O
Brasil sob as cinzas da Cinemateca e os laços neonazistas
No final de tarde desta
quinta-feira, incêndio no galpão da Cinemateca Brasileira transforma em cinzas
documentos, imagens equipamentos da extinta Embrafilme. Essa tragédia que
acabou com um acervo de cem anos do cinema brasileiro ocorreu dias após o ex-capitão
ter sido flagrado em relações espúrias com neonazistas ‘de pedigree’ pelo
interior e exterior do País.
Uma semana depois do apagão da Plataforma Lattes,
responsável pelo cadastro oficial de pesquisas e pesquisadores brasileiros, e o
risco de perdermos a soberania científica nacional, cá nos vemos às voltas com
um incêndio com características no mínimo curiosas: três salas do galpão da
Cinemateca Brasileira, no final da tarde desta quinta-feira, dia 29, foram
reduzidas a cinzas com centenas de milhares de documentos, filmes e
equipamentos da extinta Empresa Brasileira de Cinema (Embrafilme), um acervo único
com mais de 100 anos da história do cinema no País.
Sou da geração que aprendeu muito, que ‘descobriu
o Brasil’, com o cineclubismo -
e aí faço um agradecimento sincero aos Amigos que me deram essa oportunidade
assim que ingressei na FUCMT, em Campo Grande, hoje quase todos docentes
universitários bem realizados, por seus próprios méritos: Amarílio Ferreira
Junior, Paulo Roberto Cimó Queiroz, Mário César Ferreira, José Carlos Ziliani,
Marisa Bittar, Tito Carlos Machado de Oliveira, Paulo Marcos Esselin, Mário
Sérgio Lorenzetto, João José de Souza Leite, Paulo Eduardo Cabral, Yara Brum
Penteado e Luiz Salvador de Sá -,
daí que Embrafilme foi, sim, uma usina de talentos que, com arte, graça,
talento e irreverência, abriu os horizontes das amplas maiorias cerceadas de
liberdade pela censura imposta pelo regime de 1964, sobretudo a juventude
desassossegada, ávida de conhecimento e de novos horizontes.
O incêndio que destruiu todo o acervo em
audiovisual e documentos da Embrafilme não parece ter sido casual. Ou melhor,
não foi casual. Não se trata de acusação leviana, aliás, recorrente entre os
atuais ocupantes dos principais cargos do País. O proceder que caracteriza a
gestão em curso, em que o aparente abandono é marca registrada, só pode levar a
tragédias como essas. Os fatos falam por si: há menos de duas semanas o
Ministério Público havia advertido o governo federal sobre o risco de incêndio
por conta do abandono, a despeito do compromisso do gestor federal de assumir
em 45 dias seu dever de cuidar do patrimônio cinematográfico nacional, vencido
no início deste mês.
A subalternização da Cinemateca Brasileira, cujo
contrato de gestão com a Fundação Roquete Pinto (do Ministério da Educação)
venceu e não foi renovado desde 2019, está devidamente constatada não apenas
com o corte de verbas previstas nas rubricas do orçamento público como pelo
abandono institucional explícito: a precarização das instalações desde 2016 vem
produzindo uma sucessão de perdas irreparáveis causadas por incêndios e
enchentes que poderiam ter sido evitados.
Além disso, o indisfarçável desapreço pela
cultura, pelas artes, pelo conhecimento, que eles chamam de mecanismo de ‘aparelhamento’,
quando na verdade são oportunidades únicas de libertação, emancipação, de
milhões de pessoas dos grilhões da submissão, da ignorância, da subserviência,
da opressão, do mandonismo e da opressão. Inclusive dessa sectária medieval,
travestida de fundamentalismo neopentecostal, em que tudo que não é como seu
dogma recebe o tratamento obscurantista de herege...
O escárnio com que este (des)governo trata a coisa
pública é de causar indignação. Seu misto de negacionismo e fundamentalismo
contumaz está destruindo, em efeito cascata, as bases da identidade nacional, do
patrimônio cultural, da riqueza da cativante diversidade e pluralidade que faz
do Brasil um país cosmopolita por natureza. Creditar à fatalidade o abandono
deliberado de tudo aquilo que é sagrado é caçoar da inteligência coletiva de
uma nação de luto.
A necropolítica está assumindo contornos de
crueldade requintada. Até quando teremos que fingir que crimes de lesa-pátria
como esse não ‘acidentais’? O nazifascismo está se assenhorando do porvir de
uma das maiores potências mundiais e, como se nada de fora da ordem houvesse, a
‘opinião pública’ permanece plácida, inerte...
Mais de meio milhão de vidas humanas perdidas, nas
cidades, campos, florestas, reservas indígenas, quilombos e favelas, com suas
respectivas histórias individuais e coletivas, suas inquietudes, sonhos e
realizações. Incomensuráveis perdas de vidas em todos os reinos de seres vivos,
em sua maioria ainda não identificados pela ciência, nos biomas atingidos pelas
queimadas impunes (Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e
Chaco). Desmonte criminoso dos sistemas que garantem a soberania nacional nas
áreas tecnocientífica e cultural (INPE, INPA, IPHAN, CNPq etc). Entrega de
empresas estratégicas brasileiras (estatais e privadas) aos concorrentes
transnacionais, verdadeiros abutres, financiadores do golpe de 2016, entre
tantas outras perdas.
Enquanto outros povos do Planeta se encantam com o
esplendor cultural, étnico, ambiental, mineral, hídrico, econômico e
territorial, as sucessivas tragédias -
irreparáveis, enfatize-se, porque não há como recuperá-las -, por
ação ou omissão, empobrecem um porvir modelar, paradigmático. Uma nação que já
havia se encontrado e conquistado seu lugar no concerto das nações, vocacionada
para liderar uma nova era, de multilateralismo e pacifismo. Mas que o
servilismo de parcela de sua elite econômica e de corporações de abutres e
quadrilhas de fora de lei (milicianos, jagunços, parasitas, sanguessugas, grileiros,
garimpeiros, madeireiros, sonegadores, vendedores de sentenças judiciais,
mercadores de fé e vidas humanas e serviçais do império maldito) formaram o
consórcio do genocídio e, com destreza e despudor, aniquilam o gigante
adormecido.
Mais um gentil oferecimento da alcateia de facínoras
que tomou de assalto os destinos da nação. A maioria desses recalcados, na
acepção de Sigmund Freud, deveria ter sido interditada, colocada em camisa de
força, para não causar mais estragos irreparáveis ao Brasil. Na verdade, para
os nazistas, eles estão acima de todos e seu projeto de nação está acima de
tudo, o resto é farsa, como todas as juras que fazem quando são pegos de calças
curtas, ou melhor, são pegos com seus fétidos glúteos expostos diante de seu
crime inconfessável...
Agora, sim, é hora de parar essa sangria. Cada dia
protelado, maiores serão os prejuízos que as futuras gerações terão. A razão
clama por justiça. A história, por resgate. O Povo (com letra maiúscula), a
verdadeira razão de ser do Estado de Direito, por soberania.
Ahmad Schabib Hany
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