EDSON
MORAES E A GERAÇÃO DE OURO
A radiofonia corumbaense, além
de pioneira, foi uma usina de revelação de grandes talentos e de transformação
não só em Mato Grosso uno como nas grandes metrópoles brasileiras. Não por
acaso alavancou o Jornalismo de vanguarda corumbaense, mato-grossense,
sul-mato-grossense e nacional.
Década de 1970. O Brasil vivia o período de
censura mais draconiano, mas o talento da juventude dos anos rebeldes irradiava
em todas as atividades da sociedade brasileira: rádio, televisão, teatro,
cinema, artes plásticas, literatura e jornalismo. Corumbá, centro propulsor das
artes e da cultura desde o início do século XX, cumpria com seu papel
histórico, até por conta dos jogos florais, festivais, mostras, exposições,
gincanas e eventos radiais, televisivos e jornalísticos.
Sem perder de vista o cuidado com eventuais ‘derrapadas’
causadas pela irreverência juvenil em tempos sombrios, os promotores de eventos
artístico-culturais, literários, radiofônicos, televisivos e jornalísticos
realizavam em tempo integral oportunidades que descobrissem novos talentos nas mais
diferentes atividades disponíveis em Corumbá. Era uma Corumbá cosmopolita,
conectada ao mundo, aberta ao futuro, às transformações tecnológicas, sem
perder de vista de sua identidade secular.
Não por acaso, ao tempo em que Norma Atagiba, Ênio
Conturbia, Tadeu Vicente Atagiba, Geraldo Roca, Hélio Ferreira, Geraldo
Alexandre, Juvenal Castelo Branco, Nilson Pereira de Albuquerque, Orlando
Bejarano e Deneval Ribeiro Elias, além de bandas como MJ-6, Django e Arame
Farpado, explodiam no gênero de música autoral e nos bailes de então, a
radiofonia corumbaense reluzia com a inesgotável genialidade de novos talentos,
como Edson Henrique Figueiredo de Moraes, Juvenal Ávila de Oliveira, Jonas Luna
de Lima, Adolfo Rondon Gamarra, Vergínio Aleixo Rondon Gomes da Silva (Gino
Rondon), Ronaldo Cadete Leite, Ronaldo Bardawil, Farid Yunes Solomini, Armando
de Amorim Anache, Antônio Ávila, Augusto Alexandrino dos Santos (‘Malah’), Roberto
Hernandes, João de Oliveira Neves (‘Joãozinho Gente Boa’), Antônio Barcellos de
Jesus, Marília Ajala Rocha e tantos outros talentos que fizeram história.
Tanto no jornalismo quanto na radiofonia, Corumbá
foi precoce. Assim como O Iniciador foi
o primeiro jornal desta região de Mato Grosso, A Pioneira, isto é, a Rádio Difusora Mato-grossense S/A (ZYA-2, 1.490
KHz), também o foi. Nos anos de 1940, inicialmente como um sistema de som
levado por cabos até à Praça Independência e quadras centrais do comércio
corumbaense, reinou sozinha com programas de auditório ao vivo, até a Diocese
de Corumbá ter obtido a concessão daquela que se consagrou como a Jovem Clube, Sociedade Rádio Clube de
Corumbá Ltda., entregue à odontologista Laurita Anache e ao advogado Fauze
Anache pelo então Bispo Diocesano Dom Ladislau Paz, no início da década de
1960.
Com a eclosão do regime de 1964 e as estreitas
relações do empresário Armando Anache com o então poderoso senador Filinto
Müller, há quem justifique a ascensão política da Família Anache durante os
anos de chumbo: desde a concessão da emissora diocesana à importante Rede
Brasil Oeste de Rádio e Televisão Ltda., em Cuiabá, que com a divisão de Mato
Grosso perdeu sua razão de ser e acabou na década seguinte nas mãos de
correligionários do norte de Mato Grosso uno. Maledicências, ou não, à parte, a
Jovem Clube prestou relevantes
serviços à cidadania e ao Jornalismo durante sua existência, até ter sido
desarticulada por divergências familiares em fins da década de 1990.
