terça-feira, 25 de agosto de 2020

DONA SEBASTIANA DA SILVA E MÁRIO MÁRCIO MALDONADO KATURCHI (IN MEMORIAM)

 

Como lidar com tantas perdas nestes tempos de pandemia?

 

Em menos de uma semana, Dona Sebastiana da Silva e Mário Márcio Maldonado Katurchi se eternizaram em meio à pandemia. As famílias queridas de Anísio Guató e de Seu Jorge Katurchi perdem referências que, cada qual ao seu modo, marcaram seu tempo com sua identidade, comportamento e trajetória de Vida. E deixaram um vazio que não será preenchido ao longo de nossas existências...

 

Tempos adversos estes em que vivemos. Na mesma semana em que fomos impactados pela eternização de Dona Sebastiana da Silva, Mãe do Amigo Anísio Guilherme da Fonseca, depois de resistir a uma série de problemas de saúde ao longo dos últimos dois anos, chega-nos a notícia de que o Amigo Mário Márcio Maldonado Katurchi, Filho do igualmente querido Amigo Seu Jorge José Katurchi, depois de sobreviver à covid-19, foi ao encontro das saudosas Dona Anna Thereza, Dona Rosa Maria e Dona Amélia, por causa de sequelas irreversíveis da parada cardíaca que o mantiveram em coma por várias semanas.

 

As duas famílias Amigas vivem o luto em meio a esta pandemia. Anísio está inconsolável. Dona Sebastiana, uma verdadeira Matriarca Guató, nascida, como ele mesmo costuma dizer, à beira do Rio Taquari, e de cujo sagrado ventre trouxe ao mundo uma geração de valorosos pantaneiros, incansáveis resistentes às agressões aos povos originários, à cultura ancestral e ao bioma do Pantanal, como nunca submetido a labaredas criminosas que impunemente incendeiam a diversidade de seres vivos e de culturas tradicionais e contaminam com o veneno das queimadas o ar que respiramos. Com a firmeza da aroeira e a delicadeza das pétalas dos ipês, Dona Sebastiana viverá nos corações valentes dos descendentes dos povos canoeiros do Pantanal, a semear o lindo porvir pelo qual a Matriarca-mor, Dona Josefina Guató, deu a própria Vida.

 

Da mesma forma, Seu Jorge Katurchi, do alto de seus quase 94 anos, está desolado. Sua inabalável devoção por Nossa Senhora e Santa Terezinha foi posta à prova, tamanha a dor da inimaginável separação de Mário Márcio. Nesses mais de dois meses de agonia por notícias do Filho mais novo, sua fé se fortaleceu, trazendo para junto de si Santo Tomás de Aquino e São Francisco Xavier, além de resgatar de sua longeva memória cantigas de ninar que Dona Amélia cantava aos Filhos e Netos, algumas em espanhol, em árabe e em português, e sem esquecer-se do Hino a Corumbá, uma de suas maiores paixões, depois da Família, obviamente. Sábio, Seu Jorge sabe que Mário Márcio agora se tornou saudade e seu dever de verdadeiro Patriarca o chama para o compromisso com José Eduardo, Tereza Cristina, Zequinha, Camila e Marina.

 

Como lidar com tantas perdas nestes tempos de pandemia? O grande mestre Paulo Freire já o disse, que a vida não carece de ensaio. Afinal, não é espetáculo, e não tem marcha à ré. Corações valentes têm direito de chorar, viver o luto, para depois retomar a luta sagrada, em que o amor, e somente o amor, vence, supera adversidades e transforma horizontes nebulosos em manhãs radiantes, em promissão. Que as queridas Famílias hoje enlutadas, de Anísio Guató e de Seu Jorge Katurchi, por meio da imorredoura saudade e da inesgotável fonte do amor ao próximo, possam encontrar a resignação necessária e a esperança nas próximas gerações para, como fênix pantaneira, renascer das cinzas e da dor para celebrar a Vida.

