o incansável Lula passou a apoiá-lo em todo o Brasil, apesar de seus problemas de saúde.

Não por acaso, uma das mais belas músicas do século XX é de sua autoria e interpretação, o samba “Coisinha do Pai”. Ainda que muitos preconceituosos e reacionários torcessem o nariz por seu apoio incondicional aos movimentos populares por justiça social (trabalhadores sem-terra, sem-teto, desempregados, estudantes, professores, favelados, músicos populares e revelações da cultura popular) neste país em que o que mais abunda é a injustiça, é inegável que não deixem de balançar seus corpos ao som de “Chora” e outros clássicos interpretados e/ou compostos por ela.

Sem dúvida, hoje o Brasil ficou enormemente mais pobre. Silencia a voz que generosamente embalou por certo os melhores momentos de diversas gerações e, sobretudo, deu vez aos imensos contingentes humanos tratados como insetos por uma sórdida e canhestra elite de imbecis que preferem ficar de quatro ante os abutres e sua nefasta cobiça pelas riquezas ímpares do país-continente, vocacionado para ser potência mundial da paz, não dos túmulos, mas da justiça e da fraternidade, e cujo povo é a jóia da coroa, como nunca relegado à indigência, como sempre, em nome da (sic) “modernidade”...

Até sempre, querida Beth Carvalho, grande Dama da MPB e da vanguarda da humanidade, e obrigado por ter existido!

Ahmad Schabib Hany

BETH CARVALHO 40 ANOS DE CARREIRA COMPLETO

sexta-feira, 19 de abril de 2019

REFLEXÃO DE CAROLINE ARCARI (DE CURITIBA)


REFLEXÃO DE CAROLINE ARCARI (DE CURITIBA)

Dedico esse texto a todos aqueles que estão comemorando a prisão de Lula. Leiam e sintam o tamanho de sua pequenez.
Do Facebook (Caroline Acari):

Depois desses dias lamentáveis senti que precisava escrever. Não só porque sou escritora (rs), mas porque recebi muitas mensagens inbox questionando meu posicionamento político: desde comentários indignados, memes irônicos, violentos até xingamentos dos mais diversos.

Escrevo mais pra aliviar meu coração do que pra prestar contas àqueles que me escreveram com tanta indelicadeza e ódio.

Eu nasci num berço privilegiado. Tive uma educação conservadora, fui evangelizada nos preceitos do espiritismo, estudei nos melhores colégios particulares de Curitiba e casei com um médico aos 19 anos. Fui bela, recatada e do lar. Votei no Serra. Achava que o sistema de cotas era vitimismo. Falava que era feminina, jamais feminista.

Repetia a máxima: não dê o peixe, ensine a pescar. Já achei Bolsa Família uma máquina de produzir pobres preguiçosos. Já fiz piada sobre nordestinos e baianos e já acreditei em "racismo reverso". Também já falei que sucesso escolar dependia de escolhas e levantava a bandeira da meritocracia como se ela fosse um mecanismo das leis da natureza, simples assim. Nos almoços de família, sentia minhas teorias sobre a "grande mudança social" validadas por pessoas que pensavam como eu. Os churrascos eram agradabilíssimos.

Um belo dia, aceitei uma proposta de trabalho, lá no interior de Goiás, para fundar e administrar um projeto social que atendia crianças e adolescentes da periferia de Rio Verde. Foi a primeira vez que aquelas teorias vociferadas no churras de domingo foram postas à prova. Era o meu momento de mostrar pro mundo que, com 27 anos, eu sabia exatamente o que estava fazendo. Bom, eu não sabia. E como não temos uma temporada da Netflix pra desenvolver esse post aqui, basta dizer: MINHAS TEORIAS CAÍRAM POR TERRA.

Caíram por terra quando um aluno recém chegado da Paraíba com uma vontade enorme de estudar era obrigado a entregar drogas na vizinhança sob ameaça de que suas irmãs seriam estupradas se ele não o fizesse - a polícia fazia parte do esquema - descobri que esforço pessoal não era o problema desse garoto.

