Berço
de projetos pioneiros
Um dos mais antigos centros
urbanos do estado, Corumbá, ao lado de Ladário, é berço de projetos pioneiros,
como Cidade Dom Bosco, CRIPAM, Conselho de Entidades de Classe, Pacto pela
Cidadania, Fórum (intersetorial) de Entidades Não Governamentais etc.
Nas últimas décadas, sobretudo a partir da
realização da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente -- que gestou a
emblemática Agenda 21 e o conceito de ‘desenvolvimento sustentável’ --, a
popular Rio-92 (e lá se vão 30 anos), o chamado terceiro setor ganhou expressão,
embora com credibilidade efêmera por conta de oportunistas que usaram as
organizações não governamentais para auferir vantagens, fossem pecuniárias ou
políticas.
A propósito, é pertinente diferenciar terceiro setor do setor terciário da economia (a classificação convencional dos
setores de atividades econômicas existentes na sociedade: setor primário --
agricultura, pecuária e atividades extrativas; setor secundário -- indústria de
transformação, isto é, química, metalúrgica, de montagem, eletroeletrônica etc;
setor terciário -- comércio, turismo e serviços).
Já o vocábulo terceiro
setor se insere em mais recente classificação, pré-neoliberal: primeiro setor, o setor público, isto é,
o Estado; segundo setor, a iniciativa
privada, ou seja, o mercado; terceiro
setor, iniciativas sem fins lucrativos, isto é, as organizações não
governamentais. O problema é que, no auge da popularidade das ONGs, empresas de
consultoria se travestiam de ‘entidades sem fins lucrativos’, mas lucravam
muito, sonegando impostos e competindo mercadologicamente com as iniciativas
voluntárias de ONGs emblemáticas, como a Pastoral da Criança, por exemplo.
Nesse sentido, Corumbá (ao lado de Ladário) é
berço de projetos pioneiros de inclusão social, defesa de direitos, proteção
ambiental e de monitoramento de políticas públicas. Um dos mais antigos, do início
da década de 1960 (precisamente em 2 de abril de 1961), é a Cidade Dom Bosco,
de iniciativa do saudoso Padre Ernesto Sassida, que dedicou sua existência por
sua consolidação. Trata-se de projeto pioneiro interdisciplinar, cujo
carro-chefe é a educação, e articula em suas ações a assistência social, saúde,
cultura, defesa de direitos (da criança e do adolescente, das mulheres, do
idoso, da pessoa com deficiência e da juventude), inclusão social, protagonismo
cidadão, trabalho e renda, meio ambiente e desenvolvimento sustentável.
A Casa de Recuperação Infantil Padre Antônio
Müller (CRIPAM), constituída durante o episcopado do saudoso Dom José Alves da
Costa por iniciativa do saudoso Padre Pascoal Forin, então Vigário-geral da
Diocese de Santa Cruz de Corumbá, tem também caráter interdisciplinar: além de
focar aspectos nutricionais e de saúde, tem ações na área da assistência
social, educação, inclusão social e defesa de direitos. Assim como o Padre
Ernesto, o Padre Pascoal dedicou os seus anos mais caros para consolidar o
generoso projeto do saudoso Padre Antônio Müller, que se eternizou
prematuramente no início dos anos 1990.
Entre o final da década de 1970 e o início dos
anos 1980, com o esvaziamento político de Corumbá e Ladário durante a
instalação do governo de Mato Grosso do Sul, o Padre Ernesto percebeu a
necessidade de fortalecer a sociedade civil do coração do Pantanal e da América
do Sul. Para tanto, propôs a criação do Conselho de Entidades de Classe, que
serviu de canal de interlocução enquanto a representação política regional
estava abaixo das demandas da população. Graças à iniciativa, importantes ações
governamentais possibilitaram a manutenção de projetos anteriores à criação do
novo estado.
Embora de vida efêmera, essa articulação
resultante da sabedoria do grande salesiano que adotou Corumbá como sua terra
natal conquistou um conjunto de experiências que foram fundamentais para
potencializar a efetividade do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais
de Corumbá e Ladário (mais tarde transformado em Observatório da Cidadania Dom José
Alves da Costa) como lócus-espaço público não estatal para o monitoramento das
políticas públicas. Ao lado do Pacto Pela Cidadania, o FORUMCORLAD serviu de
modelo para organizar a participação pública em diversos municípios do estado e
de vários estados do Brasil.
À exceção da Cidade Dom Bosco e da CRIPAM, os
demais projetos pioneiros ora citados não tiveram fôlego para continuar depois
da eternização desses sacerdotes. Ocorre que a cidadania local tem uma prática
pendular: ora atua com protagonismo, ora opta por um comportamento subalternizado
a interesses menores, de caráter sectário ou mesmo a reboque de pretensos
caudilhos de existência efêmera, muito comuns em nossa região (até pela
debilidade e falta de consistência dos ditos caudilhos).
Depois de mais de 20 anos de protagonismo
incessante e exemplar da cidadania local (de Corumbá e de Ladário), constatamos
a partir de 2012 um processo claudicante em todos os espaços de participação
milimetricamente consolidados por cidadãos abnegados, muitos dos quais já não
mais estão entre nós. Além de uma autocrítica corajosa coletiva, é preciso a
retomada pela cidadania desses espaços de participação, não por disputa de um
poder inexistente, mas em respeito à memória dos que dedicaram seus melhores
dias para a sua construção.
Com isso, Corumbá e Ladário estarão se
reencontrando com a História e fazendo justiça à memória de grandes cidadãos,
como os saudosos e queridos Dom José, Padre Ernesto, Padre Pascoal, Pastor
Antônio Ribeiro, Pastor Cosmo Gomes, Heloísa Urt, Aurélio Tórrez, Seu Ariodê
Martins Navarro e Seu José Batista de Pontes, cujo legado inspirador servirá de
orientação para as novas gerações, libertas do caudilhismo empedernido.
Ahmad
Schabib Hany
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