Agência
Mato-grossense de Imprensa, iniciativa pioneira do CCC
Entre as diversas frentes em
que o Consórcio Corumbaense de Comunicação (CCC) se envolveu, por certo a mais
ousada foi a Agência Mato-grossense de Imprensa (AMI), para a qual Daniel Lopes se
dedicara com especial afinco.
Juvenal Ávila de Oliveira, uma das revelações do
Consórcio Corumbaense de Comunicação (CCC), foi o ‘prata da casa’ que chegou
com a novidade: uma lauda com o timbre da AMI, Agência Mato-grossense de
Imprensa. Mas como periodicamente Daniel de Almeida Lopes, diretor-geral do
CCC, trazia novidades de ‘outro mundo’, a boa-nova passou despercebida para os
radialistas e jornalistas abrigados no imponente prédio com linhas entrelaçadas
de art nouveau e neoclássico em que a Rádio Difusora Mato-grossense S/A,
prefixo XYA-2, 1490 KHz, e os demais meios estavam sediados, a 80 metros do Jardim
Independência, no coração do Pantanal e da América do Sul.
É que o sucesso como jovem galã do rádio
mato-grossense no concurso de Miss Mato Grosso em Aquidauana lhe proporcionou
mais uma atividade dentro das iniciativas do CCC daquele Brasil superlativo, do
‘ame-o ou deixe-o’, do ‘ninguém segura este país’, do ‘é feito por nós’. Tudo
era grande, que os anedotários logo arranjaram um causo protagonizado por uma
personagem argentina numa farmácia paulistana. O balconista, todo ufanista, falando
ao cliente identificado como argentino, proclama: “O Brasil tem a maior ponte
do mundo [na época, a Rio-Niterói], a maior hidrelétrica do mundo [Itaipu
Binacional], o maior estádio de futebol do mundo [Maracanã]...” Diante disso, o
argentino assustado, anuncia ao balconista da farmácia sua desistência na
compra, pois queria um supositório para seu filho, ainda bebê, com temor de ser
‘o maior supositório do mundo’.
Apadrinhado e avalizado por ninguém menos que
Filinto Müller, o homem forte do regime de 1964 (presidente e líder da Arena e
do governo do general Garrastazu Médici no Senado) e, mais tarde, presidente do
Senado e do Congresso Nacional), até ter encontrado a morte no acidente com a
aeronave da Varig nas imediações de Paris, rumo ao Aeroporto Internacional de
Orly, o CCC nascera de uma ideia até bem intencionada do advogado e pecuarista
José Feliciano Baptista Neto, então sócio e diretor da Folha da Tarde e
da Rádio Difusora Mato-grossense, ao lado do médico e professor Salomão Baruki,
ex-vereador do PSD, partido de Juscelino Kubitscheck de Oliveira e Tancredo
Neves (e em Mato Grosso, de Filinto Müller, até então aliado incondicional de Getúlio
Vargas e do PTB).
A megalomania com que o CCC acabou hipertrofiado
foi fruto da obsessão de Müller por demonstrar prestígio e poder junto aos seus
correligionários logo no estado natal, onde não conseguira por duas vezes se
eleger governador, a despeito de todo o prestígio junto ao Palácio do Catete,
sede do governo federal até a inauguração de Brasília por Juscelino Kubitscheck
de Oliveira, alvo do golpismo doentio da caserna fascista desde os tempos do
Brasil Império. O que permitiu a Daniel Lopes empreender por todas as frentes
em seu projeto político-midiático nos anos de chumbo.
