Punidos pela coerência
Às
vésperas dos 60 anos de uma mentira cinicamente gigante, a sociedade precisa
fazer uma necessária autocrítica: por que pessoas competentes são punidas moral
e até fisicamente e as verdadeiramente criminosas protegidas e até
‘abençoadas’?
Estamos às vésperas do transcurso dos 60 anos do
golpe empresarial-militar de 1º de abril de 1964. Sim, para começo de conversa,
31 de março é a primeira das grandes farsas que compõem a mentira superlativa
de uma ‘revolução’ que só aconteceu na imaginação de pessoas incoerentes, de
formação inconsistente e, sobretudo, nada patriotas. Simples assim.
Caso o paciente leitor tiver alguma dúvida, hoje as
hemerotecas dos jornalões têm os seus acervos totalmente digitalizados. Basta
procurar o site de cada um deles e, selecionando os meses de março e abril de
1964, verá que durante todo o mês de março foram realizados eventos de
entidades bizarras como a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e
Propriedade, de Plínio Corrêa de Oliveira [cujo parentesco com os donos do jornalão
da Alameda Barão de Limeira nunca foi negado ou confirmado por Octavio Frias de
Oliveira, o ‘doutor Frias’ da camaleônica Folha de S.Paulo, que mesmo
não sendo jornalista ‘de carteirinha’, tinha mais critério que os filhos que
querem ou quiseram posar como tais] e diversos manifestos pagos nos principais
jornais de grande circulação, além das diversas edições da ‘Marcha da Família
com Deus pela Liberdade’.
Se a ‘redentora’ tivesse ocorrido em 31 de março,
obviamente, em 1º de abril seu triunfo teria sido estampado nos jornalões,
jornaizinhos e pasquins da época. No máximo em 2 de abril, levando em conta que
os jornais, por razões de produção gráfica, precisavam ‘fechar edição’, no
máximo, até às 16 horas do dia anterior. Mais ágil, a redação do hoje embolorado
O Estado de S. Paulo, cujo secretário de redação era ninguém menos que o
grande, célebre e genial Jornalista Claudio Abramo (mais tarde diretor de
redação da Filha, ou melhor, Folha de S.Paulo), fechava edição às
20 horas, e se preparava para lançar em janeiro de 1965 o Jornal da Tarde,
criado pelo igualmente grande e genial Jornalista Mino Carta, para o público
mais exigente e de ideias arejadas.
Conhecer e ler sobre História não é nenhum
bicho-de-sete-cabeças e muito menos chato, como tentam induzir às pessoas
inocentes para serem facilmente manipuladas. Questionar é preciso, como viver e
navegar, também. Quais, a propósito, foram os líderes do golpe de 1964? Carlos
Lacerda e Magalhães Pinto, gostemos ou não deles, grandes parlamentares e
excepcionais articuladores. Além dos empresários interessados na mudança dos
gestores das obras e serviços públicos, que desde a volta de Getúlio Vargas, em
1950, a velha e avarenta oligarquia ex-cafeeira estava sem cacife para as
tretas e farras com o dinheiro público desde os inomináveis tempos coloniais.
Ou como é que as ‘famílias de bens’ têm o seu ‘belo’ patrimônio, senão
sonegando, açambarcando e se locupletando?
Os golpes, no Brasil e em todo o mundo, foram
feitos por interesses financeiros, senão não teriam sido feitos, até porque
custa caro fazê-los. O de 1964, financiado desde os EUA pelo governo de Lyndon
Johnson [aquele que era vice de John Fitzgerald Kennedy, assumiu com a morte de
JFK e que se reelegeu em 1965, membro do Partido Democrata, ferrenho crente da
Igreja Cristã Discípulos de Cristo, seguidora do Novo Testamento e, em
princípio, não sionista, pelo menos até a época], mediante o braço brasileiro
da telefônica ITT e coordenação do então embaixador estadunidense Lincoln
Gordon e do adido militar Vernon Walters, desde o Rio de Janeiro. E,
diferentemente do que depois foi dito, os Estados Unidos foram, sim, parte
interessada no golpe, como corroboram fartos documentos expostos na segunda
metade da década de 1970 pela Biblioteca Lyndon Johnson, com os arquivos que
podiam ser tornados públicos da gestão Johnson, e que o historiador
brasilianista Thomas Skidmore revelou em “Brasil, de Getúlio a Castelo”.
Há evidências da intervenção direta de funcionários
da CIA, do Departamento de Estado e da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de
Janeiro, bem como da ITT e de forças militares estadunidenses que emitiram uma
advertência à resistência civil e integrantes da Cadeia da Legalidade, no sul
do Brasil, de que um porta-aviões ancorado em águas nacionais no Nordeste do
país poderia invadir qualquer capital de estado caso a ‘revolução’ estivesse
ameaçada. Vimos, anos depois, o mesmo acontecer no Chile de Salvador Allende,
Bolívia de Juan José Torres, Argentina de Isabelita Perón, Peru de Velasco
Alvarado e Panamá de Omar Torrijos, entre outros países latino-americanos.