As duas emissoras foram verdadeiras escolas de
comunicação, inclusive de Jornalismo (com letra maiúscula). Ao mesmo tempo em
que A Pioneira projetou inúmeros profissionais
na locução e no radiojornalismo (Edson Moraes, Gino Rondon, Juvenal Ávila,
Adolfo Rondon, Malah, Antônio Ávila, Antônio Barcellos de Jesus, Roberto
Hernandes, Ronaldo Cadete Leite, Ronaldo Bardawil, Pedro Gonçalves de Queiroz,
Joãozinho Gente Boa, Joel de Souza, Deni de Souza, Augusto César, Carvalho
Sobrinho, Jota Aguilar e Lalá), a Jovem
Clube fez história com uma geração de ouro, revelada basicamente entre 1972
e 1974, constituída por Edson Moraes, Juvenal Ávila, Gino Rondon, Jonas de
Lima, Adolfo Rondon, Sandro Nemir, Ronaldo Bardawil, Malah, Farid Yunes,
Armandinho Anache, Roberto Hernandes e Ronaldo Ney, entre outros.
Na verdade, a Família Anache já havia feito a
requisição de concessões de rádio e TV em Cuiabá, capital de Mato Grosso uno, e
fez da Jovem Clube um laboratório
para preparar jovens profissionais para seu projeto de expansão das atividades
do grupo rumo à capital mato-grossense. A trágica morte do presidente da Arena
(partido de sustentação do regime) e do Senado Federal Filinto Müller, em
acidente de uma aeronave da Varig em julho de 1973 no aeroporto de Orly,
França, e a divisão inimaginável de Mato Grosso para obter mais três senadores
governistas em 1977, atropelaram o projeto de Armando Anache e seus aliados,
ligados a Pedro Pedrossian.
No entanto, o saldo foi positivo. A revelação
desses grandes profissionais que constituem a geração de ouro, a exemplo de
Edson Moraes, e que no momento seguinte migraram para A Pioneira, na época sob a direção de Antônio Barcellos de Jesus,
que já dirigira a Jovem Clube ao lado
de Ângelo Vieira, também dentro de um projeto político, sob o Consórcio
Corumbaense de Comunicação, o efêmero CCC (Rádio Difusora, Folha da Tarde, O Momento
e Correio de Corumbá), virou uma
importante página da história do Jornalismo. Da imprensa de perfil morno, os
novos profissionais, quer na radiofonia ou na mídia impressa, deram o
protagonismo marcante de que tanto se ressentia a imprensa corumbaense naquele
momento.
Sob a direção geral do jornalista goiano Daniel de
Almeida Lopes, trazido pelo projeto do CCC para ‘acabar com o gaetismo’ e
voltar a eleger dois deputados da Arena, a Folha
da Tarde, carro-chefe do consórcio, contratou vários Jornalistas
combativos, entre eles o mineiro Luiz Gonzaga Bezerra, ex-repórter especial do Jornal do Brasil, e que residiu em
Corumbá por quatro anos. Jornalista com letra maiúscula, Gonzaga foi um guru
para Edson Moraes, cujo talento e combatividade potencializaram ainda mais a
carreira do jovem repórter. Além da excelente qualidade de seu texto, elegante
e incisivo, Edson sempre se caracterizou pelo faro apurado como repórter, e em pouco
tempo já se destacava como editorialista e responsável pela coluna No bolso do repórter, uma espécie de Informe JB do vespertino corumbaense.
Para honrar o combinado com os grupos políticos
governistas integrantes do CCC, Daniel Lopes, encantado com o sucesso da equipe
de Jornalistas no vespertino e na Pioneira,
começou a fazer projetos mais ousados: inseriu colunas redigidas por ele em
toda a imprensa corumbaense (“Dilemas de Gaeta”, na Folha da Tarde; “Reflexões sobre a moral”, no Diário de Corumbá, e uma terceira coluna, cujo nome não me lembro,
no sisudo jornal udenista, O Momento,
dirigido então pelos irmãos Waldemar, Nelson e Rubens Dias de Rosa).
