sexta-feira, 13 de agosto de 2021

TRIBUTO PARA A PROFESSORA TEREZINHA BARUKI

TRIBUTO PARA A PROFESSORA TEREZINHA BARUKI

Com a mesma discrição com que viveu, a Professora Terezinha Baruki se eternizou, aos 81 anos, depois de resistir às investidas de uma doença que não poupa suas vítimas. O vazio de sua ausência é do tamanho de seu legado, generoso e transformador.

Discreta, ponderada, incansável e determinada. De personalidade forte e uma formação incomum nestes tempos de globalização, a Professora Terezinha Baruki se eternizou depois do Dia do Estudante, não sem antes coroar seu legado de Educadora, Salesiana, Democrata e Empoderada na gestão de uma escola particular de educação básica em que associou o sistema Objetivo de ensino ao método preventivo de Dom Bosco.

Até hoje me pergunto por que, em 1992, a maioria do eleitorado de Corumbá titubeou e não reconheceu suas inegáveis qualidades como candidata a prefeita, tendo como vice o não menos competente e ético Armando Lacerda. Os ataques misóginos e racistas - sim, porque, como nunca, questionou-se a competência das mulheres e se falou mal, muito mal, dos ‘turcos’, como que os imigrantes tivessem que pedir desculpas por existir - contribuíram, feito fake news na época, para desqualificar sua candidatura. Obviamente, o apoio do deputado federal Elísio Curvo, depois de ter votado contra o impeachment de Fernando Collor na Câmara Federal, prejudicou o desempenho eleitoral de uma chapa reconhecidamente qualificada. E como o voto era ainda impresso, com a recontagem dos votos houve muita polêmica sobre o resultado final daquele pleito. A história mostrou didaticamente o erro, ou melhor, as consequências do erro de então...

Discreta e comedida, a Professora Terezinha não só era fonte fidedigna de jornalistas como o saudoso Jornalista Márcio Nunes Pereira como conquistava um trânsito ideal para uma parceria sólida com a Imprensa (essa com letra maiúscula), independentemente do posicionamento do profissional, a ponto de ser, tal como seu Primo, o saudoso Professor Salomão Baruki, uma conselheira em diversas perspectivas. Mas nem por isso se valia para retaliar eventuais desafetos, que ela preferia ignorá-los, didática e sabiamente. A lucidez e racionalidade também eram marca de seu caráter forte, forjado na incessante luta por conquistar seu espaço com firmeza e mérito próprio.

A Professora Terezinha trocou, na juventude, um curso na área de biomédicas, em 1958, pela vocação de Professora, afinal, tinha o curso Normal. Dez anos depois, integrou a primeira turma de Letras, no pioneiro Instituto Superior de Pedagogia de Corumbá, antes da existência do CPC (Centro Pedagógico de Corumbá) e a própria UEMT (Universidade Estadual de Mato Grosso, com sede em Campo Grande). Sobre esse período, lembrava com indisfarçável saudade, de todos os colegas que deram início ao curso, muitos deles já graduados em outras áreas.

Por causa de sua memória infalível, certa vez perguntei à Professora Terezinha sobre a querida Professora Suzana Maia (Chelotti, na época), que também fazia Letras no CPC. Esboçou um sorriso cheio de ternura quando se reportou ao tempo em que, ainda aluna do Imaculada Conceição, a Professora Suzana recebia, toda vez que havia mudança repentina no clima, a visita da progenitora com o agasalho adequado, pelo zelo que tinha com a Filha. Além da memória, uma sensibilidade privilegiada.

Pouco antes da pandemia, quando lhe falei que conheci Dona Adelaide, Filha da babá que cuidou dela na infância, Dona Maria (que está viva, embora com mal de Alzheimer), não escondeu o misto de espanto e alegria ao saber que manifestou o interesse de deixar o endereço dela em Campo Grande para quando a Professora Terezinha pudesse visitá-la. Não faço ideia se esse encontro chegou a acontecer, por causa das medidas de biossegurança adotadas pelos municípios/estados no início da infecção pelo novo coronavírus.

Era muito observadora, a ponto de saber o nome (e sobrenome, pelo que constatei) dos pais e dos alunos do IBEC, bem como da turma em que estavam matriculados. Desde o tempo em que minha Sobrinha Dúnia fez todas as séries do ensino básico, fui-me dando conta do zelo com que tinha pelas comunidades discente, docente e administrativa. Os alunos (e ex-alunos) do ensino médio, já adolescentes e jovens, também conseguiam se comunicar sem maiores cerimônias ou reverências. Diversas vezes ouvi de muitos deles a maneira espontânea de se referir à diretora simplesmente por “Terezinha”.