Pelo que sabemos, a única ditadura a manter impunes
torturadores foi a brasileira -- aliás, também x-9, sonegadores, corruptos,
procrastinadores, prevaricadores, conspurcadores, genocidas, pedófilos, traidores
da pátria, marginais ligados ao crime organizado, tráfico de drogas,
contrabando de toda natureza etc. A Argentina, Bolívia, Uruguai e até o Chile
do facínora Augusto Pinochet o fizeram, a despeito de todas as pressões e
ameaças, compreensíveis até. Porque a colonização ibérica da América Latina
assegurou certa impunidade e privilégios aos membros das elites -- e os
militares em tempos remotos faziam parte dessas elites --, o que as
Constituições atuais corrigiram. E o Brasil é exemplo disso, pois a Comissão da
Verdade, no Governo da Presidenta Dilma Rousseff, chegou a ser iniciada, razão
pela qual Heleno, Vilas-Boas e congêneres se somaram a Eduardo Cunha e Michel
Temer para cometer o bizarro golpe que levou o Brasil 100 anos para trás.
Essa impunidade, que não só protegeu, como
‘empoderou’ gente fora da lei e totalmente destituída de valores humanos
básicos, como torturadores, ‘arapongas’ ou x-9, matadores, serviçais sem
quaisquer escrúpulos, alcoviteiros, transgressores, malversadores, atiradores e
pistoleiros de aluguel etc, depois do caos preparado para o golpe de 2016
contra Dilma Rousseff, viraram ‘patriotas’ de meia pataca, num misto de tonton
macoute e mercadores da fé (religiosos de araque), para coagir, dominar,
assediar e, sobretudo, oprimir pessoas de boa-fé para induzi-las à prática de
más ações, em confronto com o que pensa e compreende o mundo e a humanidade.
Esses seres desumanos, na acepção do termo, são a
essência do pior que a espécie humana poderia ter produzido, e produziu, nestes
milênios de existência. Quem são? Os fascistas, que ora se comportam como
nazistas, franquistas, salazaristas, integralistas, sionistas, pinochetistas e
banzeristas. Nada têm de humanos e muito menos de cristãos, embora façam
questão de se alardear a expressão fidedigna do legado de Jesus Cristo. Mas,
como muito oportuna e precisamente foi explicitado nas últimas semanas, são
pseudocristãos ou neojudeus, que por causa do ‘sionismo cristão’ hoje são os
maiores divulgadores de uma doutrina que não existe e nunca existiu: as seitas
ligadas à ‘teologia da dominação’ não são cristãs, e, para sorte da humanidade,
jamais serão: como o legado de Jesus Cristo pode se miscigenar com o de Davi, a
majestade judaica anterior a Cristo, que usou sua posição de soberano para, sem
dó nem piedade, levar à morte um general leal a seu reino para desposar de sua
viúva só por cobiça (refiro-me ao acontecido com o general Urias, leal soldado
de Davi, morto em combate, designado pelo monarca soberbo e ávido por
libidinagem)?
Nestes 60 anos de mentiras espalhadas das mais
cínicas maneiras, cabe à sociedade civil, mas sobretudo a cada um de nós, uma
reflexão sincera e determinante: como permitir a volta covarde e criminosa de
verdadeiros terroristas, criminosos sórdidos, para crivar de balas endiabradas
nossa benfazeja Constituição Cidadã, da inteligência e generosidade de nossa
gente a gênese, e promiscuir o porvir das futuras gerações, sem qualquer
compaixão sincera, a despeito de recorrer ao uso de palavras bíblicas para
cooptar séquitos fiéis.
Nossa sociedade só evoluirá mediante um sério e
profundo reencontro com a verdade, que não será com farsas ou aleivosias,
comuns aos que, para dominar, se valem de termos sagrados com o vil intuito de
submeter o próximo ao jugo do ódio, dominação e entrega. Não nos curvemos, não
nos submetamos a essa prática doentia e perniciosa. Aprendemos com a Vida e os
livros herdados de nossos ancestrais que nosso compromisso é com a Vida, tão e
unicamente com a Vida. Enganam-se os que querem nos impor uma farsa, crendo que
somos ineptos ou iludidos. A mesma Vida que nos mostrou a História é a que rege
com altivez e dignidade o devir de nossos semelhantes, dos quais não nos
desligamos. Do Povo para o que é do Povo, sempre!
Ditaduras nunca mais! Fascismo jamais! Nas palavras
do saudoso Doutor Ulysses Guimarães (principal artífice da Constituição Federal
de 1988), “temos ódio à ditadura; ódio e nojo”:
“Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério. / Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem, da Liberdade e da Democracia, bradamos por imposição de sua honra. / Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.”
Que a mensagem do Doutor Ulysses, um dos punidos
por sua coerência, ecoe em nossas consciências e nos revigore. Ditadura nunca
mais! Fascismo jamais!
Ahmad Schabib Hany
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