Amir Fernandes e Antônio Barcellos de Jesus
dirigiam a emissora pioneira ao lado de jovens egressos da geração de ouro da Jovem Clube. Dotado de uma voz muito
parecida à do memorável radialista Hélio Ribeiro, o jovem radialista Juvenal
Ávila foi designado à função de diretor musical da Difusora. Além de fazer uma
seleção musical primorosa, ele fazia questão de registrar, ao lado do nome da música,
os nomes dos intérpretes e compositores, bem como o ano da edição do disco e o
selo da gravadora, igual às emissoras do eixo Rio-São Paulo. Em seu programa,
no horário nobre, dedicava ao radio ouvinte consistentes análises dos rumos dos
diferentes gêneros musicais, em especial à MPB. Era uma verdadeira revolução na
radiofonia mato-grossense, e não lhe faltaram convites para ir trabalhar em
Cuiabá e Campo Grande.
Edson Moraes e Luiz Gonzaga Bezerra tinham
carta-branca na Folha da Tarde, tendo
se transformado entre 1974 e 1976 no jornal de maior circulação da região.
Mesmo Cecílio de Jesus Gaeta tendo conseguido se reeleger deputado estadual com
uma votação ainda maior que a de 1970 (revelando o fracasso da estratégia do
Consórcio Corumbaense de Comunicação), Daniel Lopes investiu pesado no
vespertino, trazendo um teletipo da Agence France Presse (AFP), comprando uma
clicheria e uma impressora mais moderna. Criou a Agência Mato-grossense de
Imprensa (AMI), lançou um semanário de esportes, o SÓSPORT, e anunciou a edição
da Folha da Manhã e Folha da Noite, para desconforto dos
concorrentes, que não se fizeram por esperar: tanto o vespertino quanto emissora
eram propriedades de duas sociedades, e muitos dos acionistas estavam
incomodados com a ousadia de Daniel Lopes.
Como Daniel Lopes tinha problemas de gestão (tanto
a emissora quanto o vespertino estava há muito em atraso com as obrigações
sociais, como FGTS e INPS), os desafetos instigaram a fiscalização Previdência
para autuar os proprietários desses dois veículos que estavam arrendados por
Daniel Lopes tão logo o CCC acabara. Não demorou muito, o patrimônio da Rádio
Difusora Mato-grossense e da Folha da
Tarde foram para leilão, e todos os Jornalistas e Radialistas de peso
tiveram que procurar novos horizontes em outros meios ou em outras cidades.
O Jornalista Edson Moraes, em sociedade com o
saudoso gráfico Manoel de Oliveira, fundaram outro vespertino, com a mesma
combatividade do anterior, O Tempo.
Foram mais de dois anos de luta diária, sempre com grandes reportagens e um bom
número de anunciantes para assegurar a manutenção do Jornal. Entretanto, a
denúncia sobre a existência de um cemitério clandestino próximo à estação
ferroviária de Urucum abalou a aparente ‘liberdade de expressão’, e as forças
ocultas que desde os tempos de Frei Mariano de Bagnaia exercem o controle
absoluto de Corumbá o impeliram a fechar o tão importante Jornal. Em razão
disso, mudou-se para Campo Grande e encontrou seu velho guru, Luiz Gonzaga
Bezerra, no diário A Tribuna, de
propriedade do então Deputado Sérgio Cruz. Já o Radialista Juvenal Ávila optara
por cursar Psicologia no à época Centro Pedagógico de Corumbá (então vinculado
à UEMT) e decidiu adiar seu sagrado Ofício de comunicar, projeto que depois de
aposentado pode vir a realizar, em boa hora.
Incansável Jornalista, Edson Moraes integrou
equipes de Jornalismo de vanguarda, além de ter sido um dos fundadores do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul, ao lado de outro
igualmente incansável conterrâneo, o Jornalista Luiz Taques e a querida Lúcia
da Silva Santos. Tão logo cheguei a Campo Grande, em fins de 1978, fui
procurá-lo na Redação de A Tribuna,
então na Avenida Calógeras, perto da ferroviária. Estava à procura de uma vaga
de revisor ou copidesque (naquela época havia essa função, uma espécie de
revisor na redação), mas o trágico falecimento do diretor Douglas Cruz, Irmão
do Deputado Sérgio Cruz, havia causado um descompasso de gestão no combativo
diário. Edson me recomendou o Diário da
Serra, para onde fui trabalhar ao lado de dois queridos gurus - Seu
Rubens e Seu Libório (cujos sobrenomes não lembro no momento), dois verdadeiros
Professores que os trago na memória e no coração.