Caíram por terra quando eu encaminhei alunos pra estágio de jovem aprendiz e, de um grupo de 4 adolescentes, somente o menino negro não conseguiu entrar, apesar de ter competências muito semelhantes às dos colegas. Caíram por terra quando um aluno (veja só, também negro) desapareceu porque foi trancado E ESQUECIDO numa sala de aula como método corretivo por não ter copiado a tarefa de matemática.  - descobri que o racismo é um fenômeno estrutural e institucionalizado e que as especificidades da população negra exigem políticas de ação afirmativa, como as cotas, que tentam diminuir as desigualdades e restituir direitos negados há seculos.

Caíram por terra quando eu dei colo pra uma menina que só dormia em sala de aula e com péssimo rendimento escolar porque ela fazia todo o trabalho doméstico para os homens da casa, além de ser abusada sexualmente pelo avô todas as noites - descobri que a violência contra meninas é uma questão de gênero e que o olhar feminista é imprescindível para entender e enfrentar esse fenômeno.

Caíram por terra quando eu soube que nenhuma das famílias atendidas havia parado de trabalhar para receber 90 reais de Bolsa Família, mas que esse valor era muito importante para complementar a renda no mês - descobri que as exigências educacionais e as condicionalidades na área da saúde eram cumpridas pelas famílias - criança na escola, vacinas em dia e acompanhamento do crescimento no posto de saúde.

Caíram por terra quando fui no hospital visitar 2 alunos, irmãos, negros, atingidos por bala perdida, um deles ficou paraplégico - descobri que jovens negros são exterminados, EXTERMINADOS no Brasil.

Caíram por terra quando minha aluna mais querida caiu nas garras da exploração sexual e passou a cometer delitos, na tentativa de fugir dos abusos que sofria de todos os homens da família dela.

Foram 10 anos de Escola de ser. E foi lá que eu conheci um pouco do mundo como ele é. É muito fácil defender uma visão política toda trabalhada na meritocracia e bem estar individual quando você faz três refeições por dia, tem casa própria, um salário razoável e uma boa perspectiva de futuro. Eu já estive nesse lugar e me sinto profundamente constrangida por isso.

Não sou especialista em Sociologia, Economia, Política e Direito, mas hoje meu posicionamento político é baseado na minha experiência profissional e em todas as leituras que dedico para entender o cenário político atual, de grandes e renomados estudiosos, juristas, pensadores, assim como me interessa ouvir o que as minorias constantemente atingidas pela desigualdade social têm pra falar e reivindicar. Não me sinto a dona da verdade por isso, mas entendo que esse esforço me aproxima de uma visão de mundo mais coerente, realista, responsável e conectada com o coletivo.

O Brasil tem uma história colonialista, escravocrata, conservadora, militarista que mostra uma inclinação antiesquerdista predominante, da qual eu quero distância, nem que isso custe os churrascos de domingo, uma vida mais solitária (porém mais coerente) e xingamentos inbox.

E embora eu não santifique Lula nem venere o PT, eu sou de esquerda. ESQUERDA. Nesse contexto, desde o impeachment de Dilma à prisão de Lula, repudio todo o processo que culminou num golpe que flerta com a ditadura, num despotismo judicial concretizado numa condenação sem provas e na constante ameaça ao Estado democrático de direito.

Eu reafirmo a minha posição: SOU DE ESQUERDA.

Ninguém me perguntou mas...

Eu queria falar sobre Lula e o ódio de classe.

Não é que ele seja um herói.

É que pra maioria dos seres humanos que vivem no Brasil nos últimos 50 anos ele foi o primeiro a dar esperança.

Quando os trabalhadores desse país construíram uma das maiores experiências de organização popular do mundo, Lula estava lá.

Ele também estava a frente de uma das mais importantes greves operárias do nosso continente.

Na época em que bastava dar a opinião para ser preso em solo tupiniquim o Lula teve lá, preso.