 

Ahmad Schabib Hany

segunda-feira, 13 de julho de 2020

DONA LIANE, SINÔNIMO DE DIGNIDADE...


Dona Liane, sinônimo de dignidade...

A disseminação virulenta do ódio e da intolerância como pano de fundo do assassinato com requintes de crueldade de uma incansável mulher que trabalhou com honradez e dignidade até as horas derradeiras de sua exemplar existência.

Por meio de um telefonema emocionado do Amigo Augusto Antelo, sogro de um parente da vítima, é que recebo a trágica notícia do cruel assassinato de Dona Liane Arruda, a incansável proprietária da Espeteria Darmanceff, há décadas referência de frango assado em Corumbá, e nos últimos anos concorrido “point” para os degustadores do bom espeto pantaneiro.

Como num filme, me reportei ao final da década de 1980, quando vivíamos ainda o caos na economia provocado pelos sabotadores do Plano Cruzado (1986). No mesmo endereço em que se encontra hoje a espeteria funcionava havia décadas o armazém Darmanceff, do ex-sogro de Dona Liane, então recém-casada com Estêvão, para onde fui comprar caixas de água mineral em garrafas pet, pois as distribuidoras de bebidas se recusavam a vender o produto, com preço controlado, ainda engarrafado nas antigas embalagens retornáveis de vidro.

Fui atendido, com a gentileza e educação que marcaram sua existência, pela jovem nora de Seu Darmanceff, a quem sempre fiz questão de chamar de senhora. Os anos passaram mas permaneceram a cordialidade e a discrição, creio que unânimes entre os que tiveram a sorte de haver encontrado uma pessoa que, sem exagero, dignifica a espécie humana, sobretudo nestes mesquinhos tempos de tanto ódio, intolerância e preconceito.

Ao retornar de Campo Grande, em um período em que trabalhei por lá, surpreendi-me quando soube da separação do casal, mas ela continuou firme no batente, cuidando dos filhos, ainda adolescentes. Pouco antes do isolamento social, fiz contato telefônico para que reservasse um frango assado e fui pegá-lo, mas por conta de um contratempo demorei um bocado. Chegando lá, ao pegar minha compra pedi desculpas, ao que ela, com a gentileza que lhe era peculiar, me respondeu que não houve incômodo, pois era a hora da faxina.

Como toda pessoa bem sucedida que lida com produção de alimentos, Dona Liane era generosa, e se demonstrava realizada com o que fazia, com amor e dedicação. Por tudo isso, não é compreensível como alguém, em sã consciência, possa ter praticado um crime cruel, torpe e injustificável. Seja latrocínio ou feminicídio, que cabe à polícia desvendar, não há palavras para definir tamanha aberração, desumanidade e sordidez.

Aliás, desde a eleição e posse daquele que se diz presidente mas não faz mais nada que tuitar o tempo todo, os índices de violência com requintes de crueldade aumentaram assustadoramente. Não só pela sensação de impunidade, mas pela apologia ao crime com que os deslumbrados que, por vias indizíveis, alçaram ao poder não para governar, mas para destruir o Estado Democrático de Direito que nossas gerações levaram mais de duas décadas para conquistar milimetricamente.

Embora não haja relação direta, é óbvio que este contexto de bizarrices anacrônicas dignas da imaginação do saudoso Dias Gomes e sua imortal Sucupira (em “O Bem-Amado”, dos idos da década de 1970) tem contribuído para o desplante de mentes obtusas e pervertidas, ávidas de sangue, entre os pretensos justiceiros, em sua maioria praticantes de um fundamentalismo religioso que em nada segue o legado de Cristo, de oferecer a outra face em vez de praticar a lei de Talião, do olho por olho, dente por dente.

