Gonzaga,
formador de repórteres e comunicadores
Repórter especial do Jornal
do Brasil, Luiz Gonzaga Bezerra foi o
generoso redator-chefe que, mais que chefe, era um humilde líder e talentoso e
incansável repórter que atuou como garimpador e lapidador de talentos,
sobretudo repórteres e comunicadores, na Corumbá da década de 1970.
O talentoso Jornalista Edson Moraes é a prova mais
eloquente da inesgotável capacidade de revelação, lapidação e preparação de
grandes talentos nas áreas do Jornalismo, cultura e comunicação do saudoso
Jornalista Luiz Gonzaga Bezerra, repórter especial do Jornal do Brasil trazido a Corumbá por Daniel de Almeida Lopes,
diretor-geral do Consórcio Corumbaense de Comunicação (CCC), que existiu em
Corumbá no início da década de 1970 para promover os políticos da Arena e
combater a popularidade crescente de Cecílio de Jesus Gaeta, da oposição.
Nascido em Minas Gerais, Gonzaga é o pivô da
transformação de um projeto enviesado em uma usina reveladora de talentos e
responsável por ter contribuído para a modernização da imprensa nos confins do
Brasil num tempo de censura e repressão dos dois lados da fronteira: tanto o
Brasil como a Bolívia tiveram sua jovem democracia interrompida no fatídico ano
de 1964 (abril no Brasil e novembro na Bolívia) e os novos donos do poder
precisavam mostrar prestígio junto a uma opinião pública exigente e uma
juventude inquieta desde o início do século XX.
A lista dos talentos revelados é bem maior do que
a que conhecemos: Edson Moraes, Gino Rondon, Juvenal Ávila, Augusto Malah,
Ademir Lobo, Marluce Brasil. Embora o Consórcio Corumbaense de Comunicação fosse
integrado pela Rádio Difusora Mato-grossense S/A (ZYA-2, 1.490KHz), matutino O Momento, vespertino Folha da Tarde e semanário Correio de Corumbá, o caráter colaborativo
e solidário da categoria em Corumbá acabou por replicar o desenvolvimento de
todos os meios de comunicação à época. Assim, a Sociedade Rádio Clube de
Corumbá Ltda. (ZYX-29, 1.410KHz) e o matutino independente Diário de Corumbá, coirmãos mais que concorrentes, acabaram
usufruindo dos ganhos advindos dessa aventura. Até porque os profissionais das
emissoras de rádio e jornais tinham uma relação de amizade (e até de parentesco),
própria do modo de vida pantaneiro.
Corumbá, desde o primeiro quartel do século XX,
era celeiro de grandes repórteres. Quem poderia imaginar que o benfeitor e
advogado Gabriel Vandoni de Barros, cujo acervo doou em vida ao estado de Mato
Grosso do Sul no primeiro ano do governo democrático de Wilson Barbosa Martins,
fora o único repórter brasileiro a entrevistar o então capitão rebelde Luiz
Carlos Prestes durante sua passagem por Mato Grosso na emblemática Coluna
Prestes? Pois é. Isso nossa oficiosa historiografia regional vive a escamotear,
ainda que o Professor Valmir Batista Corrêa tenha obtido essa confirmação do
próprio Doutor Gabi nos idos dos anos 1970. Da mesma forma que escamoteou a
doação de vultosas quantias ao Hospital de Caridade (que financiaram a
construção da nova ala do nosocômio de Corumbá nos idos de 1930) pelos
integrantes da Coluna Prestes quando de sua repatriação, como reconhecimento
pela acolhida hospitaleira (a placa, durante o regime de 1964, foi retirada da parede
da Santa Casa pelos novos ‘donos do poder’, pois, como inimigos da memória,
censuraram, apagaram e difamaram todos os que contrariassem seus pouco nobres
interesses).
