quarta-feira, 27 de março de 2024

REFLEXÃO OPORTUNA

Reflexão oportuna

A coincidência da Páscoa com o Dia da Terra e os 60 anos do golpe financiado pelos Estados Unidos em 1964 permite uma reflexão oportuna e inadiável, sem a qual a sociedade brasileira será condenada a viver de joelhos perante os abutres do império.

Primeiramente, a celebração da Páscoa pelos Cristãos em todo o mundo é uma das festividades máximas da Cristandade, como consagração do legado de Jesus Salvador, e pela Ressurreição, como Filho de Deus para salvar a humanidade. Jesus fora condenado à pena capital pelas autoridades de Roma na Palestina ocupada pelo império romano, atendendo à denúncia de Anás e Caifás, sumos rabinos em Jerusalém, ao acusá-Lo como ‘falso Messias’, e Jesus venceu a morte e ressuscitou no terceiro dia.

Esses rabinos se recusavam a aceitar a Mensagem de Jesus ao ‘gentio’ (não judeus), quando proclamava que veio para salvar todo aquele que Nele crê e terá Vida eterna. Anás e seu genro Caifás O renegaram porque, para eles, o povo escolhido, portanto a ser salvo, era só o judeu, razão pela qual decidiram denunciá-Lo a Pilatos, governador romano da Palestina. Contudo, ressuscitou e sua Mensagem foi acolhida pela maioria da humanidade, e hoje são dois bilhões e meio de pessoas pelo mundo que professam a fé Cristã, que tem no perdão, na caridade e na esperança as suas bases. Não mais ‘olho por olho, dente por dente’, mas o infinito perdão e o amor como base de sua fé generosa e salvadora.

Nas sábias palavras do Papa Francisco em sua mensagem ‘Urbi et Orbi’ de 2023, sobre a Páscoa: “Seja ela para cada um de vós, queridos irmãos e irmãs, em particular para os doentes e os pobres, os idosos e quantos atravessam momentos de provação e dificuldade, uma passagem da tribulação à consolação. Não estamos sozinhos: Jesus, o Vivente, está conosco para sempre. Alegrem-se a Igreja e o mundo, porque hoje as nossas esperanças já não se quebram contra o muro da morte, mas o Senhor abriu-nos uma ponte para a vida. Sim, irmãos e irmãs! Na Páscoa, mudaram as sortes do mundo, e hoje (dia que coincide com a data mais provável da ressurreição de Cristo) podemos alegrar-nos de celebrar, por pura graça, o dia mais importante e belo da história.”

Segundo, o Dia da Terra, importante marco da história recente do sofrido e resiliente Povo Palestino, é celebrado para assegurar a preservação da milenar História e da Cultura Palestina, sob ameaça de extinção pelas atrocidades sionistas, de triste memória. A causa imediata para a fixação dessa data foi o massacre de Al-Jahil (um em centenas desde que a generosidade palestina permitiu acolher seus algozes por terem sido vítimas de seu similar da Alemanha nazista): 48 anos atrás, em 1976, uma greve geral contra a desapropriação de terras para assentar colonos sionistas nos territórios invadidos levou à repressão e morte de seis camponeses e à mutilação de centenas de manifestantes palestinos pelos sórdidos soldados invasores.

Como na Roma de Pilatos e na Grã-Bretanha de Balfour, os Estados Unidos e a União Europeia, fiéis herdeiros desses impérios com as mãos manchadas do sangue de inocentes de todos os tempos, vivem a lucrar das tragédias dos povos oprimidos, sobretudo do Povo Palestino, que há 76 anos, pelo menos, vem sendo vítima não só de uma insólita guerra de extermínio -- mediante a estratégia bélica de terra arrasada contra bebês, crianças, adolescentes, mulheres, jovens, idosos e adultos em plena atividade econômica, se não matando-os, mutilando-os, causando-lhes traumas permanentes e dilacerando as famílias --, mas de uma sórdida propaganda -- baseada no legado de Joseph Goebbels, o nazista da propaganda de Hitler -- em que difamam sua dignidade, sua honra e sobretudo sua humanidade.