Quando o povo dessa nação tirou os homens fardados do poder, ele estava presente.

Ele não é um herói, tampouco um santo pronto para subir no altar.

Mas ele é um de nós.

Um dos milhões e milhões de pessoas para qual a vida é ardida e  que não conhecem aquele Brasil do paraíso natural de belezas e samba, ele é um igual.

Lula chegou ao poder do país carregando o sonho do fim da fome e da miséria.

Os Brasileiros em 2002 sonhavam com o fim da FOME.

Era um grito de socorro.

Mas Lula não é um herói. Nem santo.

Ele é só um de nós.

Você, compatriota que hoje comemora a prisão desse homem, preste atenção.

Nosso país está afogado de poderosos corruptos.

O congresso nacional é um ninho de desonestidade e mesquinhez.

As maiores empresas privadas, para as quais muitos de vocês trabalham estão envolvidas em escândalos nunca registrados antes.

Mas por favor escute, comemorar a prisão de Lula não é celebrar a vitória da honestidade.

Ter ódio de Lula não é ter ódio da corrupção.

É ódio de Classe.

Esse ódio serve só pra nós lembrar que estamos no Brasil.

E no Brasil de sempre, metalúrgico tem que se pôr no seu lugar.  Anafalbeto não opina. Trabalhador não pode governar. Filho de empregada não estuda. Negro nao é Juiz. Bandido bom é o que tá morto. Nordestino se mantém na faxina, ou na obra. Mulher não vira presidente. LGBT tem que se fuder porque é safado. Direitos humanos é frescura. Preto é ladrão. Mulher apanha porque alguma coisa fez. Favelado negro e vagabundo tem que prender.

O ódio, os memes, as panelas, os rojões são ódio contra a maioria do povo que habita esse solo.

Ódio dos que não tem vez. Dos que ousaram falar demais, estudar demais, opinar demais.

É ódio da maioria.

É isso.

Aos que estão tristes como eu, a estrada da nossa gente foi de brita, pedra e suor, não vai ser essa lombada que vai nos derrubar.

Adiante.

Caroline Arcari (de Curitiba)

Compartilhado de mensagem de What'sApp de minha querida Irmã Waded Schabib Hany

QUEM MATOU JESUS (JOSÉ GONÇALVES)

QUEM MATOU JESUS

A teologia, que é obra humana, formulada no tempo e no espaço, fruto de circunstâncias as mais diversas, e, portanto, sujeita a toda sorte de condicionamentos, afirma (e ensina) que Jesus morreu por conta dos nossos pecados.

Ora, se Jesus morreu em razão dos nossos pecados, nós, os humanos, em todos os tempos e lugares (até mesmo os que viveram antes da vinda do nazareno), é que somos os grandes responsáveis por sua morte.

Essa teologia atravessou séculos e milênios, criando “complexos de culpa” e conduzindo levas inteiras de cristãos a absurdas técnicas de ascese ou (em tempos hodiernos) aos numerosos consultórios de psicologia e psiquiatria.

À medida que jogou toda a culpa pela morte de Cristo sobre nossas costas, tal teologia acabou por isentar os verdadeiros responsáveis por aquele vil assassinato.

Com efeito, o grande responsável pela morte de Cristo foi o sistema político, econômico e religioso da época, que tinha como principal centro de gravitação o Templo de Jerusalém.

Jesus desafiou o poder político na medida em que se disse filho de Deus, em contraposição àquele que era cultuado como sendo o “verdadeiro” deus – o imperador romano.

Jesus desafiou o poder religioso na medida em que ousou interpretar a Lei, “atropelando” a leitura retrógrada, classista, racista e machista, oferecida pelos fariseus e doutores da Lei.

Jesus desafiou o poder econômico, na medida em que “curou” e “perdoou” pecados de forma gratuita e solidária, num contexto em que todos aqueles que desejassem ser “curados” ou ter seus “pecados perdoados” deveriam oferecer ao Templo parte do que possuíam, como ovelhas, aves, dinheiro, ouro, etc. O que implicava, obviamente, que quem não dispusesse de tais recursos jamais poderia ser “curado” ou “perdoado”.