Merecedor da confiança do Jornalista Daniel Lopes,
ex-correspondente em Cuiabá de O Globo
(então vespertino oficioso da ditadura), o ex-repórter especial do Jornal do Brasil tinha carta branca do
colega para introduzir todas as inovações que desejasse, mas sem interferir na
linha editorial, razão de ser do CCC. Gonzaga, de cara, fez as transformações
gráficas que achava pertinentes, tendo criado novas sessões e introduzido o
conceito de ‘editorias’ na Folha da Tarde,
o jornal que, pelo horário de fechamento e circulação, lhe pareceu mais
adequado para ser carro-chefe da modernização dos meios integrantes do
consórcio.
Gonzaga convenceu Lopes a contratar alguns pratas
da casa para o meio impresso. Edson Moraes, revelado na Clube, passou para a
Difusora não só na locução, mas como repórter de faro singular, que o
redator-chefe já havia sondado. Pouco a pouco, diversos nomes da emissora
coirmã foram para o CCC, mas como empregados das respectivas firmas constantes
do contrato constitutivo desse novo status, sem perderem sua personalidade
jurídica (na época CGC, hoje seria CNPJ). Primeiro eram contratados pela
Difusora, depois passavam a integrar a equipe da Folha da Tarde ou de outro impresso integrante do grupo, para o
qual foi criado o semanário esportivo SóSports,
além das edições experimentais da Folha
da Noite e, em projeto, a Folha da Manhã
(com o cuidado de não melindrar os donos do carrancudo O Momento, de gênese udenista).
Enquanto Daniel Lopes focava na expansão dos meios
do consórcio (adquirindo linotipo, clicheria, belinógrafo e impressora, e
criava a Agência Mato-grossense de Imprensa, AMI, a primeira agência de
notícias de Mato Grosso), Gonzaga se ocupava com a qualidade jornalística dos
meios. Escolhida como laboratório, a Folha
da Tarde foi a que se beneficiou das inovações. O trabalho era feito em
equipe, cuja pérola era Edson Moraes, que logo passou a ser redator de nova
coluna, No bolso do repórter, algo
parecido à Coluna do Castello, do Jornal do Brasil. O coirmão Diário de Corumbá (inovador que fora com
Coluna da Tia Fifina, muito lidas, em
que o próprio fundador, Carlos Paulo Pereira, se permitia comentar fatos do
cotidiano da cidade ou região), para não ficar atrás, criou a Ronda Policial, em que o jovem repórter
e locutor Roberto Hernandes foi dos primeiros redatores (nessa época o jornal
da Antônio João contara com uma plêiade de renomados Jornalistas, entre eles o querido
Amigo-Irmão Adolfo Rondon Gamarra, além de Jorcêne José Martinez, Onésimo Vale
do Espírito Santo Filho, Adelson Miguel Navarro e Clarimer da Meira Navarro).
O Professor Octaviano Gonçalves da Silveira
Junior, docente das Escolas Estaduais Santa Teresa e Julia Gonçalves Passarinho
e do Centro Pedagógico de Corumbá (da Universidade Estadual de Mato Grosso),
que fora revisor e foca quando jovem na Folha
de S.Paulo (ele era sobrinho da renomada crítica de tevê Helena Silveira,
colunista da Folha Ilustrada), chegou
a agendar palestras para os alunos com Daniel Lopes, Luiz Gonzaga e Edson
Moraes, mas curiosamente foram canceladas e ele não mais tocou no assunto. O
contexto político tinha essas imprevisibilidades. Uma década mais tarde, como
apoiador do Professor Jair Madureira, candidato a reitor da UFMS foi portador
da demanda pela criação do curso de Comunicação, durante o VII Seminário de
Ensino, Pesquisa e Extensão (SEPE), quando foi iniciada a articulação da oferta
desse curso na então única universidade pública do estado.
Conheci Gonzaga em 1975, graças ao querido
Amigo-Irmão Juvenal Ávila, que já me havia apresentado o Amigo-Irmão Edson
Moraes (então, ele assinava Edson de
Moraes). Juvenal, na época, era diretor musical na Difusora e depois das aulas
no Julia Gonçalves Passarinho (estudávamos no período vespertino), o hoje
Professor aposentado João de Souza Alvarez (na época repórter fotográfico) e eu
acompanhávamos Juvenal até a rádio para conhecer a dinâmica da seleção musical.