Quase dez anos depois de concluir o ensino médio em sua Escola, minha Sobrinha, por exemplo, periodicamente ligava para ela, com total liberdade. Quando lançou seu livro autoral sobre o que aprendeu a gostar em seu tempo de IBEC Objetivo, a cultura do k-pop, a Professora Terezinha havia combinado com ela que fazia questão de receber de suas mãos o exemplar de seu livro “na quadra do Objetivo”, para que os atuais alunos também soubessem da trajetória da ex-aluna. Uma pena para todos nós que seu desejo não possa ter sido realizado - mais uma vez, pela incompetente gestão federal no enfrentamento à pandemia, que adiou e tem demorado na aquisição e distribuição das vacinas para a necessária imunização coletiva da população.

As adversidades e eventuais imprevisibilidades em sua saúde, sobretudo como pessoa da terceira idade, jamais a tiraram de suas obrigações, mesmo ela sendo a pessoa com o maior cargo na instituição. Não dá para esquecer sua descrição sobre “o passo firme” da Pequena Sofia (nossa Caçula), aos 8 anos, inclusive nos insinuando a estimular essa disposição de enfrentar desafios, como mulher pioneira em diversas frentes. Da mesma forma, com nosso Filho Omar, com 10 anos na época, fez questão de parabenizar diante de todos os colegas um gesto espontâneo seu, valorizando atitudes solidárias e éticas.

Deve ter sido uma das mais jovens diretoras de Corumbá quando aceitou o desafio para dirigir o Círculo Operário, da Obra Social Salesiana, nos anos 1960. Projeto de vanguarda e no contexto das inovações do Concílio Vaticano II, do pontificado do Papa João XXIII, o educandário concebido para a qualificação humana, instrução formal e preparação dos jovens em situação de exclusão para o mundo do trabalho teve seu protagonismo efetivado sob a lúcida e competente direção da Professora Terezinha. É comum vermos hoje pessoas com mais de 60 anos lembrando-se com gratidão da jovem diretora, no alto de sua exuberância, que também se dedicava às inesquecíveis aulas de gramática.

Ao lado da igualmente incansável odontóloga Vera Lúcia Farias, a Professora Terezinha fundou a Associação das Mulheres de Negócio e o Banco da Mulher, por meio dos quais as mulheres corumbaenses começaram a se emancipar com pioneirismo. Estamos falando de quase quarenta anos atrás, apenas uma década depois da emblemática Conferência Mundial sobre os Direitos da Mulher, realizada em 1975 no México (uma espécie de Rio ou Eco-92 no âmbito das mulheres). Foram, aliás, essas pioneiras as que disseminaram as ideias que viriam a fertilizar os passos seguintes, já na primeira década do século XXI.

Uma das mais eloquentes constatações de sua sensibilidade e compromisso social foi a perene, afetuosa e leal relação de parceria e Amizade com a agora saudosa Dona Ivone Torres de Moraes, a Dama de São Pedro, da comunidade do Bairro Cervejaria e dos pescadores de Corumbá. Desde que se conheceram, as duas grandes mulheres se deram as mãos e nem o tempo e as adversidades as distanciaram, pois era comum vermos as duas em longas e risonhas conversas na sala de direção da Professora Terezinha até dias antes do educandário ter adotado o protocolo de biossegurança contra a pandemia.

Como presidente da Soamar (Sociedade dos Amigos da Marinha), cargo a que foi reeleita por duas vezes, demonstrava não só a competência de executiva bem-sucedida como a habilidade de conjugar ações protocolares, exigidas por instituições militares, a atos de caráter social, essência do humanismo de sua formação cinquentenária. Posso dizer que sou uma ‘testemunha ocular da história’ nesse sentido, pois, antes de formalizar o agendamento da mais alta autoridade da Marinha em nossa região, ela solicitou minha observação sobre a oportunidade e a conveniência da visita ao querido Amigo, Senhor Jorge José Katurchi, antes da pandemia, para a despedida do Almirante. Uma vez confirmada a visita, ela novamente tratou cuidadosamente para que o Amigo, com 92 anos, não sofresse qualquer estresse ou ansiedade (na época ele convalescia de um quadro de pneumonia), e que a visita fosse de surpresa e sem maiores delongas, o que foi acordado com os seus dois Filhos, o José Eduardo e o hoje saudoso Mário Márcio, além do Neto, José. Discreta, delicada e objetiva em suas atitudes.

De ascendência libanesa, promoveu em Família torneios de ‘taule’ (também conhecido como ‘gamão turco’), além do que poderia vir a ser chamado de festival gastronômico libanês em que especiarias árabes eram servidas para o deleite dos mais apurados gostos cosmopolitas. Filha de uma Família de comerciantes pioneiros bem sucedidos, ela também soube fazer jus à vocação inata, tendo sido proprietária de duas lotéricas nas décadas de 1980 e 1990. No momento que julgou certo, saiu do ramo por não dispor de ‘braços e pernas’ para tantas frentes, tendo focado todo o seu saber naquilo a que sempre se dedicou, com amor e sinceridade, a Educação.