Foi muito cômodo para a igreja cristã, que, a partir do século IV d. C., tornou-se aliada do poder, jogar a culpa pela morte de Jesus de Nazaré inteiramente na nossa conta.


José Gonçalves (*)

O Companheiro José Gonçalves do Nascimento é professor em São Paulo e escritor há muitos anos. Nasceu em Monte Santo (BA). Estudou no Instituto de Teologia de Ilhéus (BA), Universidade Católica de Salvador (BA) e Università Urbaniana di Roma (Itália).

terça-feira, 16 de abril de 2019

RÉQUIEM PARA WERTON BENEVIDES JUNIOR


Réquiem para Werton Benevides Junior

A eternização, no início de abril, do arquiteto Werton Augusto Benevides Junior causou a todos os que tiveram a felicidade de conhecê-lo um profundo pesar. É verdade que só se eterniza quem já atingiu um nível de sublimidade singular, um grau de desprendimento único, coisas que o agora saudoso e querido Amigo atingiu com a maior brevidade. Mas não há palavras capazes de justificar como uma pessoa com tamanhas qualidades possa ter deixado este conturbado mundo logo quando era mais que imprescindível: inteligência, vontade de contribuir e generosidade a serviço de uma coletividade tão necessitada como a nossa...

Nascido em Corumbá, filho de família proletária (o saudoso pai, Seu Werton, taxista), Werton era o caçula de três grandes seres, que são (foram) Jorge Benevides (falecido há aproximadamente cinco anos, ex-líder estudantil do curso de Agronomia do então Centro Universitário de Dourados da então UFMS, ao lado do igualmente querido Gumercindo, o Guma que ajudou Chico Mendes em Xapuri, Acre, e depois foi trabalhar, por meio de concurso público, no Itamaraty, em Brasília) e a querida Gegê (que me perdoe, mas não conheci seu nome, embora tivesse sido colega e amiga de uma de minhas irmãs, e que vim saber que recentemente trabalhava na Secretaria de Saúde de Campo Grande).

Desde tenra juventude esse ex-companheiro de república de estudantes, nos fins da década de 1970, sempre se caracterizou por sua inesgotável paixão pela Vida. Talentoso e de uma alegria e humor sem fim, contagiava entusiasmo a todos aqueles que com ele conviviam. Ele era o caçula, o mascote de uma turma numerosa e diversa, como o povo corumbaense e ladarense, tão bem representados nessa réplica miniaturizada dos habitantes do coração do Pantanal e da América do Sul. Isso no início da transição para a democracia, fins da década de 1970 e começo dos anos 1980.

Sob a liderança do querido e saudoso Oscar Rodrigues Brandão, mais experiente e responsável por todos nós e que se eternizou no início do segundo ano de convívio, aos 23 anos, vítima de uma doença silenciosa, estavam no início de 1979 os Amigos Raul Herrera, Arilson Aranda, Ronaldo Ribera, Tadeu Bueno, Bento Figueiredo, José Carlos Machado e José Guilherme Bueno (depois, obviamente, chegaram outros, igualmente queridos). Werton, tão logo chegou a Campo Grande, foi logo se enturmando, embora fosse o único “menor de idade” de toda a rapaziada.

Por meio de amigos do irmão mais velho, Jorge Benevides, conheceu os então jovens arquitetos Celso e Eudes Costa, e não demorou muito para Werton trabalhar como desenhista. E foi graças à generosidade desse agora saudoso Amigo que pude, um tempo depois, conhecer os dois arquitetos, à época em que eram responsáveis pela construção da nova sede da Santa Casa de Campo Grande, e pedir a eles uma cópia simplificada desse seu projeto, o que o fizeram prontamente, pois nessa época eu tinha uma irmã fazendo a graduação em Arquitetura na Bolívia e, em tempos em que não havia internet nem buscadores eletrônicos, era um sacrifício “garimpar” plantas de projetos exitosos e arrojados como o dos irmãos Costa, tanto que ela fez questão de registrar sua colaboração em seu trabalho de graduação. O triste é que não demorou muito, e num acidente, o genial arquiteto Eudes Costa veio a falecer.