Numa dessas idas, Gonzaga ainda não havia deixado seu local de trabalho (como
redator-chefe, depois de fechar a edição do vespertino, preparava a pauta de
edição seguinte e selecionava as principais notícias do teletipo da AFP
(Agência France Presse) para o ‘Rotativa Noticiosa’, em suas quatro edições
diárias, do final da noite, da madrugada, da manhã e do meio-dia.
Humildade, faro jornalístico e generosidade em
Gonzaga caminhavam juntos. Atolado de trabalho, dera atenção a um adolescente
curioso, cheio de perguntas, a maioria delas por certo descabidas. Deu-se ao
trabalho de não só conversar sem pressa como de explicar o passo-a-passo da
produção das matérias que comporiam a edição daquele dia. Levou-nos até a sala
onde estava instalado o teletipo da France Presse (o consórcio foi o primeiro a
contratar os serviços jornalísticos de uma agência estrangeira), em espanhol.
Só anos mais tarde, quando lhe perguntei por que a contratação do serviço em
espanhol se a AFP tinha material em português, ao que me respondeu que foi de
propósito, para driblar a censura, tanto que a Difusora foi a primeira emissora
em todo o estado a dar a notícia do assassinato do rei Faisal, da Arábia
Saudita, em 25 de março de 1975.
Nas próximas semanas traremos alguns fragmentos
sobre o legado dessa aventura pouco ‘católica’ patrocinada pelos ‘donos da
Arena’ durante os anos de chumbo numa cidade em que ainda vicejavam os ares do
cosmopolitismo e da apoteótica diversidade cultural daquele que fora entre as
décadas de 1870 e 1950 o entreposto comercial de importância continental nas
águas interiores da América do Sul e que, com a inauguração das estações
ferroviárias da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB) e da Red Oriental
da Empresa Nacional de Ferrocarriles (ENFE) no perímetro urbano de Corumbá na
metade do século XX, o coração do Pantanal e da América do Sul ganhou uma
sobrevida de meio século, até a privatização da ferrovia, em meados da década
de 1990.
Discreto e humilde, Luiz Gonzaga não revelou as
razões que o fizeram mudar-se para a futura ‘Novacap’ nas muitas oportunidades
propiciadas pelo processo de fundação da Associação Profissional dos
Jornalistas de Mato Grosso do Sul, na sede da Casa Sindical criada pelo saudoso
Amigo-Camarada José Rodrigues dos Santos, então líder fundador do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Campo Grande (situada à rua Saldanha Marinho, bairro
Amambaí, a poucas quadras do Terminal Rodoviário Heitor Laburu). O então futuro
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul, que teve como
primeira presidente a Jornalista Ecilda Estefanello, tinha o saudoso Jornalista
Luiz Gonzaga Bezerra entre os membros do Conselho Fiscal, pois assim ele dava,
discreta e humildemente, suas contribuições para a organização da categoria até
1987, quando se eternizou enquanto se preparava para mais um dia de trabalho.
Ahmad
Schabib Hany
Um comentário:
Em tempo: tive que repostar o texto por conta de três erros terríveis (e porventura haja outros, não é de se duvidar), uma regência verbal errada e duas trocas de nome de ruas (uma em Corumbá, da sede do "Diário de Corumbá", e a outra, em Campo Grande, da sede da Casa Sindical, articulada pelo querido e saudoso Amigo, Irmão, Companheiro e Camarada José Rodrigues dos Santos, líder, fundador e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campo Grande, que abrigava, além de seu sindicato, o dos Jornalistas, o dos Metalúrgicos, o dos Enfermeiros e o dos Trabalhadores da Alimentação). A Casa Sindical merece um documentário, bem como a história de Vida e lutas do querido Senhor José Rodrigues dos Santos, cujo centenário de nascimento foi celebrado em 5 de janeiro de 2023.
Postar um comentário