Além das mortes físicas cometidas contra inocentes de todas as idades, há mortes anímicas que sociólogos, antropólogos, psicólogos e demais especialidades da ciência precisarão se debruçar ao longo de décadas para desvelar para a humanidade as feridas abertas na alma de seres humanos que não têm culpa alguma por terem nascido na Palestina, por cujos ancestrais viverem há milênios na Terra Santa. Aliás, senhores representantes desses impérios, qual é o crime cometido pelos milhares de meninos e meninas vil e cruelmente assassinados desde antes de 1948? Por que a insistência maledicente de criminalizá-los, invisibilizá-los e desumanizá-los sádica e sistematicamente?

‘Estamos lutando contra animais e agindo em conformidade’, disse o facínora travestido de ministro da Defesa do estado sionista. Como assim? Na maioria dos países há leis de preservação e de proteção de animais silvestres e de estimação contra todas as formas de violência, mas as convenções internacionais, humanitárias e de direitos humanos e dos animais sequer são permitidas ao Povo Palestino. Por muito menos que isso -- e merecidamente, diga-se de passagem -- inúmeros réus foram condenados a penas rigorosas em todos os países cujos governantes são coniventes com o governo sionista e os protegem como protegessem um ser inofensivo e indefeso. Mas que detém um dos mais poderosos (e corruptos) exércitos do planeta, diversos órgãos de espionagem e armas nucleares de última geração.

Os crimes cometidos pela entidade sionista são comparáveis aos cometidos pelos nazistas, gostem ou não os sionistas, seus aliados e cúmplices por ação ou omissão (porque defender criminosos de guerra é crime de cumplicidade). ‘Israel’ está manchada com o sangue de inocentes, sim, desde antes de sua criação, pela ONU, sem qualquer consulta prévia aos maiores interessados, a população palestina, de 1,3 milhão de habitantes então. Se as atrocidades cometidas ao longo destes 76 anos de Nakba (tragédia palestina) já fossem causar perplexidade e repulsa, é inimaginável a carnificina nestes cinco meses e meio de sórdida violência humana à Faixa de Gaza, onde atualmente está confinada uma população de mais de dois milhões de habitantes.

Relatos de instituições como as Nações Unidas são de pasmar: a fome catastrófica (apesar dos donativos fazerem longas filas de carretas da ONU, sionistas se entrincheiram para impedir a passagem pelas estradas permitidas), o frio intenso (a primavera começou, mas as temperaturas baixas permanecem para torturar civis de todas as idades que tiveram que ir morar em tendas de lona ou simplesmente sob os escombros à intempérie), a falta de água e de higiene (o cerco impediu o acesso aos poços artesianos e redes de água potável instalados na região e a população é castigada pela falta de água para beber, preparar alimentos e se higienizar). Aliás, o relato mais recente, da ONU Mulheres, é de que Gaza já atingiu o nível mais grave de ausência total de condições de sobrevivência humana, ao ponto de mulheres estarem dando à luz sem quaisquer condições sanitárias mínimas, o que tem causado mortes de recém-nascidos e parturientes, por contaminação.

É como esses ditos ‘religiosos’ [tementes a Deus?] tratam os descendentes dos palestinos, árabes que ao longo da história protegeram seus ancestrais judeus, perseguidos pela Inquisição e outras investidas europeias vinculadas, obviamente, ao império romano e seus diversos espólios, na Idade Média e Moderna. Onde foi perpetrado o holocausto nazista? Na Europa. Onde foram perseguidos os judeus na Inquisição? Na Europa. Quem, em diversas ocasiões protegeu os judeus, inclusive durante a perseguição nazista do século XX, acolhendo-os fraternalmente? Os palestinos, árabes que desde os remotos tempos os tratavam de ‘primos’ por conta da ascendência semita, pois os árabes também descendem de Abraão, pela linha de Ismael, filho dele com Hagar, a escrava árabe que lhe deu um filho. Ou isso foi revogado de seus livros sagrados? Da Torá? Do Talmude, repleto de códigos para que o ‘gentio’ não o compreenda?

Pois é, e o Brasil também tem seus ‘representantes’ paralelos que foram ‘pedir desculpas’ ao nazissionista Netanyahu: dois inomináveis que me recuso a nominá-los, eis que não passam de fantoches, marionetes, títeres do amarelão que, fazendo jus à sua tradição de covarde, procurou ‘refúgio’ na embaixada da Hungria no início de fevereiro. Mas o passeio vai lhes custar caro, pois um grande cidadão brasileiro que tenho a honra de conhecer [cujo nome não declino, pois não consegui falar com ele até o momento em que finalizo meu texto] entrou com ação contra esses dois usurpadores da prerrogativa do Itamaraty [Ministério das Relações Exteriores, vinculado do Governo Federal] de atuar nessa seara, e não de bajuladores de genocidas que têm seus dias contados na vida pública, devendo logo voltar para a privada, de onde jamais deveriam ter saído.