Depois que retornei a Corumbá, em 1984, somente nos vimos, por puro acaso, em 2008, em Campo Grande, num dos terminais de integração de transporte coletivo da capital. Ele havia encerrado seu mandato de presidente do Sindicato dos Arquitetos de Mato Grosso do Sul (Sindarq-MS), e estava feliz por ter conseguido fazer valer o salário-mínimo profissional para a categoria. Mas a sua maior realização, segundo me contara nos poucos minutos de nosso breve e casual encontro, fora o projeto de moradias de interesse social voltado para as camadas populares de todo o estado.

Sempre com brilho nos olhos e sorriso largo, refletindo seu jeito de poeta, sonhador, realizador e sobretudo cidadão engajado nas melhores causas. E, creio, não há causa melhor que a de propiciar moradia a que mais precisa, o nosso povo explorado e excluído. Werton fez história, fez e realizou sonhos, utopias, concretudes e, mais que isso, habitats, em seu sentido mais apropriado. Lembro-me que, logo que o conheci, me contava, em meio à gostosa gargalhada que lhe era peculiar, que seus pais o levaram à sede do glorioso Riachuelo Futebol Clube, nos altos da Rua Frei Mariano, para que participasse de um show de calouros de uma das emissoras de rádio da cidade. Ele, com apenas, 5 aninhos, diante de uma multidão que se apertava na plateia, não conseguia ir além da primeira estrofe, e a mãe, entusiasmada, a incentivá-lo incansavelmente...

Essa é a carinhosa imagem que tenho do Werton, um eterno aprendiz, e como uma criança perene, generoso, risonho, alegre e solícito. Acho que se eternizou para atender a algum chamado para a próxima dimensão, eis que nestes anos de ressaca de um tempo abominável projetos generosos como o que ele vinha realizando não encontrarão fontes de financiamento...

Obrigado, Amigo Werton, por ter-nos ensinado tanto, e até sempre!

Ahmad Schabib Hany

segunda-feira, 8 de abril de 2019

LULA NAS MASMORRAS E A GÊNESE DE UM NOVO REGIME DE EXCEÇÃO


LULA NAS MASMORRAS E A GÊNESE DE UM NOVO REGIME DE EXCEÇÃO

A partir de 2018, o 7 de abril passou a ser um dia de protesto, de resistência e de luta. Se antes nos reuníamos para celebrar o Dia Mundial da Saúde, agora temos que lutar não apenas pela libertação do mais importante preso político brasileiro -- não por acaso o maior estadista dos últimos 60 anos, Luiz Inácio da Silva, o Presidente Lula --, mas pela retomada do Brasil, sobretudo depois dos dois mais recentes inquilinos do Palácio da Alvorada entregarem a soberania nacional e as riquezas do País às quadrilhas de saqueadores que sucederam piratas e corsários pelo mundo afora.

Não há boatos nem as tais “fake news” na entrega aos Estados Unidos da Base de Alcântara (no Maranhão), do Pré-Sal, do Aquífero Guarani, da Amazônia, do Pantanal, do Cerrado, da Mata Atlântica, da Caatinga, dos Pampas, da Amazônia Azul e de inúmeras reservas petrolíferas na plataforma continental às multinacionais concorrentes. Aliás, depois da emblemática “venda” da Embraer para a Boeing (empresa estatal estadunidense detentora de patentes industriais na área de tecnologia aeroespacial de ponta) pelo (des)governo de Michel Temer e a quadrilha de Romero Jucá, Raul Jungman, Mendonça Filho, Aloysio Nunes, Blairo Maggi e Gilberto Kassab, qualquer ato de lesa-pátria passou a ser naturalizado.

Como abutres, setores parasitários da sociedade brasileira -- rentistas, banqueiros, especuladores, oligarquias decrépitas, organizações criminosas de todos os naipes, milicianos, contraventores, empreiteiros, sanguessugas da burocracia, agentes do Estado cooptados pelo império decadente e barões de grupelhos midiáticos -- passaram a conspirar contra o Estado Democrático de Direito, a soberania nacional e as políticas sociais e afirmativas oriundas da Constituição Cidadã do Doutor Ulysses Guimarães, o terror do facínora Brilhante Ustra e seus torturadores canalhas, e efetivadas durante os governos progressistas de Itamar Franco, Lula e Dilma Rousseff.

Se em algum momento se valeram do discurso patrioteiro requentado das diversas tentativas pretéritas de golpear governantes progressistas em meados do século passado, seus propósitos eram ainda mais nefastos: não se limitavam à destituição de governantes legitimamente eleitos, mas à destruição das conquistas sociais e políticas renhidamente construídas por décadas a fio e, sobretudo, à entrega das riquezas naturais e da soberania nacional aos nefastos abutres do império decadente, instalado em Washington.

Pivô de toda essa sórdida trama, o sinistro da Sujista do desertor arrependido que antes se passava por super-hiper-herói, Sérgio Moro, revelou-se serviçal de quinto escalão do Departamento de Justiça da Casa Branca, incapaz de articular, tal qual seu chefe e líder fantoche, uma centena de palavras que pudessem expressar uma nova concepção de gestão, administração ou política para o País. Pobres diabos, medíocres em demasia, não resistiram aos 100 emblemáticos dias de graça que as democracias costumam conceder aos seus recém-empossados dignitários.

Nem o ex-assessor de terceiro escalão do sanguinário ditador chileno Augusto Pinochet, empavonado sabe-tudo (para os idiotas) Paulo Guedes, nem o astrólogo falido metido a “filósofo” de cabeças-ocas travestidos de líderes políticos como Olavo de Carvalho podem dar sustentabilidade a essa súcia atabalhoada, deslumbrada pelo poder que ainda não conseguiram amealhar. Por isso, caso não houver um urgente pacto político de caráter sinceramente democrático, em que todas as forças democráticas se articulem e construam uma agenda política proativa, dignificante, nacionalista e, sobretudo, em defesa da soberania nacional e da soberania popular, algo como “Frente Ulysses Guimarães”, estaremos todos a lamentar prejuízos de toda ordem pelos próximos anos.

Não há dúvida de que o tenente rebelde que virou capitão da reserva remunerada e sua “dinarquia” (termo inventado, em plena ditadura, por Henry Maksoud em sua revista Visão), isto é, seus filhos e outros seres bizarros a eles associados, não têm competência nem credibilidade política para ousar implantar um regime de exceção. Mas as suas traquinagens dentro e fora do Brasil -- como a de apoiar atos tresloucados de Donald Trump, de conspirar contra a soberania da Venezuela, e de Beniamin Netanyahu, de afrontar contra a existência do milenar povo palestino -- poderão levar o País a um processo de empobrecimento econômico e desintegração política, cenário que costuma entusiasmar aventureiros neofascistas que se valeram do fantoche travestido de mito para encontrar um atalho e invadir o Palácio do Planalto.

A propósito, é de pasmar a informação de que a decisão do ministro Toffoli, presidente do STF, de adiar sine die o julgamento da prisão de condenados em segunda instância pelo pleno daquela corte superior decorreu de fortes pressões da cúpula militar do País. Quero crer que as instituições militares do Brasil têm compromisso com os interesses maiores da Nação, de modo que a manifestação insólita de (sic) “lobos solitários” precisa ser isolada veemente e exemplarmente, sob pena de ver o país-continente naufragar em seu legítimo projeto de potência pacífica e democrática.

