O Estado de
S. Paulo (4 mar. 24): reportagem denuncia liberação, pelo exército, de
armas de grosso calibre a criminosos durante governo passado.
Irritação
por quê?
Há quem diga que haja muita
gente de alta patente ‘irritada’ com as sucessivas revelações de altos oficiais
do exército envolvidos na tentativa golpista de 8 de janeiro. Por quê? O
desgaste ocorreu quando os oficiais fora da lei decidiram enveredar em uma
aventura, e ponto. Uma simples questão de causa e efeito.
Uma colunista, bem intencionada até, de O Globo,
um dos jornais que se prestaram ao vil papel de porta-voz oficioso do regime de
1964, revelou que militares de alta patente estão ‘irritados’ por causa da
investigação feita pela Polícia Federal sobre o envolvimento de altos oficiais
das forças armadas na intentona de 8 de janeiro de 2023. Segundo o jornal, a
irritação decorre da maneira como a chefia da PF tem divulgado os nomes, aos
poucos, em vez de fazê-lo de uma só vez.
De acordo com jornalistas que cobrem operações
policiais, sobretudo da Polícia Federal, não há como esperar para reunir todos
os investigados e de uma só vez fazer a divulgação. O procedimento é padrão por
conta do caráter da investigação, havendo um protocolo a ser seguido, até para
não melindrar ainda mais os setores de defesa do país, acostumados a um
tratamento fora do padrão durante décadas, em especial durante todo o período
do regime de 1964.
Ora, a lei foi feita para todos, indistintamente
de ofício, profissão, cargo, setor, religião ou condição social. Neste caso,
delicado e até inusitado, é o envolvimento de militares da ativa de alta
patente, que oportuno teria sido ‘abortá-lo’ durante a preparação, não após sua
bizarra e indignante ocorrência. A gravidade não está na investigação, mas na
abjeta participação de servidores públicos de carreira cuja missão
institucional é a defesa da pátria ante inimigos externos, como bem preconiza a
Carta Constitucional de 1988. Ocorre que a caserna acabou contaminada com a
‘patriotaria’ masturbada pela turba do ‘Vem pra rua’, ‘Movimento Brasil Livre’,
‘Cançei’ (com ‘c’ cedilhado, como grafavam as damas de Copacabana e
adjacências, numa demonstração do amor superlativo pela pátria e pelo vernáculo)
e libidinosamente excitada pelas operações pirotécnicas da ‘Leva Jeito’ com o
apoio da Lobo, Abriu, Falha e Estradão, e que queriam ‘Lula vivo ou morto’.
Por outro lado, na edição de 4 de março de 2024, o
carrancudo O Estado de S. Paulo deu a conhecer um fato de
assustar os mais céticos leitores do país: no período governamental passado, o
exército teria liberado armas de grosso calibre a mais de cinco mil CACs (caçadores,
atiradores e colecionadores) que se encontravam em situação de flagrante
irregularidade. Talvez a grande maioria dos nascidos depois de 1980 não saiba,
mas esse capitão da reserva só não foi expulso pela generosidade do então
ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, que, em vez de bani-lo por
insubordinação ‘y otras cositas más’, resolveu mandá-lo para a reserva.
É bem verdade que esses senhores não são maioria
nas forças armadas e que, entre 1978 e 1988, acreditaram que, a exemplo da
impunidade dos terroristas fardados no acidente de trabalho do Riocentro em
1980, fossem protegidos pela impunidade de forma acintosa e aviltante: “Aos
amigos, tudo; aos inimigos, os rigores da lei.” Mas é bom lembrar o papel digno
de militares institucionalistas ao longo da história pátria, a começar pelo
Marechal (maiúscula, por favor!) Henrique Teixeira Lott, que por sua integridade
e coerência militar impediu que Juscelino Kubitschek de Oliveira fosse golpeado
antes de assumir.
O Marechal Lott é responsável pela posse de JK na
Presidência, e, em consequência disso, da construção de Brasília, instalação do
parque industrial automobilístico e, sobretudo, da implementação dos Planos
Quinquenais de Desenvolvimento Nacional, sob a condução do saudoso e grande
brasileiro Celso Furtado, ministro do Planejamento de JK e grande estrategista
na redução das desigualdades regionais e criação de órgãos como Sudene. E, por seu
turno, os generais Dilermando Gomes Monteiro, Euler Bentes Monteiro e o próprio
Golbery do Couto e Silva também são dignos de menção por sua postura
institucionalista, durante o governo do general Ernesto Geisel, que os levou a
enfrentar colegas do alto comando, como Sylvio Frota, Hugo Abreu, João Paulo
Burnier, Adyr Fiúza, Jayme Portella e Enio Pinheiro.