Descanse em paz, Dona Liane, e que seu exemplar legado de integridade, honradez e dignidade permaneça vívido e palpitante nos corações, mentes e atitudes destas e próximas gerações, encorajando mulheres de garra a continuar as conquistas infindáveis por uma sociedade melhor, em que a mulher não só seja protagonista, mas respeitada e efetivamente protegida, material e humanamente.

Ahmad Schabib Hany

quarta-feira, 24 de junho de 2020

ATO DE LANÇAMENTO DO COMITÊ POPULAR DE ENFRENTAMENTO À PANDEMIA


ATO DE LANÇAMENTO DO COMITÊ POPULAR DE ENFRENTAMENTO À PANDEMIA

Nesta quarta-feira, dia 24 de junho, às 17h30m, o Comitê Popular de Enfrentamento à Pandemia será lançado. É iniciativa de um coletivo de entidades, movimentos, espaços públicos não estatais e demais organizações da sociedade civil de Corumbá e Ladário (lista abaixo).

O objetivo é fortalecer a contenção da pandemia, em razão da baixa adesão da população e o crescimento vertiginoso de infectados pela covid-19. Além da mobilização de diferentes setores que se somarão ao fortalecimento das medidas restritivas determinadas pelas autoridades sanitárias do município e do estado, iniciativas de solidariedade aos segmentos vulnerabilizados e campanhas de educação popular permanente estão sendo planejadas, tomando o maior cuidado e usando a tecnologia e o distanciamento social para a sua realização.

O manifesto constitutivo, que será aprovado mediante manifestação no ato de lançamento, segue abaixo, como minuta (sujeita a eventuais alterações).

Contatos: Professora Cristiane Sant’Anna de Oliveira (whatsapp +55 67 8466-2812)


Manifesto da Comissão Pró-Comitê Popular de Enfrentamento à Pandemia

Nascida da inquietude cidadã dos/as integrantes das entidades, movimentos, coletivos, comunidades religiosas, espaços públicos não estatais e lócus signatários deste manifesto constitutivo, o Comitê Popular de Enfrentamento à Pandemia vem se somar às iniciativas de contenção e de combate à pandemia da covid-19 que tentam desesperadamente pôr fim à crescente perda de dezenas de milhares de vidas, acometimento de centenas de milhares de pessoas e mudança de comportamento aos mais 210 milhões de habitantes que conformam a população brasileira.

Somos cidadãos/ãs das mais diferentes atividades profissionais e segmentos sociais, sinceramente preocupados/as e motivados/as única e tão somente com a preservação da Vida e da dignidade de nossos semelhantes em Corumbá e Ladário (MS), sem perder de vista nossa condição de região fronteiriça, no coração do Pantanal e da América do Sul, que desde sempre acolheu todos os povos, vindos dos mais diferentes lugares do planeta, com suas culturas, tradições, crenças, concepções e propósitos.

Nestes dias difíceis impostos pelo novo coronavírus, em que precisamos cumprir com o isolamento/distanciamento social até como demonstração de nosso amor ao próximo, a maior demonstração de solidariedade e de empatia pela humanidade não é outra que a partilha de nossa esperança e determinação de que seremos capazes de superar, com serenidade e respeito ao próximo, este verdadeiro tsunami planetário.

E entendemos que isso se traduza com gestos simples, mas efetivos, de acolhimento aos/às mais vulneráveis: migrantes, pessoas em situação de rua, desempregados/as, ambulantes, camelôs, populações tradicionais (ribeirinhos/as e pescadores/as), povos originários (Guató, Ayoreo, Chiquitano), agricultores/as familiares (assentados/as e colonos/as pantaneiros/as), feirantes, microemprendedores/as e pequenos/as comerciantes que têm em suas atividades diárias seu digno sustento, a sobrevivência de si, dos/as seus/uas e dos/as que estão em volta.

