RÉQUIEM PARA
ROSIMEIRE, MARIO E GIAN CARLO...
No
dia em que Corumbá e Ladário sempre comemoraram São João, quis a Vida chamar a
nossa atenção à falta de perspectivas, de solidariedade, empatia, amor ao
próximo e cidadania nestes tempos de pandemia, levando em menos de 24 horas
três pessoas: uma técnica de enfermagem incansável, um comerciante boliviano
atuante e um jovem cheio de sonhos. Todo(a)s com suas famílias, que ficaram a
chorar a eterna saudade, a dor da ausência, a perda irreparável.
Nossos
sentimentos às famílias enlutadas, que não tiveram o direito de sequer velar os
seus entes queridos. Não são números. São pessoas arrancadas do convívio
familiar, laboral, social, religioso, recreativo. São pessoas que deixaremos de
ver em seus locais de trabalho, circulando pelas ruas da cidade, cumprimentando-nos,
trocando sorrisos, simpatia, contribuindo para o progresso da humanidade...
Diferentemente
que em todos os anos anteriores, que costumo acompanhar há 56 anos, este ano a
noite não é para reverenciarmos São João. Vamos reverenciar a memória da
técnica de enfermagem Rosimeire Ajala (44 anos), do comerciante boliviano Mario
Meneces Quisbert (50 anos) e do jovem Gian Carlo (29 anos), bem como de todas
as demais vítimas da pandemia de covid-19 em Corumbá e região.
No
caso particular de Rosimeire Ajala, que trabalhava na Maternidade de Corumbá e
no Centro de Apoio Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), uma trabalhadora da
saúde sempre de bem com a vida, entusiasta e de alegria contagiante, não é
clichê dizer que ela se foi no estrito cumprimento do dever, na linha de
frente, como bem lembrou o querido Amigo Arturo Castedo Ardaya, velho
companheiro de luta em defesa da cidadania.
Por
essa razão, aliás, não é justo que profissionais que atuam na assistência às
pessoas acometidas pela covid-19 se contaminem, corram risco e venham a perder
a vida por causa de negacionistas fanáticos que propagam o vírus com arrogância
e sem qualquer sentimento humano. Se fizermos as contas, o surto que se
manifesta agora tem relação direta com as aglomerações ocorridas três semanas
atrás, um descumprimento acintoso, com a arrogância de quem não “está nem
aí”...
Nosso
repúdio aos irresponsáveis que disseminam esse vírus sem qualquer noção de
respeito e civilidade. Enquanto a maioria se esforça a permanecer confinada,
abrindo mão de sua própria liberdade para conter a transmissão da covid-19,
esses seres saídos da caixa de pandora, sem um mísero sentimento por si e
pelo/a outro/a, afronta sórdida e criminosamente as medidas restritivas em
defesa da vida e da saúde coletiva.
E,
a bem da verdade, a razão dessa “desobediência civil” tem nome, sobrenome e
endereço completo. São os “novos” empoderados ─ e usei aspas
em novos, porque são mais velhos que andar para trás: eles nos remetem ao tempo
da colonização, escravidão e pilhagem da história do Brasil, com figuras como
Anhanguera, Raposo Tavares e outros não menos gananciosos ─, que
inebriados por se espelhar nos novos inquilinos do poder, sentem-se acima da
lei, da Constituição e do próprio Estado Democrático de Direito. Não são apenas
inimigos da vida, mas da democracia e dos valores mais caros da humanidade que
há séculos ou milênios vêm alicerçando o processo civilizatório.
Ainda
bem que há advogados/as, juristas e defensores/as públicos/as impetrando ações
de indenização por danos morais e materiais na Justiça para punir os bolsos (a
parte que mais lhes dói) desses/as desalmados/as, indiferentes à dor do
próximo. Aliás, se aquele que se diz dignitário deste país tivesse dado o
exemplo logo no início ─ como faz, e
bem feito, quando homenageia um soldado que perde a vida no exercício de seu
ofício, e tivesse homenageado cada profissional de saúde tombado na linha de
frente em vez de banalizar esta luta ─, o Brasil não estaria sendo mau
exemplo para o mundo, objeto de chacota nos organismos internacionais.
Ainda
há tempo para mudar de atitude. Isso vale para todos/as, inclusive
ganaciosos/as, que sob pretexto de se preocupar com a “economia” (na verdade
com seu próprio lucro, em detrimento da vida de seus/suas funcionários/as), expõem
a vida de todos/as ao risco iminente, a despeito de portarias, decretos, leis e
a própria Constituição Federal. É verdade, não trará a vida da técnica em
enfermagem Rosimeire Ajala, o comerciante boliviano Mario Meneces Quispe e do
jovem Gian Carlo, cujos familiares e amigos/as não encontram respostas para
entender por que foram arrancados/as de seu convívio e estão a chorar diante da
dor infinita da eterna saudade.
Rosimeire,
presente! Mario, presente! Gian Carlo, presente! E que a consciência dos/as que
ficam façam jus à dedicação e amor ao próximo com que encararam a Vida.
Ahmad Schabib
Hany
PS:
Neste dia, às 17h30m, pela internet, cidadãos/ãs corumbaenses e ladarenses
estão lançando o Comitê Popular de Enfrentamento à Pandemia, uma iniciativa de
pessoas de diferentes profissões e segmentos sociais preocupadas com a baixa
adesão às medidas restritivas para contenção da disseminação da covid-19 e a
consequente elevação vertiginosa dos números de contágios pelo novo
coronavírus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário