terça-feira, 3 de agosto de 2021

MÁRCIO NUNES PEREIRA: 24 ANOS DE SAUDADE...

MÁRCIO NUNES PEREIRA: 24 ANOS DE SAUDADE...

Neste 2 de agosto, o Jornalista Márcio Nunes Pereira fez 24 anos de eternização. Desde 1997, quando interrompeu sua sagrada jornada de bem informar, o Jornalismo perdeu o encanto, a saga investigativa desse grande repórter que nunca pareceu patrão, mas um incansável Companheiro de trabalho determinado e corajoso.

Destemido, determinado e incansável, o Jornalista Márcio Nunes Pereira se eternizou aos 42 anos de Vida, depois de uma intensa resistência contra uma neoplasia impiedosa. Essa doença ladina não só interrompeu a sua sagrada jornada de bem informar como roubou da jovem esposa, Dona Margareth Matas Pereira, e de seu único Filho, ainda criança, o querido Paulinho - Paulo Afonso Matas Pereira -, uma convivência amorosa e invejável, um exemplo para os seus contemporâneos.

Tive a honra de conhecer o então adolescente Márcio na primeira sede do emblemático Diário de Corumbá, sob direção do igualmente talentoso e incansável Irmão mais velho Carlos Paulo Pereira Junior. Márcio era o caçula, e a disciplina do quase menino era admirável: trabalhava em diversas frentes do à época Jornal de maior circulação, fosse na reportagem, na composição ou na impressão.

Situado à rua Antônio João, ao lado do prédio do Café São Paulo, da Família Darmanceff, por quase duas décadas o Matutino Independente (como se apresentava para o leitor) funcionou com todas as suas instalações naquele espaço. Era uma verdadeira Escola de Jornalismo: quando o Pai, Jornalista Carlos Paulo Pereira, fundador do Jornal, ficou impossibilitado de prosseguir com seu Ofício, coube ao jovem Filho Ronei Nunes Pereira dirigi-lo, contando com uma equipe invejável, entre eles os Jornalistas Adolfo Rondon Gamarra, Clarimer de Meira Navarro, Jorcêne José Martinez, Montezuma Cruz, Roberto Hernandes, Rosália de Fátima Nunes Pereira, Waldir Nunes Pereira e o sucessor imediato de Ronei, falecido precocemente, o primogênito Carlos Paulo Pereira Jr.

Entre 1974 e 1978, quando meu saudoso Pai, Mahoma Hossen Schabib, dedicou um pouco mais de seu exíguo tempo para escrever, em decorrência da súbita e trágica eternização de seu Primogênito, o meu querido Irmão Mohamed, era constante nosso encontro na Redação do Jornal: como permitiam que a revisão dos artigos dele fosse feita por mim, nos encontrávamos com muita confiança e naturalidade para conversar sobre os mais diversos temas. Márcio era humilde e atencioso e desde tenra idade conviveu com pessoas das mais diferentes gerações e, em especial, opiniões diversas, a despeito da censura então existente na imprensa.

No período em que morei em Campo Grande, entre 1978 e 1984, pude testemunhar a inquietude e combatividade do já maduro Márcio Nunes Pereira: ao lado do saudoso Jornalista e Radialista Roberto Hernandes, fundou o combativo A Gazeta, diário de vida efêmera, mas que muito incomodou a administração do Prefeito Armando Anache por causa das manchetes irreverentes, bem ao estilo do semanário carioca O Pasquim. O igualmente querido Amigo Juvenal Ávila de Oliveira, da Assessoria de Imprensa da Prefeitura, vivia numa saia justa em razão de sua Amizade com os dois Jornalistas.

Assim que retornei da capital, em 1984, Márcio, então diretor do Diário de Corumbá, conversou comigo para reiterar o convite de que meu Pai continuasse a colaborar com o Jornal. Como primeiro correspondente assalariado de um grande jornal da capital (meu antecessor era um renomado advogado, amigo do patrão e não recebia salário nem tinha obrigação de enviar notícias diariamente), o Márcio generosamente foi dos companheiros mais leais, presente em todas as duras etapas de readaptação à Corumbá pós-divisão de Mato Grosso uno. Obviamente, o Professor Valmir Batista Corrêa e os saudosos Doutor Joilce Viegas de Araújo e o Professor Dilermando Luiz Ferra, igualmente muito leais e queridos, eram fundamentais na checagem de informações no dia a dia.

Corumbá experimentara um súbito esvaziamento populacional e o decorrente processo de depauperação daquele que fora o município que mais arrecadava em tributos para a receita estadual. Como poucos, Márcio era crítico ao comportamento da maioria da elite política local, que embarcou na ilusão de que a divisão de Mato Grosso fosse benéfica para o Pantanal e em particular para Corumbá. Observador, demonstrava com dados tal decadência, já comprovada pela realidade logo nos primeiros anos de Mato Grosso do Sul - agravada pela evasão de pessoas qualificadas para Cuiabá e Campo Grande e, por conta dos anos de regime ditatorial, o despreparo dos agentes políticos locais, diferente e acintosamente opostos às gerações sacrificadas pelas perseguições políticas do regime de 1964.

O Governador Wilson Barbosa Martins e o Prefeito Fadah Scaff Gattass, ambos baluartes da resistência democrática ao regime de 1964, se empenhavam na reconstrução daquele que fora o mais importante entreposto comercial de Mato Grosso e o maior município arrecadador de ICM do estado (com a Constituição de 1988 é que passou a ser chamado de ICMS). Ao lado do Doutor Fadah, em Corumbá, estavam velhos Companheiros do PSD de Juscelino Kubitschek - os saudosos Doutor Cleto Leite de Barros, Professor Salomão Baruki e Seu Hélio Péres - articulados a ex-adversários da UDN do Brigadeiro Eduardo Gomes, entre eles os saudosos Doutor Cássio Leite de Barros, Doutor José Feliciano Batista Neto e o Senhor Aurélio Scaffa, além de igualmente queridos baluartes como Seu Jorge José Katurchi, Doutor Hugo Silva da Costa e Doutor Luiz Alberto Pinto Figueiredo.

Foi na espeteria de Seu Juca, esquina das ruas Cuiabá com Antônio João, que o Márcio me pôs a par das coisas: quatro anos antes, o querido Roberto Hernandes, com a dicção inconfundível, emprestara sua voz para a divulgação do modesto, mas histórico, ato de lançamento da pioneira comissão provisória municipal do PMDB, em que ele proclamava: “Na tentativa de dividir a oposição, o governo impôs o fim do MDB; a seus parlamentares ofereceu cargos públicos, dinheiro do povo, ameaçou, cassou, torturou e prendeu; mas os verdadeiros oposicionistas não se deram por vencidos, e juntos com o Povo vão construir um Partido mais forte e lutador, o PMDB!” Hernandes sofreu uma retaliação da emissora de rádio a que estava vinculado, pois o rígido controle ideológico sobrevivera nos meios radiofônicos, televisivos e impressos.

E ninguém melhor que o Márcio, com seu faro invejável de repórter nato, para advertir que a política era tão instável quanto o clima no verão. Na sala da direção do Diário de Corumbá ele recebia políticos de todos os matizes, desde os gaetistas, ainda muito fortes, até aqueles ligados ao ex-prefeito Ruy Valdo Albaneze, cuja administração teve muita turbulência, sobretudo na gestão financeira e os atrasos no pagamento dos salários dos servidores municipais. A Redação do Jornal era relativamente próxima à cabine pública de telex (naquele tempo ainda não existia fax nem internet), o que me permitia recorrer ao seu apoio para fazer (‘datilografar’) o material que minutos depois iria digitar nas máquinas de telex Olivetti da agência local dos Correios.

O jornalão de Campo Grande não saía aos domingos, e às segundas ia para as bancas. Era um sério problema para um correspondente sediado em Corumbá, cuja cabine pública de telex fechava aos domingos: enquanto o editor não dava sinais de que disponibilizaria um telex que pudesse assegurar a independência do então jovem correspondente, a gentileza da saudosa Doutora Laurita Anache, então diretora da Rádio Clube, permitiu um fôlego. Mas, pouco tempo depois, um fato constrangedor envolvendo um querido funcionário da emissora me obrigou a deixar o posto. Solidário, Márcio se prontificou a solucionar o caso, e desde então nossas relações foram ainda mais fraternais.

É a partir de 1988 que nossa relação se estreitou ainda mais: coincidentemente com a mudança da sede do Diário de Corumbá, da Antônio João para a Cuiabá (em frente a um colégio particular), no começo passei a colaborar diariamente com uma pequena crônica sobre o cotidiano de Corumbá, que ele generosamente publicava na primeira página. Quando a situação do Jornal se estabilizou, ele me contratou como redator, tendo sido, durante o período de transição do governo de Pedro Pedrossian para o de Wilson Barbosa Martins, em 1994, correspondente na capital (algo como três meses). Em Campo Grande, o Amigo Paulo Yafusso generosamente me disponibilizava as instalações da Agência Folha para enviar meu material para o Jornal que tem como consigna “Um jornal se mede pelas verdades que diz”.

Foi como assalariado que conheci a grandeza do repórter, do Jornalista investigativo Márcio Nunes Pereira. Jamais fui um ‘subordinado’, tratou-me como Companheiro, com dignidade. Muitas vezes, era eu a lhe pedir moderação, preocupado com sua Família e com o futuro do Diário de Corumbá, pois sabíamos da ‘torcida contra’ que existia, em particular pelos grupelhos corruptos inoculados na administração pública. Não foram poucas as ameaças à sua integridade física e de sua Família, por conta de sua coragem, de sua lealdade ao Jornalismo, seu compromisso com a verdade. Nunca se amedrontou: ao contrário, quando se deparava com um processo judicial, competentemente delegado ao igualmente saudoso Doutor Joilce Viegas de Araújo, é que se sentia mais motivado a manter a linha combativa do Jornal.

Decorridos 24 anos de sua eternização, a saudade e o vazio no Jornalismo combativo o tornam referência digna para os seus contemporâneos e para as novas gerações. Como poucos, Márcio Nunes Pereira fez do Ofício de repórter fonte de dignidade e ética, mas sem hipocrisia, sem ‘heroísmo’. Jamais angariou alguma vantagem ou notoriedade, a despeito das inúmeras tentativas de cooptação, delicadamente apresentadas por intermediários, bem tratados, com educação e polidez, mas declinando sempre dessas tentações.

Márcio Nunes Pereira é fonte de dignidade, ao lado dos maiores Jornalistas corumbaenses de todos os tempos, entre eles os saudosos Renato Báez, Carlos Paulo Pereira, Ronei Nunes Pereira, Luiz Gonzaga Bezerra, Arnaldo Gomes da Costa, Jorcêne José Martinez, Armando Amorim Anache, Farid Yunes Solomini e José Carlos Cataldi, e os graças a Deus presentes Edson Moraes, Luiz Taques, Dary Junior, Mariliz Romero, Adolfo Rondon Gamarra, Clarimer de Meira Navarro, Nelson Abdnur Urt, Marcelo Fernandes, Alexandre Maciel e Lívia Gartner.

Ahmad Schabib Hany

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