Solidariedade jamais será uma palavra vã: ela traz em si histórias, atitudes e gestos sinceros de apoio incondicional, de zelo pelo bem comum, por tudo aquilo que, por ser de todos/as, parece não ser de ninguém. É em momentos críticos como este que nos damos conta que não há riqueza maior que o nosso povo, a vida de todos/as e, sobretudo, as mãos dadas de uns/umas com os/as outros/as e todos/as por todos/as.

Viemos para somar fé na humanidade, amor ao próximo, esperança no caminhar coletivo e certeza no amanhã alicerçado em um presente de comunhão, sinceridade e efetivo compromisso com aquele/a nosso/a irmão/ã que no silêncio cala sua dor, seu desespero, sua angústia pela falta de um pão, um remédio, uma acolhida. E as vítimas da violência doméstica, mulheres e crianças/adolescentes, que aumentaram com as necessárias medidas de isolamento/distanciamento a que estamos submetidos/as.

A Vida hoje nos conclama a sairmos do conforto, do descaso, da indiferença. A vermos o/a outro/a, o/a sem voz e sem vez, o/a silenciado/a, o/a de fora e o/a de dentro. A dor da fome tem nome, endereço, mas nos acostumamos a não enxergá-la, a tratá-la como intrusa. Se pensarmos bem, os/as intrusos/as somos nós, porque com nossa indiferença a cumplicidade com a dor, a miséria, a indigência, nos torna tão intrusos/as quanto os/as que as promovem, com a nossa própria complacência.

Queremos contribuir afirmativamente para o cumprimento das medidas de contenção do contágio pela covid-19. Entendemos que solidariedade não se limita à urgente entrega de donativos, mas à conscientização de que a Vida dos/as mais vulneráveis nos importa muito, e por isso receberão as orientações para se proteger da pandemia e também proteger os seus direitos.

A Vida é mais que direito, é princípio de direitos, como disse Norberto Bobbio. Por meio da educação popular, de atividades da cultura e da ação permanente estaremos contribuindo para que cidadania deixe de ser qualquer palavra e se torne sinônimo de atitude, solidariedade. Não esqueçamos Herbert de Souza, da Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida, que em 1992 nos advertiu: “Não basta dar um prato de comida, é preciso ser cidadão para conferir cidadania ao ser humano excluído.”

Muitos/as de nós estiveram nos movimentos da Constituinte de 1988, na construção do Sistema Único de Saúde (SUS), da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), do Estatuto do Idoso, do Estatuto das Cidades, do Plano Nacional de Políticas Públicas para a Mulher, do Estatuto da Igualdade Racial, das leis de inclusão sociais, educacional, racial e cidadã. Por isso, também, estaremos para defender o controle social dessas políticas públicas, como dever do Estado e direito do cidadão. Nosso compromisso é com a Vida, é com o Estado Democrático de Direito.

Corumbá (MS), 20 de junho de 2020.

Comitê Popular de Enfrentamento à Pandemia

Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF)
Sindicato Municipal de Trabalhadores da Educação de Corumbá (SIMTED)
Associação dos Docentes da UFMS – Seção Sindical (ADUFMS)
Federação dos Trabalhadores em Educação de MS (FETEMS)
Arquidiocese de Santa Cruz de Corumbá
Grupo Argos de Teatro
Observatório da Cidadania e dos Direitos Humanos Dom José Alves da Costa
Trabalho e Estudo Zumbi (TEZ)
Associação Corumbaense de Pessoas com Doença Falsiforme (ACODFAL)
Marcha Mundial de Mulheres (MMM)
Sindicato Nacional de Servidores de Escolas Federais (SENASEFE)
Movimento Indígena Guató
Trio Aroeira’s
Coletivo Feminista Classista Helieth Saffioti
Instituto de Mulheres Negras (IMNEGRA)
Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM)

RÉQUIEM PARA ROSIMEIRE, MARIO E GIAN CARLO...


RÉQUIEM PARA ROSIMEIRE, MARIO E GIAN CARLO...

