terça-feira, 5 de abril de 2022

BERÇO DE PROJETOS PIONEIROS

Berço de projetos pioneiros

Um dos mais antigos centros urbanos do estado, Corumbá, ao lado de Ladário, é berço de projetos pioneiros, como Cidade Dom Bosco, CRIPAM, Conselho de Entidades de Classe, Pacto pela Cidadania, Fórum (intersetorial) de Entidades Não Governamentais etc.

Nas últimas décadas, sobretudo a partir da realização da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente -- que gestou a emblemática Agenda 21 e o conceito de ‘desenvolvimento sustentável’ --, a popular Rio-92 (e lá se vão 30 anos), o chamado terceiro setor ganhou expressão, embora com credibilidade efêmera por conta de oportunistas que usaram as organizações não governamentais para auferir vantagens, fossem pecuniárias ou políticas.

A propósito, é pertinente diferenciar terceiro setor do setor terciário da economia (a classificação convencional dos setores de atividades econômicas existentes na sociedade: setor primário -- agricultura, pecuária e atividades extrativas; setor secundário -- indústria de transformação, isto é, química, metalúrgica, de montagem, eletroeletrônica etc; setor terciário -- comércio, turismo e serviços).

Já o vocábulo terceiro setor se insere em mais recente classificação, pré-neoliberal: primeiro setor, o setor público, isto é, o Estado; segundo setor, a iniciativa privada, ou seja, o mercado; terceiro setor, iniciativas sem fins lucrativos, isto é, as organizações não governamentais. O problema é que, no auge da popularidade das ONGs, empresas de consultoria se travestiam de ‘entidades sem fins lucrativos’, mas lucravam muito, sonegando impostos e competindo mercadologicamente com as iniciativas voluntárias de ONGs emblemáticas, como a Pastoral da Criança, por exemplo.

Nesse sentido, Corumbá (ao lado de Ladário) é berço de projetos pioneiros de inclusão social, defesa de direitos, proteção ambiental e de monitoramento de políticas públicas. Um dos mais antigos, do início da década de 1960 (precisamente em 2 de abril de 1961), é a Cidade Dom Bosco, de iniciativa do saudoso Padre Ernesto Sassida, que dedicou sua existência por sua consolidação. Trata-se de projeto pioneiro interdisciplinar, cujo carro-chefe é a educação, e articula em suas ações a assistência social, saúde, cultura, defesa de direitos (da criança e do adolescente, das mulheres, do idoso, da pessoa com deficiência e da juventude), inclusão social, protagonismo cidadão, trabalho e renda, meio ambiente e desenvolvimento sustentável.

A Casa de Recuperação Infantil Padre Antônio Müller (CRIPAM), constituída durante o episcopado do saudoso Dom José Alves da Costa por iniciativa do saudoso Padre Pascoal Forin, então Vigário-geral da Diocese de Santa Cruz de Corumbá, tem também caráter interdisciplinar: além de focar aspectos nutricionais e de saúde, tem ações na área da assistência social, educação, inclusão social e defesa de direitos. Assim como o Padre Ernesto, o Padre Pascoal dedicou os seus anos mais caros para consolidar o generoso projeto do saudoso Padre Antônio Müller, que se eternizou prematuramente no início dos anos 1990.

Entre o final da década de 1970 e o início dos anos 1980, com o esvaziamento político de Corumbá e Ladário durante a instalação do governo de Mato Grosso do Sul, o Padre Ernesto percebeu a necessidade de fortalecer a sociedade civil do coração do Pantanal e da América do Sul. Para tanto, propôs a criação do Conselho de Entidades de Classe, que serviu de canal de interlocução enquanto a representação política regional estava abaixo das demandas da população. Graças à iniciativa, importantes ações governamentais possibilitaram a manutenção de projetos anteriores à criação do novo estado.

Embora de vida efêmera, essa articulação resultante da sabedoria do grande salesiano que adotou Corumbá como sua terra natal conquistou um conjunto de experiências que foram fundamentais para potencializar a efetividade do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (mais tarde transformado em Observatório da Cidadania Dom José Alves da Costa) como lócus-espaço público não estatal para o monitoramento das políticas públicas. Ao lado do Pacto Pela Cidadania, o FORUMCORLAD serviu de modelo para organizar a participação pública em diversos municípios do estado e de vários estados do Brasil.

À exceção da Cidade Dom Bosco e da CRIPAM, os demais projetos pioneiros ora citados não tiveram fôlego para continuar depois da eternização desses sacerdotes. Ocorre que a cidadania local tem uma prática pendular: ora atua com protagonismo, ora opta por um comportamento subalternizado a interesses menores, de caráter sectário ou mesmo a reboque de pretensos caudilhos de existência efêmera, muito comuns em nossa região (até pela debilidade e falta de consistência dos ditos caudilhos).

Depois de mais de 20 anos de protagonismo incessante e exemplar da cidadania local (de Corumbá e de Ladário), constatamos a partir de 2012 um processo claudicante em todos os espaços de participação milimetricamente consolidados por cidadãos abnegados, muitos dos quais já não mais estão entre nós. Além de uma autocrítica corajosa coletiva, é preciso a retomada pela cidadania desses espaços de participação, não por disputa de um poder inexistente, mas em respeito à memória dos que dedicaram seus melhores dias para a sua construção.

Com isso, Corumbá e Ladário estarão se reencontrando com a História e fazendo justiça à memória de grandes cidadãos, como os saudosos e queridos Dom José, Padre Ernesto, Padre Pascoal, Pastor Antônio Ribeiro, Pastor Cosmo Gomes, Heloísa Urt, Aurélio Tórrez, Seu Ariodê Martins Navarro e Seu José Batista de Pontes, cujo legado inspirador servirá de orientação para as novas gerações, libertas do caudilhismo empedernido.

Ahmad Schabib Hany

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