Claudicar ante uma avalanche de sucessivos atropelos constitucionais cometidos por quem deveria guardar a Constituição Federal já é bizarro, mas chega a ser um absurdo assistir a um ato flagrante de violação de prerrogativas constitucionais explicitamente asseguradas sem que algum par se manifestasse oportunamente, no intuito de cessar de imediato toda e qualquer tentativa de aventura golpista. Gênese de algum novo regime de arbítrio (ou exceção) a ser implantado pode até habitar o imaginário funesto de algum saudoso dos anos de chumbo, mas daí para tornar realidade é outra questão. Eles não passarão...

Ahmad Schabib Hany

LAMENTO INFORMAR, MAS IMBECILIDADE MATA...


LAMENTO INFORMAR, MAS IMBECILIDADE MATA...

Desculpem o palavrão, é que não há um termo mais preciso. A imponderabilidade (imprevisibilidade) é o que torna a História fascinante. Tal como a Vida, a História talvez tenha nessa característica sua maior peculiaridade. E sua origem está na conduta da própria espécie humana, essa cujos doutos se atreveram a sentenciá-la como a mais inteligente das espécies do reino animal.

Pois bem. É a humanidade a que torna sedutora sua trajetória, repleta de avanços e recuos, ao longo de milênios, por conta de seu comportamento, pretensamente evolutivo. Só que nem sempre está em evolução. Há os momentos em que a imbecilidade -- talvez mais elegante o termo adotado pela crônica esportiva quando do inimaginável 7 a 1 da seleção alemã de futebol sobre a brasileira, o tal “apagão” -- toma conta, e não há nada que possa evitar ou dar jeito a suas nefastas consequências.

Que seja “apagão”, então, o que tenha tomado conta da (sic) “maioria silenciosa” brasileira em outubro de 2018, em que um autoconfesso “não vocacionado” (ou seria despreparado?) sagrou-se presidente, para que agora toda a população da maior democracia do mundo se encontre na berlinda.

E aí não há qualquer exagero: risco de perda da soberania nacional (vide entrega do patrimônio nacional, “com Supremo, com tudo”, aos Estados Unidos, desde a Base de Alcântara ao Pré-Sal, o Aquífero Guarani, a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado, a Mata Atlântica, a Caatinga e a Amazônia Azul, inclusive empresas estratégicas como a Petrobrás, a Eletrobrás, Banco do Brasil, BNDES, Caixa Econômica Federal, Correios...

E se isso fosse pouco, o que dizer da perda de direitos conquistados com muito sacrifício pelas gerações anteriores, consignados magistralmente na Constituição Cidadã pelos constituintes dirigidos pelo saudoso Doutor Ulysses Guimarães, o terror de canalhas como o nefasto coronel Brilhante Ustra e outros torturadores jamais devidamente punidos, heróis de bizarros seres saídos da caixa de Pandora do golpe de 2016?

O mais triste disso tudo é a sensação de impunidade e leviandade decorrente do (sic) “empoderamento” de milicianos e jagunços de toda sorte, togados ou não, consagrados ou não, fundamentalistas ou não, travestidos de justiceiros ou não, que subverteram a ordem democrática e procrastinaram o Estado de Direito. Levamos décadas para, com muito esforço, consolidar a Democracia por um breve hiato da História, e hoje vemos todos os valores cativos da humanidade serem diluídos sordidamente, impunemente.

A quem recorrer, cara pálida? Nem os povos originários, nem os afrodescendentes foram poupados deste desvario. Os milhões de assalariados e de desempregados que puderam melhorar suas condições de vida por meio de políticas públicas construídas no processo de elaboração da Constituinte de 1988 e efetivadas sobretudo nos mandatos de Itamar Franco, Lula e Dilma Rousseff, foram condenados à indigência por fantoches do (sic) “mercado”, seres desconhecidos que, de repente, aparecem como as grandes eminências pardas de um mandato desastrado, destinado à desintegração da Nação e à entrega de suas riquezas aos abutres de um império decadente.