Assim, ao lado de igualmente mulheres de vanguarda, como a Professora Lígia Baruki e Mello (Filha do Professor Salomão e da Professora Magali de Souza Baruki) e a Professora Adelma Galeano, no âmbito do Colégio IBEC, criou o bem-sucedido Fórum Infantojuvenil do Pantanal (hoje em sua 20ª edição), num tempo em que falar da questão ambiental em Corumbá era uma heresia (as hordas obscurantistas que saíram da caixa de pandora em 2015/2017 já andavam mostrando suas manguinhas em Corumbá entre 2001/2008). Na mesma época, o Professor Salomão Baruki havia defendido a proposta de inclusão do termo ‘ambiental’ pelo Amigo Antônio Vítor Lima Batista, quando da escolha do nome do CENPER (Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental), na residência de Seu Jorge Katurchi, com a presença do saudoso Padre Ernesto Sassida.

Com anos de pioneirismo, a Professora Terezinha e o Professor Salomão davam mostras de que ciência, conhecimento conectado à realidade, é mola propulsora da evolução, do progresso, ainda que de modo discreto, em ações. Aliás, quando se mostra na atualidade a sucessão de tragédias pelas mudanças climáticas em todo o mundo (e a própria pandemia da covid-19), traduzida em crises hídricas, secas prolongadas, temperaturas extremas e queimadas e cheias descontroladas, temos que pedir desculpas a estudiosos que, duas décadas atrás, tiveram a coragem de colocá-la na agenda política regional, mas cuja honra e dignidade foram linchadas injustamente.

A Professora Terezinha, convicta em seus critérios e atenta em suas observações, provou com anterioridade e pioneirismo que a mulher na direção é transformadora e resolutiva. Em uma existência caracterizada pelo pioneirismo e a inovação, ainda que insistisse em se autodeclarar conservadora, protagonizou na política e nas iniciativas sociais momento ímpar em Corumbá: como vereadora, foi uma presidente do Legislativo que entrou para a história pela habilidade, espírito público, honestidade e retidão no trato da coisa pública; como candidata a prefeita, tendo como companheiro de chapa, em 1992, outro grande ser humano, Armando Carlos Arruda de Lacerda, foi vítima da deslealdade dos que se dizem ‘hábeis’ políticos, mas ensinou lealdade e coerência ao empunhar a maior bandeira transformadora deste País-continente - a Educação -, para onde focou sua inteligência e ações desde que se percebeu muito diferente dos misóginos e ‘antiturcos’ com os quais convivia no meio político local.

Nestes últimos dez anos nós temos perdido muitos paladinos, que carinhosamente tomo a liberdade de chamá-los de Patronos e Patronas (não patronesses, porque traz a velha misoginia embolorada que teima existir entre nós): em 2011, Heloísa Helena da Costa Urt, Patrona da Cultura; em 2012, Dom José Alves da Costa, Patrono da Cidadania; Aurélio Mansilha Tórrez, Patrono da Efetivação do SUS; em 2013, Padre Ernesto Sassida, Patrono da Assistência Social; em 2014, Professora Eunice Ajala Rocha, Patrona do Patrimônio Histórico; em 2017, Pastor Cosmo Gomes, Patrono da Concórdia; em 2018, Pastor Antônio Ribeiro de Souza, Patrono do Diálogo; em 2019, Seu José Batista de Pontes, Patrono do Controle Social em Corumbá; Seu Ariodê Martins Navarro, Patrono do Controle Social em Ladário; em 2020, Seu Agripino Magalhães Soares, Patrono da Viola de Cocho; em 2021, Padre Pascoal Forin, Patrono da Inclusão Social; Dom Segismundo Martínez, Patrono da Interlocução; Professor Carlos Henrique Patusco, Patrono da Cordialidade; Dona Ivone Torres de Moraes, Patrona da Devoção; Professora Terezinha Baruki, Patrona da Educação.

A plêiade de paladinos que passaram para a eternidade, integrada agora pela saudosa Professora Terezinha Baruki, nos inspirará e motivará sempre pelo legado inesgotável que trazemos em nossa memória e coração, muito entristecidos, mas gratos e honrados por sermos testemunhas de suas ações em favor de uma sociedade melhor.

Até sempre, Professora Terezinha, e obrigado pelos incontáveis exemplos eloquentes de sensibilidade, firmeza e correção! Obrigado, também, por nos ajudar a formar o caráter e a abrir os horizontes de nossas novas gerações, como a Dúnia, o Omar e a Sofia!

Ahmad Schabib Hany

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