Em 1980, finalmente tive o prazer de trabalhar, como
integrante do projeto chefiado pelo querido e saudoso Amigo Mário Corrêa
Albernaz, na Assembleia Legislativa, por um ano com o Edson Moraes, que me
honrou com a oportunidade de participar, como foca, de uma coluna sobre movimentos sociais no emblemático Jornal do Povo, também de propriedade de
Sérgio Cruz. Ao lado de Edson estavam os igualmente grandes Jornalistas José
Eustáquio, Ivan Pacca, Lúcia Santos e Kátia Seleguin, entre outros. Um atentado
contra o Deputado Sérgio Cruz, na antevéspera do Natal de 1980, acabou por
interromper a circulação do Jornal, cuja combatividade escancarava a ‘mão
invisível’ de um mercado criminoso, desbaratada somente 40 anos depois.
Em 1983, voltei a trabalhar com Edson Moraes, na
edição pioneira do Jornal da Cidade,
num misto de revisor e copidesque, quando ele era diretor de Redação, tendo
como grandes Companheiros os Jornalistas Roberto Chamorro e Margarida Galeano.
Nessa ocasião tive a honra de conviver de perto com essa grande referência no
Jornalismo e outros queridos Companheiros como Xavante, Pardal, Deuzimar, Renan
Silva, Renan Ruiz e Raul Valle Herrera, além de inúmeros colaboradores, entre eles
Joel Pizzini Filho, Margarida Marques, Sérgio Medeiros, Gilberto Luiz Alves,
Fausto Matto Grosso e Paulo Coelho Machado. Por conta de divergências com a
administração do Jornal, me afastei, muito contrariado, dessa equipe de
incansáveis profissionais, mais tarde integrada pelos igualmente queridos
Amigos Luiz Taques e Paulo Yafusso. Outra verdadeira Escola de Jornalismo, sob
a direção do grande Jornalista Edson Moraes.
Enfim, todos os integrantes da geração de ouro se
espalharam por diversas cidades do País: Adolfo Rondon, entre Rondonópolis,
Campo Grande e Corumbá; Gino Rondon, entre Rondonópolis, Cuiabá e Campo Grande;
Ronaldo Bardawil, interior de São Paulo; Marília Rocha, São Paulo e interior;
Roberto Hernandes, Campo Grande e Corumbá; Armandinho Anache, entre Recife, Rio
de Janeiro, Corumbá e Aquidauana. O legado dessa geração, de grande relevância,
nas ondas do rádio ou nas páginas de jornal, é fermento de ética, combatividade
e credibilidade para seus contemporâneos e, sobretudo, as gerações vindouras,
que, aliás, precisam compreender que a tecnologia e o manual de redação não
substituem o compromisso com a História. Esta que é escrita nas ruas, a
verdadeira mola propulsora cujo protagonista legítimo é o cidadão anônimo, o
Povo, com suas demandas, anseios e frustrações.
Felizmente Edson Moraes e a maioria desses
Companheiros estão presentes, em plena atividade, a perseverar na construção de
uma sociedade melhor, baseada na informação isenta e compromissada com valores
democráticos e humanistas. Como certa vez disse o Poeta Pablo Neruda, morto em
circunstâncias nunca elucidadas, nos primeiros dias do golpe do sanguinário Augusto
Pinochet, guru de Paulo Guedes: “Poderão cortar todas as flores, mas jamais poderão
deter a primavera.”
Ahmad
Schabib Hany
2 comentários:
Edson Moraes: um dos textos mais refinados da imprensa brasileira. Parabéns, Schabib Hany. O Moraes merece: o sujeito é elegante.
Li chorando do começo ao fim.
Grande Edson Moraes
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