Leal colega e amigo, o Jornalista Luiz Gonzaga
Bezerra, ex-repórter especial do Jornal do Brasil, era a referência
jornalística para o ex-correspondente de O Globo, então medíocre
vespertino que não se constrangera ser reles porta-voz oficioso do regime de
1964, razão pela qual virou esse grande grupo de comunicação que acabou por
desbancar a Rede Tupi de Rádio e Televisão (de Assis Chateaubriant, o
emblemático Chatô), os Diários e Emissoras Associados espalhados pelo Brasil
(inclusive a pioneira Agência Nacional dos Diários Associados, ANDA), a O
Cruzeiro (por mais de 50 anos a maior revista semanal ilustrada), e décadas
depois a Rede Manchete (de Adolfo Bloch, imigrante judeu russo que implantou a
indústria de tintas gráficas no país e depois ousou competir com Roberto
Marinho na televisão), a Bloch Editores e a Manchete (por décadas a
segunda maior revista semanal ilustrada), a Editora Abril (de Victor Civita, o
maior editor de revistas, fascículos e livros da América Latina, que um dia
pretendeu possuir a sua sonhada TV Abril, mas foi sabotado pelo regime de 1964
e depois pelos seus ex-apoiadores, ligados aos Marinho).
Gonzaga, repórter ético e de grande humildade e
talento, não se entusiasmara com a ideia da Agência Mato-grossense de Notícias
(AMI), pois via a superexploração de seus colegas de trabalho na ânsia de
conseguirem ver suas matérias em outras localidades, em especial emissoras de
rádio de todo o estado de Mato Grosso, eis que eram poucas as que dispunham de
jornal impresso, sequer semanários. Até porque o número de analfabetos no
Brasil era também superlativo, apesar da propaganda do Mobral nos anos de
chumbo. Mesmo assim, acabou fazendo mais essa concessão ao parceiro de
aventura: depois do diretor-geral do CCC, era ele, como redator-chefe do
consórcio, que acabava por dirigir a AMI, para ele um investimento perigoso,
pois todo ele era financiado por Müller.
Filinto Müller era declaradamente contrário ao
movimento divisionista comandado pelos arenistas do sul de Mato Grosso, mas,
hábil político, fingia não se incomodar, até para auferir dividendos políticos
em seu estado natal. Não por acaso, designou seu sobrinho Gastão Müller para
cacique político de Três Lagoas e o aparelhou para se projetar igual a ele,
tanto que conseguiu se eleger senador por Mato Grosso com base eleitoral em
Três Lagoas, onde dispunha de um veículo, o Jornal do Povo, porta-voz
das ideias direitistas da família Müller em pleno regime de exceção.
Enquanto para Daniel Lopes se tratava de mais um
produto do pretensioso CCC, para Müller era a rede de controle político com que
mantinha sob seus olhares de lince as articulações dos correligionários, ‘pero
no mucho’, que por trás faziam seus conchavos para conseguir de qualquer
maneira a divisão do velho Mato Grosso uno, muito caro para o veterano senador
e seus projetos políticos pessoais. Bastou perder a vida em Orly em julho de
1973 para que seus ‘consternados’ correligionários corressem até Brasília para
desengavetar o projeto de criação do estado rebelde do sul dos anos 1930, chamado
de Território de Ponta Porã, e em menos de cinco anos, já sob a gestão dos
generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, se tornasse realidade.
A AMI foi concebida como uma empresa de
distribuição de notícias jornalísticas de caráter privado, mas com largo
financiamento público, como tudo que soía funcionar durante os anos de chumbo: “aos
amigos tudo, aos inimigos a lei.” A equipe original foi a do CCC, em Corumbá, e
depois foi ganhando capilaridade, como uma rede de colaboradores, em todo o sul
de Mato Grosso. Como o predomínio, então, era de rádios AM, muitas notícias
eram gravadas pelos locutores das emissoras afiliadas à AMI e enviadas às
destinatárias por meio da ferrovia que atravessava o estado, de oeste a leste
e, pelo ramal de Ponta Porã, ao sul extremo, fronteira com o Paraguai, por
malotes devidamente identificados. Na época o uso de telex, teletipo e
belinógrafo (como da Agence France Presse, AFP) era exclusivo da central,
localizada no mesmo prédio do CCC, em Corumbá.
