A arte na
excelência
Violonista alado, Jackson Alberto Alves de Arruda, em crônica do poeta e Jornalista Edson Moraes. Homenagem póstuma publicada no Correio de Corumbá em 3 de março de 2024.
Laurinho Balejo, o filho, canta. E
Jackson Alberto Alves de Arruda, o pai, encanta.
Hábito de encantar. De arrebatar quem
quer que seja deste mundo e quiçá de outros além de nossos limitados ouvidos.
Diziam minha mãe e meu pai que as paredes ouvem e guardam os segredos - mas os
astros os ouvem para cantá-los em notas que só existem nas partituras das
lógicas celestiais.
Não tive ainda a oportunidade e o
prazer de conhecer pessoalmente Laurinho Balejo. Fui e sou amigo de diversos
membros desta querida família corumbaense. Porém o Jackson, irmão do Xingo, é
da casa da nossa família em Corumbá. Éramos vizinhos. Morávamos na Rua
Oriental, hoje a Geraldino Martins de Barros, e a Família Arruda a poucos
metros.
Nas constantes e inevitáveis sessões
de poesia e seresta que clareavam as noites da nossa casa, eu, meus irmãos e
minha mãe, Íris, ficávamos embevecidos diante dos concertos de voz e
instrumento protagonizados pelo meu pai, Carlos de Moraes, e o violonista
Jackson. Eles formavam uma dupla daquelas que o céu se aquieta para ouvir e
depois faz gritaria para pedir bis.
Hoje, enquanto meu pai canta no céu,
aqui na terra, na mesma Corumbá de antigamente, o Jackson faz com que seus
dedos deslizem, abracem, apalpem, toquem com singeleza as cordas do violão,
como se estivesse acompanhando o seu querido amigo de sempre. Toda homenagem que
ainda não foi feita à altura do Jackson será inútil, porque inexiste melhor
galardão ao artista deste nível que o reconhecimento de nossos corações, da
nossa alma, dos nossos desejos, dos nossos sonhos.
Gostaria que o Jackson me perdoasse
pelo atrevimento de chamar de homenagem este tão modesto texto. Porque ele
nunca quis o egocentrismo dos altares do pódium, nem o alto do trono, mesmo
sabendo ser majestade. A glória dos grandes e dos bons é ser a excelência na
planície, no ombro a ombro com o povo, nas mãos dadas com a poesia, no olho a
olho com as cifras que caem como gotas vindas em águas do céu.
Jackson, excelência! (Escrito e
publicado em 26.06.2023)
SOBRE HARMONIAS QUE PERTENCEM AOS
CÉUS
Fiz este modesto rabisco para
felicitar os astros celestes, agora honrados com a chegada do ilustre
inquilino.
Na noite de sábado, 02.03.2024, em
Cuiabá, ao sair de uma igreja, Jackson Alberto Alves de Arruda teve um mal
súbito e foi a óbito. Tinha 79 anos e muitos planos - o foco, evidentemente,
naquilo que mais amava: a música.
Virtuoso violonista, autodidata, ser
humano dos mais simples, verdadeiro, um construtor de convivências, destacou-se
na paisagem artística e cultural de Corumbá e Ladário, cirandeou por Mato
Grosso, percorreu chão boliviano e nunca desgrudou-se em definitivo da sua
amada Cidade Branca.
Não gostava de ser considerado o que
foi em vida diante dos donos dos panteons, um injustiçado. Não que almejasse a
glória, os louros e as reverências majestáticas. Preenchia-se, solene, com os
abraços, as palmas e o carinho dos simples e despojados que o ouviam, porque
era assim que via seus arredores humanos: todos iguais.
Jackson era músico do povo.
Pertencimento absoluto. Parafraseava acordes de Vilallobos, Patápio,
Dilermando, João Pernambuco... e dava o confortável alicerce harmônico para os
diversos intérpretes que acompanhava, entre os quais Carlos de Moraes, Lincoln
Gomes, Élcio Freitas.
Jackson sabia de Gounod, de Gonzaga,
de Jobim, de Cavaquinho, de Pequenino, de Agapito, de Pelego, de Melquíades, de
sargento Vaz, de Barrafunda, de Maria Christovam, de Toddy & Tim, de
Favito, de Waldno, de Fala Baixo, do mano Xingo - Jackson sabia até dos pardais
e rolinhas que infestavam nossos quintais na alegre e boêmia periferia dos
beira-morros corumbaenses.
Não importa mais se tenha sido
olvidado pelo Festival Águas do Pantanal, pelo Festival de Bonito, pelo Globo
de Ouro, pelo Grammy.
O que importa é o galardão do amor
que ecoa nas palmas vibrantes dos corações simples que o celebram. Não como um
rei, mas como um servidor que se fazia feliz distribuindo músico para fazer a
felicidade ao seu redor.
Jackson, que sejam dos anjos aquilo
que sempre pertenceu aos céus: as notas do seu violão.
(Edson Moraes - Em 03/03/2024)
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