Não podemos esquecer do general Leônidas Pires
Gonçalves, um general institucionalista sabiamente indicado por Tancredo Neves
ao derrotar malufistas e demais remanescentes do regime de 1964. Graças à
firmeza e lealdade à transição democrática, Leônidas foi, ao lado do saudoso
Doutor Ulysses Guimarães, o responsável pelo pulso firme que assegurou a posse
de José Sarney como vice-presidente eleito quando Tancredo Neves fora internado
às pressas para ser submetido à série de cirurgias para curar a diverticulite
que acabou por levá-lo à morte. Não passou despercebida a intenção dos
partidários de Paulo Maluf de criar um tumulto e fraturar a Aliança Democrática
ao insistir que quem deveria assumir interinamente seria o Presidente do
Congresso Nacional, armadilha declinada por Ulysses e referendada por Leônidas,
cuja liderança na área militar era respeitada.
Insisto, há uma imensa maioria de militares de
diferentes patentes e armas que honram a farda e o juramento feito, nunca tendo
se envolvido em golpes. Tanto é verdade, que a aventura golpista de 8 de
janeiro de 2023 não vingou, a despeito da torpe insistência dos áulicos do
inominalismo, de triste memória. Puro oportunismo: tentaram transformar em
‘estadista’ um pateta totalmente despreparado e desequilibrado, sem qualquer
mérito (militar ou político) e, pior, um obscuro parlamentar do chamado ‘baixo
clero’ que por décadas a fio se comportou de maneira questionável. Ele pode ser
modelo para maus políticos, carreiristas e de mau comportamento -- mas dizer
que, independentemente de suas posições políticas, se trate de liderança de
proa é fazer piada de mau gosto.
Sem dúvida, desde a eternização de Carlos Lacerda
e Magalhães Pinto a direita lúcida e erudita está acéfala. O binômio Carlos
Lacerda -- Magalhães Pinto era, de longe, um afiado aríete que abalava as mais
sólidas estruturas institucionais brasileiras. No entanto, os dois, civis e de
convicções liberais ortodoxas, não aceitaram a fascistização do regime que
ajudaram a instalar com o golpe de abril de 1964. Embora o mineiro tivesse
traquejo fora da média, não inspirava confiança dos dirigentes da linha-dura,
pois Pedro Aleixo, vice de Costa e Silva, fora passado para trás simplesmente
por não usar farda.
Por que gente com o perfil de Urinol e sequazes da
republiqueta de ‘cornitiba’ se prestam recorrentemente a endeusar o inominável
e fazer apologia ao fascismo travestido de neopentecostalismo? Seu
comportamento à frente da ‘Leva Jeito’ o explica: em vez de aplicar a lei, ele
e seus cúmplices se dedicaram à prática da ilicitude, e para isso se valeram do
cargo fruto das conquistas da Constituição de 1988. Não nos esqueçamos de que
foi a Constituinte, com muito esforço, tendo à frente ninguém menos que o
Ministro Sepúlveda Pertence a embasar como constitucionalista a autonomia do
Ministério Público como fiscal da lei. Mas os fascistoides da republiqueta de
‘cornitiba’, entre uma ‘festa da cueca’ aqui e outro festival de orgias acolá,
prevaricaram, conspurcaram, procrastinara e, sobretudo, destruíram as
instituições em desserviço dos interesses maiores da República e do Estado
Democrático de Direito. Mas eles ainda vão pagar, e caro, por tudo o que
fizeram -- diferentemente deles, à luz da lei e da Constituição. Não perdem por
esperar.
Portanto, não cabe ‘irritação’ dos que têm como
obrigação tão-somente cumprir a lei. Há por certo para toda a cidadania,
independentemente de ofício, profissão, cargo, setor, religião ou condição
social, o direito inalienável de indignação por desmandos deliberados
reiteradamente no desgoverno passado, cujo titular não teve a hombridade de
assumir, sim, seus erros: liberação de mais de cinco mil CACs a criminosos e a
invasão depredadora aos Três Poderes. Até hoje vive a mentir, mentir, mentir,
como um verdadeiro mau-caráter de envergonhar toda a nação. Basta já de tanta
cara-de-pau: fora da lei tem que ir pro xadrez e não ficar fornicando, promiscuindo,
masturbando, atiçando, conspurcando e ameaçando os Poderes da República. Lugar
de terrorista, enfim, é na cadeia.
Ahmad
Schabib Hany
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