Enquanto isso, os poucos sobreviventes das gerações que venceram a ditadura de 1964 tentam resistir aos gendarmes do apocalipse, mas têm a sua ira santa desautorizada por alguns ex-companheiros arrependidos que aderiram à “pós-modernidade” e aparecem com um discurso amarelado, acovardado, querendo justificar sua claudicação, recorrendo aos mais cínicos dos argumentos, baseados na suposta discussão da “narrativa”, quando se sabe que a História é um processo constituído de um conjunto de fatores interdisciplinares em que a economia e a luta de classes são determinantes, gostemos ou não.

Imbecilidade mata, sim, porque é mãe de todas as tiranias: dos milicianos, dos funcionários públicos corruptos, das organizações criminosas, dos facínoras nostálgicos do fascismo canalha, dos xenófobos, dos pedófilos, dos misóginos, dos homófobos, dos feminicidas, dos infanticidas, dos agentes do Estado cooptados pelo império decadente e dos hipócritas moralistas que se refugiam numa interpretação fundamentalista das religiões milenares, quaisquer que elas sejam.

Mas, não percamos a esperança, pois, como o poeta sabiamente o disse em tempos igualmente cruentos, “a História é um carro alegre, cheio de povo contente, que atropela indiferente, todo aquele que a negue...” (Chico Buarque e Pablo Milanés, 1972).

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Livro lança luz ao baixo clero do tráfico em narrativa impecável

Livro lança luz ao baixo clero do tráfico em narrativa impecável


Por Aline dos Santos*

MULAS (editora Kan, 90 páginas) é uma obra de ficção com o gosto acre da realidade.
Na semana em que leio essa nova obra de Luiz Taques, um letonês, assim mesmo sem nome, aparece na fotografia de rosto borrado, trajando apenas cueca e com pacotes de cocaína amarrados ao corpo.
Terminou em prisão a tentativa de deixar Mato Grosso do Sul, com uma boa porção do rentável pó.
Tal qual no livro, mulas são seres desprovidos de nomes, no baixo clero da hierarquia do tráfico transnacional de entorpecentes.
Mas, diferente da realidade, as MULAS de Taques são seres com M maiúsculo. Na literatura, os ‘mulas’, que de tanto serem lugar-comum nos noticiários, já passam até despercebidos, ganham corpo, história, protagonismo.
E, nesta novela, alçados aos statusde seres humanos, eles, ‘os mulas’, deixam de ser apenas animais de carga, para que conheçamos seus anseios e suas fraquezas.
De ponta a ponta do livro, numa teia de histórias, acompanhamos a saga da bolivianinha, presa fácil na fronteira Oeste do Brasil, em que passos dividem Corumbá da Bolívia.
Taques nos faz sentir o calafrio de quem leva no estômago uma fortuna medida em cápsulas de cocaína.
A grande aposta em fazer dinheiro, o medo de morrer no caminho caso simplesmente o invólucro se rompa, a certeza de que seu próprio contratante possa informar aos policiais, sobre seu tipo físico até a cor da sua roupa.
Porém, nem só de miseráveis se tece uma narrativa sobre a cocaína.
O pó também ganha sua faceta de sedução.
Taques não nos deixa esquecer que a droga, a qual custa R$ 20 mil o quilo, também precisa de público endinheirado, como quem sai dos grandes centros, para o consumo em Corumbá.
MULAS é uma narrativa implacável.
Não poupa o bandido, o usuário, a polícia, a Justiça e nem a consciência do leitor.

Acir Alves foi fotografado pela filha Brisa Alves.
          
  CAPA
Um bom livro precisa ter uma boa capa.
A novela MULAS tem uma bela e refinada capa.
E ela foi criada por Acir Alves, um sul-mato-grossense de Campo Grande.
Acir Alves é ilustrador, quadrinista e artista plástico.
Sua trajetória profissional tem sido, em grande parte, dedicada às ilustrações publicitárias.

           


*Aline dos Santos é jornalista e poeta.

SERVIÇO:
LIVRO: “MULAS”
AUTOR: LUIZ TAQUES
PUBLICAÇÃO: 2019
EDITORA KAN
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