A produção de texto era basicamente feita em
Corumbá pelo pessoal da redação da Folha da Tarde, com destaque ao
talentoso e incansável Jornalista-revelação Edson Moraes, que chegara a viajar
a Campo Grande como enviado especial para cobrir a elucidação do caso do
sequestro de Ludinho, filho adotivo da proeminência arenista Lúdio Coelho por
pessoas próximas à sua família, um dos episódios jornalísticos de maior
repercussão, ao lado do assassinato de Levi Campanhã, em que assessores do
Chefe da Casa Civil do governador Garcia Neto estavam sendo investigados. De
fato, a AMI acabou funcionando como vitrine para os talentosos Jornalistas
formados por Gonzaga Bezerra no CCC.
Juvenal Ávila, o primeiro correspondente da AMI
para uma rádio aquidauanense, conta que ainda era muito usado o sistema de
captação de notícias pelo rádio. A própria Rádio Difusora Mato-grossense, sede
do CCC, antes da constituição plena do projeto apadrinhado por Müller, tinha o
emblemático e insubstituível Pedro ‘Papito’ Gonçalves de Queiroz que fazia a ‘escutapress’,
isto é, gravava as notícias internacionais, nacionais, regionais e locais em
gravador de fita-cassete para depois redigi-las ao seu estilo para a produção
dos noticiários da emissora. E em tempos pretéritos, a velha e conhecida ‘tesourapress’,
até pouco tempo usada em larga escala nos velhos jornalões da capital, que até
hoje não perderam o ranço de que a ‘melhor agência de notícias é o copia-cola’,
e que se danem os direitos autorais e o trabalho dos Jornalistas profissionais.
Com o leilão do prédio e da concessão da Pioneira
Rádio Difusora Mato-grossense S/A e do título da Folha da Tarde (este
adquirido pela Empresa Folha da Manhã S/A, carro-chefe do Grupo Folha, da
Alameda Barão de Limeira, 25, Campos Elísios, São Paulo), muitos documentos
foram extraviados, para prejuízo da memória coletiva corumbaense. Antes da
demolição do imponente prédio da emissora, grande quantidade de discos,
documentos e jornais e revistas em português e espanhol foi descartada na
calçada. Alguns aficionados da cultura e da memória ‘garimparam’ verdadeiras
relíquias, mas a maioria do acervo de décadas foi literalmente jogado no lixo.
Além do pioneirismo, a AMI se constituiu em
verdadeiro aríete das demandas represadas das populações localizadas no sul de
Mato Grosso quando o poderoso senador Filinto Müller sai do cenário político e
no vácuo novas lideranças arenistas granjeiam apoio para seus respectivos projetos
pessoais, sob pretexto de apoiar um regime caquético, e receber as benesses do
poder em troca de três senadores pró-regime de 1964 e quatro deputados federais
apoiadores do Planalto (na verdade, cinco deputados federais, pois havia o
médico adesista Walter de Castro que desavergonhadamente votava com a Arena, a
despeito da pressão exercida pela direção regional do MDB sul-mato-grossense).
Herança da ditadura, Mato Grosso do Sul -- que se
resume a Campo Grande, a praticar a mesma conduta excludente que acusava a
Cuiabá --, tem sido verdadeira mordaça para a afirmação do protagonismo cidadão
em todo o território do estado nascido para ser modelo, e o sufocamento das
atividades jornalísticas propriamente ditas é um processo crescente e
irreversível. Todo governante tende a repetir os cacoetes do Faraó de Miranda
(Pedro Pedrossian) e sua Secom de triste memória, em prejuízo do Jornalismo
profissional. A falência da AMI não decorreu do estrangulamento de um projeto
fadado ao fracasso, por ser um projeto de poder arbitrário, mas pelos acertos
involuntariamente realizados pelos talentosos profissionais, o que não
interessa ao establishment, seja em tempos de arbítrio ou de Estado Democrático
de Direito.
Ahmad
Schabib Hany
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