No dia em que Corumbá e Ladário sempre comemoraram São João, quis a Vida chamar a nossa atenção à falta de perspectivas, de solidariedade, empatia, amor ao próximo e cidadania nestes tempos de pandemia, levando em menos de 24 horas três pessoas: uma técnica de enfermagem incansável, um comerciante boliviano atuante e um jovem cheio de sonhos. Todo(a)s com suas famílias, que ficaram a chorar a eterna saudade, a dor da ausência, a perda irreparável.

Nossos sentimentos às famílias enlutadas, que não tiveram o direito de sequer velar os seus entes queridos. Não são números. São pessoas arrancadas do convívio familiar, laboral, social, religioso, recreativo. São pessoas que deixaremos de ver em seus locais de trabalho, circulando pelas ruas da cidade, cumprimentando-nos, trocando sorrisos, simpatia, contribuindo para o progresso da humanidade...

Diferentemente que em todos os anos anteriores, que costumo acompanhar há 56 anos, este ano a noite não é para reverenciarmos São João. Vamos reverenciar a memória da técnica de enfermagem Rosimeire Ajala (44 anos), do comerciante boliviano Mario Meneces Quisbert (50 anos) e do jovem Gian Carlo (29 anos), bem como de todas as demais vítimas da pandemia de covid-19 em Corumbá e região.

No caso particular de Rosimeire Ajala, que trabalhava na Maternidade de Corumbá e no Centro de Apoio Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), uma trabalhadora da saúde sempre de bem com a vida, entusiasta e de alegria contagiante, não é clichê dizer que ela se foi no estrito cumprimento do dever, na linha de frente, como bem lembrou o querido Amigo Arturo Castedo Ardaya, velho companheiro de luta em defesa da cidadania.

Por essa razão, aliás, não é justo que profissionais que atuam na assistência às pessoas acometidas pela covid-19 se contaminem, corram risco e venham a perder a vida por causa de negacionistas fanáticos que propagam o vírus com arrogância e sem qualquer sentimento humano. Se fizermos as contas, o surto que se manifesta agora tem relação direta com as aglomerações ocorridas três semanas atrás, um descumprimento acintoso, com a arrogância de quem não “está nem aí”...

Nosso repúdio aos irresponsáveis que disseminam esse vírus sem qualquer noção de respeito e civilidade. Enquanto a maioria se esforça a permanecer confinada, abrindo mão de sua própria liberdade para conter a transmissão da covid-19, esses seres saídos da caixa de pandora, sem um mísero sentimento por si e pelo/a outro/a, afronta sórdida e criminosamente as medidas restritivas em defesa da vida e da saúde coletiva.

E, a bem da verdade, a razão dessa “desobediência civil” tem nome, sobrenome e endereço completo. São os “novos” empoderados e usei aspas em novos, porque são mais velhos que andar para trás: eles nos remetem ao tempo da colonização, escravidão e pilhagem da história do Brasil, com figuras como Anhanguera, Raposo Tavares e outros não menos gananciosos , que inebriados por se espelhar nos novos inquilinos do poder, sentem-se acima da lei, da Constituição e do próprio Estado Democrático de Direito. Não são apenas inimigos da vida, mas da democracia e dos valores mais caros da humanidade que há séculos ou milênios vêm alicerçando o processo civilizatório.

Ainda bem que há advogados/as, juristas e defensores/as públicos/as impetrando ações de indenização por danos morais e materiais na Justiça para punir os bolsos (a parte que mais lhes dói) desses/as desalmados/as, indiferentes à dor do próximo. Aliás, se aquele que se diz dignitário deste país tivesse dado o exemplo logo no início como faz, e bem feito, quando homenageia um soldado que perde a vida no exercício de seu ofício, e tivesse homenageado cada profissional de saúde tombado na linha de frente em vez de banalizar esta luta , o Brasil não estaria sendo mau exemplo para o mundo, objeto de chacota nos organismos internacionais.