O terceiro tema, ao qual já adentramos ao fazer alusão aos órfãos e viúvos da ‘redentora’, que por 21 anos submeteu o Brasil a um atroz regime com sequelas até hoje irremovíveis, trata dos malefícios de uma aventura golpista protagonizada por pelo menos dois grandes parlamentares -- Carlos Lacerda e Magalhães Pinto --, na época governadores da Guanabara e de Minas, que, na ânsia de cessar a consolidação do getulismo ou trabalhismo como força política hegemônica, ‘venderam sua alma ao diabo’, isto é, ao governo Lyndon Johnson, dos Estados Unidos, às poderosas multinacionais (como a ITT, famosa telefônica estadunidense, que repassou muitos dólares aos golpistas) e ao empresariado ‘patriota’, ou melhor, ávido de dinheiro para se locupletar com o verde do dólar e o amarelo do ouro.

Esse filme, aliás, teve um reprise, muito mal feito, e pior, tendo um neto de um grande parlamentar [eleito em 1985 primeiro presidente civil pós-ditadura militar], Tancredo de Almeida Neves, grande brasileiro, como pivô desse arremedo de golpe e que incompetente perdeu a vez para um palerma, covarde, desqualificado e, pior de tudo, incompetente. O nome? Aéreo Never, pois nunca mais chegará nem à prefeitura de sua cidade-natal. Pobre diabo. O que faltou ao golpe de 2016 contra Dilma Rousseff foi a competência parlamentar da dupla Lacerda-Pinto, em que um mobilizava e o outro articulava. Só que estes também se deram mal, muito mal, porque outros encilharam os cavalos e deixaram os protagonistas a ver... torturas! Um deles, Lacerda, morreu em circunstâncias muito nebulosas, próprias desses pseudopatriotas, quando articulava uma frente única contra a ditadura e pretendia trazer ao seu lado ninguém menos que Juscelino Kubitscheck e João Goulart, ambos igual e coincidentemente mortos em circunstâncias misteriosas, em datas próximas, quando as ditaduras filhotas do ‘tio sam’ já tinham acertado o Plano Condor.

Decorridos sessenta anos da aventura golpista de abril de 1964, cabe à sociedade civil, e a nós, individualmente, a inadiável reflexão, mais que devida, para literalmente exorcizar os fantasmas do passado, erradicar de vez os impunes malfeitores que se protegeram nas fardas de diferentes maus soldados e, finalmente, fazermos as contas com a História, em especial com as gerações futuras, que não podem viver sob o risco iminente de uma horda de desvairados, sentindo-se Napoleão dos trópicos, venham surrupiar a soberania popular, cuja construção custou Vida, muitas Vidas de gente generosa e digna, e cuja memória não pode ser mais uma vez enxovalhada.

Golpistas têm que ser presos e condenados, conforme a legislação determina. Nada de privilégios aos que, tendo a obrigação institucional, ousaram golpear o governo federal e, por extensão, todos os três Poderes da República. A hipocrisia não tem cabida aqui: ou se é autenticamente sincero, ou que os hipócritas cantem seu feitos onde quiserem. Com o necessário debate, em condições civilizadas e mediante agenda propositiva, é hora de fazer jus ao belíssimo cenário que a Natureza nos legou e que precisamos, inclusive, cuidar com todo esmero possível.

Em síntese, o Papa Francisco alertou que Páscoa tem significado etimológico de passagem, transição. Isso faz sentido com o momento vivido pela Palestina milenar e seu resiliente povo, que não se abate ainda que sob bombas armadas com uso de armas proibidas, como o fósforo branco, nem deixa abater pela propaganda vergonhosa das potências ocidentais. E o mesmo é preciso fazer pelos sessenta anos da ‘redentora’: com coragem e bastante ética, tomemos para nós o que os jovens do passado, sem qualquer temor, fizeram por nós em sã consciência e correndo todos os riscos que correram.

Ahmad Schabib Hany

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