segunda-feira, 4 de março de 2024

A ARTE NA EXCELÊNCIA: JACKSON ARRUDA (IN MEMORIAM)

A arte na excelência

Violonista alado, Jackson Alberto Alves de Arruda, em crônica do poeta e Jornalista Edson Moraes. Homenagem póstuma publicada no Correio de Corumbá em 3 de março de 2024.

Laurinho Balejo, o filho, canta. E Jackson Alberto Alves de Arruda, o pai, encanta.

Hábito de encantar. De arrebatar quem quer que seja deste mundo e quiçá de outros além de nossos limitados ouvidos. Diziam minha mãe e meu pai que as paredes ouvem e guardam os segredos - mas os astros os ouvem para cantá-los em notas que só existem nas partituras das lógicas celestiais.

Não tive ainda a oportunidade e o prazer de conhecer pessoalmente Laurinho Balejo. Fui e sou amigo de diversos membros desta querida família corumbaense. Porém o Jackson, irmão do Xingo, é da casa da nossa família em Corumbá. Éramos vizinhos. Morávamos na Rua Oriental, hoje a Geraldino Martins de Barros, e a Família Arruda a poucos metros.

Nas constantes e inevitáveis sessões de poesia e seresta que clareavam as noites da nossa casa, eu, meus irmãos e minha mãe, Íris, ficávamos embevecidos diante dos concertos de voz e instrumento protagonizados pelo meu pai, Carlos de Moraes, e o violonista Jackson. Eles formavam uma dupla daquelas que o céu se aquieta para ouvir e depois faz gritaria para pedir bis. 

Hoje, enquanto meu pai canta no céu, aqui na terra, na mesma Corumbá de antigamente, o Jackson faz com que seus dedos deslizem, abracem, apalpem, toquem com singeleza as cordas do violão, como se estivesse acompanhando o seu querido amigo de sempre. Toda homenagem que ainda não foi feita à altura do Jackson será inútil, porque inexiste melhor galardão ao artista deste nível que o reconhecimento de nossos corações, da nossa alma, dos nossos desejos, dos nossos sonhos.

Gostaria que o Jackson me perdoasse pelo atrevimento de chamar de homenagem este tão modesto texto. Porque ele nunca quis o egocentrismo dos altares do pódium, nem o alto do trono, mesmo sabendo ser majestade. A glória dos grandes e dos bons é ser a excelência na planície, no ombro a ombro com o povo, nas mãos dadas com a poesia, no olho a olho com as cifras que caem como gotas vindas em águas do céu.

Jackson, excelência! (Escrito e publicado em 26.06.2023)

SOBRE HARMONIAS QUE PERTENCEM AOS CÉUS

Fiz este modesto rabisco para felicitar os astros celestes, agora honrados com a chegada do ilustre inquilino. 

Na noite de sábado, 02.03.2024, em Cuiabá, ao sair de uma igreja, Jackson Alberto Alves de Arruda teve um mal súbito e foi a óbito. Tinha 79 anos e muitos planos - o foco, evidentemente, naquilo que mais amava: a música.

Virtuoso violonista, autodidata, ser humano dos mais simples, verdadeiro, um construtor de convivências, destacou-se na paisagem artística e cultural de Corumbá e Ladário, cirandeou por Mato Grosso, percorreu chão boliviano e nunca desgrudou-se em definitivo da sua amada Cidade Branca. 

Não gostava de ser considerado o que foi em vida diante dos donos dos panteons, um injustiçado. Não que almejasse a glória, os louros e as reverências majestáticas. Preenchia-se, solene, com os abraços, as palmas e o carinho dos simples e despojados que o ouviam, porque era assim que via seus arredores humanos: todos iguais. 

Jackson era músico do povo. Pertencimento absoluto. Parafraseava acordes de Vilallobos, Patápio, Dilermando, João Pernambuco... e dava o confortável alicerce harmônico para os diversos intérpretes que acompanhava, entre os quais Carlos de Moraes, Lincoln Gomes, Élcio Freitas. 

Jackson sabia de Gounod, de Gonzaga, de Jobim, de Cavaquinho, de Pequenino, de Agapito, de Pelego, de Melquíades, de sargento Vaz, de Barrafunda, de Maria Christovam, de Toddy & Tim, de Favito, de Waldno, de Fala Baixo, do mano Xingo - Jackson sabia até dos pardais e rolinhas que infestavam nossos quintais na alegre e boêmia periferia dos beira-morros corumbaenses. 

Não importa mais se tenha sido olvidado pelo Festival Águas do Pantanal, pelo Festival de Bonito, pelo Globo de Ouro, pelo Grammy. 

O que importa é o galardão do amor que ecoa nas palmas vibrantes dos corações simples que o celebram. Não como um rei, mas como um servidor que se fazia feliz distribuindo músico para fazer a felicidade ao seu redor.

Jackson, que sejam dos anjos aquilo que sempre pertenceu aos céus: as notas do seu violão.

(Edson Moraes - Em 03/03/2024)

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