Ainda há tempo para mudar de atitude. Isso vale para todos/as, inclusive ganaciosos/as, que sob pretexto de se preocupar com a “economia” (na verdade com seu próprio lucro, em detrimento da vida de seus/suas funcionários/as), expõem a vida de todos/as ao risco iminente, a despeito de portarias, decretos, leis e a própria Constituição Federal. É verdade, não trará a vida da técnica em enfermagem Rosimeire Ajala, o comerciante boliviano Mario Meneces Quispe e do jovem Gian Carlo, cujos familiares e amigos/as não encontram respostas para entender por que foram arrancados/as de seu convívio e estão a chorar diante da dor infinita da eterna saudade.

Rosimeire, presente! Mario, presente! Gian Carlo, presente! E que a consciência dos/as que ficam façam jus à dedicação e amor ao próximo com que encararam a Vida.

Ahmad Schabib Hany

PS: Neste dia, às 17h30m, pela internet, cidadãos/ãs corumbaenses e ladarenses estão lançando o Comitê Popular de Enfrentamento à Pandemia, uma iniciativa de pessoas de diferentes profissões e segmentos sociais preocupadas com a baixa adesão às medidas restritivas para contenção da disseminação da covid-19 e a consequente elevação vertiginosa dos números de contágios pelo novo coronavírus.

domingo, 21 de junho de 2020

A MORTE DAS ESTÁTUAS (José Gonçalves do Nascimento)


A MORTE DAS ESTÁTUAS

José Gonçalves do Nascimento

Os protestos antirracistas que ora se propalam mundo afora, como resposta ao assassinato de George Floyd, trazem pro debate a questão dos monumentos históricos, com todas as suas contradições.

Na esteira desses acontecimentos, um bocado de monumentos públicos relacionados a figurões da escravidão tem sido deitado por terra.

Alguns chamarão isso de vandalismo, atentado ao patrimônio público, algo a ser punido nos rigores da lei.

Outros dirão que tal gesto não fará qualquer diferença, que os monumentos históricos são reflexo de uma época, e que encará-los dessa maneira não passa de mero anacronismo.

Ocorre que por trás de cada estátua se impõe uma simbologia, e é essa simbologia que lhe confere sentido e razão de ser. A estátua não encerra apenas um bloco de mármore ou de bronze; ela encarna a presença histórica de um personagem. Aquele monumento de Leopoldo II, da Bélgica, é mais do que um simples monumento. É a sacralização da figura de um dos maiores genocidas da história, responsável pelo extermínio de cerca de 10 milhões de negros.

Aos que julgam a questão como assunto menor, sem grande importância pro debate acerca da escravidão, ouso questionar por que determinadas figuras mereceram ser alçadas ao panteão da imortalidade e outras não.

A história oficial tem lado, e seu lado é o lado do vencedor. É ele quem a detém e ele quem dita o que ela – a história – deve dizer, e como deve dizer. Nesse jogo de cartas marcadas é evidente que o herói será sempre o vencedor. E na hora de erguer a estátua, o agraciado será sempre o Bandeirante “desbravador”, e nunca o indígena agredido e escravizado.

A luta contra o racismo implica também demolir - ou pelo menos repensar - os símbolos do racismo. E dentre esses símbolos estão muitos dos monumentos históricos que hoje povoam os nossos espaços públicos.

Não dá pra continuar a cultuar esses símbolos com a mesma naturalidade com que eles foram cultuados em outros tempos. Ocorre que eles remetem ao que há de mais horrendo e indigno na ação humana: a eliminação do outro, quer pela morte, quer pela supressão da liberdade.

Bom seria se no lugar desses monumentos fossem construídos equipamentos públicos voltados à promoção da justiça, da liberdade e da cidadania.

Assim começaríamos a acertar contas com a história devolvendo a cada um dos seus personagens o lugar que lhe é merecido.

20/06/2020