terça-feira, 30 de março de 2021

ARMANDO DE AMORIM ANACHE, UM BRAVO QUE ENTRA PARA A HISTÓRIA

ARMANDO DE AMORIM ANACHE, UM BRAVO QUE ENTRA PARA A HISTÓRIA

A precoce eternização do Jornalista e Radialista Armando de Amorim Anache, por causa da covid-19, abre um vazio imenso na mídia sul-mato-grossense. Armandinho, como sempre foi chamado por ser homônimo de seu Pai, entra para a História pelo conjunto de sua obra, “doa a quem doer”...

A eternização precoce e inacreditável do Jornalista e Radialista Armando de Amorim Anache, aos 60 anos, neste 30 de março - “Dia da Terra” para o milenar povo palestino que ele apoiou incondicionalmente, fosse como profissional do rádio ou como político -, nos causa perplexidade e profunda consternação.

Antes mesmo de ter feito a graduação em Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Armandinho já era radialista e repórter na emissora de sua família, a Sociedade Rádio Clube de Corumbá, ZYX-29, 1420 KHz, cuja sede, antes de sofrer um incêndio (creio que ocorrido ainda na década de 1970), era na sobreloja do Edifício Zahran Anache (ou ‘Anache Novo’), onde funcionava o Cine Anache.

Desde antes da divisão de Mato Grosso, a Rádio Clube era reveladora de um verdadeiro celeiro de talentos: entre 1974 e 1978, grandes nomes foram lançados, como Antônio Ávila, Edson Moraes, Farid Yunes, Gino Rondon, João de Oliveira Neves (‘Joãozinho Gente Boa’), Jonas de Lima, Juvenal Ávila de Oliveira, Roberto Hernandes e, obviamente, Armando de Amorim Anache, com o célebre “Jovem Clube Sabe Tudo”. A direção da emissora era compartilhada pela doutora Laurita Anache, os empresários Fauze e Armando Anache e os veteranos radialistas Ângelo Vieira e Antônio Barcellos de Jesus, todos estes últimos de saudosa memória.

Além de manter todos os cinemas sob o controle da Empresa Cinematográfica Farjala Anache (Anache, Tupi, Santa Cruz, Dom Bosco e Ladário), a Sociedade Rádio Clube de Corumbá Ltda. obteve a concessão de uma emissora FM em Corumbá (embora haja quem dissesse que era para Ladário), um canal de televisão e uma emissora de rádio AM em Cuiabá, os quais teriam como nome de fantasia Rádio e Tevê Brasil Oeste Ltda., projeto que acabou prejudicado com a criação de Mato Grosso do Sul em outubro de 1977. O processo de depauperação de Corumbá ocorrido no período imediatamente posterior à implantação de Mato Grosso do Sul fez com que somente o Cine Anache permanecesse em funcionamento até fins da década de 1980.

Estando no Rio de Janeiro ou em Recife, já depois de formado e trabalhando para o Sistema Globo de Rádio, Armandinho dirigia, produzia e apresentava programas de rádio com exclusividade para a Rádio Clube, com entrevistas célebres com ídolos da música, cinema e televisão. Embora o pai fosse ligado à Arena e já estivesse com cargos políticos (de prefeito nomeado e depois deputado estadual, eleito em 1982), mantinha certa distância de políticos, abrindo exceção quando se tratava de personalidades políticas do exterior, como o então representante do Escritório de Representação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Farid Suwan, que em Corumbá foi acompanhado pelo igualmente saudoso Jornalista Farid Yunes, pela Jovem Clube.

Em fins da década de 1980, quando Armandinho retorna para Corumbá, promove uma importante reformulação da Rádio Clube, tendo ao seu lado o incansável e saudoso Arnaldo Gomes da Costa na chefia de redação, Joãozinho Gente Boa e Sandro Nemir na unidade móvel (também conhecida por ‘Vermelhinha’) e Antônio Ávila, Landa Nantes e Silma Lima na reportagem. Não demora muito, e reforça sua equipe com a experiente e inovadora participação do também agora saudoso Jornalista José Carlos Cataldi (que se eternizou, três dias antes dele, também por covid-19, no interior de São Paulo), mais que colega, um generoso Amigo que contribuiu efetivamente para a transformação da Jovem Clube.

O ápice desse processo ocorre com a realização de grandes eventos que marcaram época no estado e no país, como a ‘Marcha da Família com Deus e Contra as Drogas’, que abalou as estruturas da cidade, com repercussão internacional. Em minha modesta opinião, o sucesso desse evento, um verdadeiro divisor de águas na história do rádio e da cidadania no estado, acabou levando o competente e incansável comunicador a um dilema que, embora obtivesse o reconhecimento da população local, resultou em seu isolamento político, em que o recalque e a inveja também foram componentes inegáveis desse processo.

Mesmo “no gelo”, Armandinho conseguiu prosseguir com seus projetos, mas sofrendo sucessivos embates, muitos deles ‘plantados’ por uma elite parasitária constituída de ‘novos ricos’: afinal, numa fronteira em que, em fins da década de 1950, um vereador, Edu Rocha, é assassinado diante de todos por ter denunciado o contrabando de cadilac feito à luz do dia, seria ingenuidade que uma mobilização massiva e estonteante contra as drogas não tivesse um custo político, ainda que de efeito retardado? O fato é que, armados ou não, vários episódios, alguns de âmbito policial, foram corroendo a base política do jovem vereador, e ao final não consegue a reeleição e em pouco tempo até a sociedade familiar se dissolve.

Independentemente de concordar ou não com a maneira de Armandinho fazer política, sua coragem e ousadia são indiscutíveis e dignas de reconhecimento. Sem fazer qualquer pré-condição, apoiou e deu total cobertura jornalística à campanha de defesa da Urucum Mineração quando o então governador Pedro Pedrossian, em fim de mandato, fez um acordo com seu colega mato-grossense Jayme Campos e colocou à venda as ações da Metamat na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Ao lado do Diário de Corumbá, sob a corajosa direção do também saudoso Jornalista Márcio Nunes Pereira, a Rádio Clube foi o único meio de comunicação que cobriu com isenção e profissionalismo todos os desdobramentos, inclusive a ação popular contra a venda da mineradora, a despeito das retaliações sofridas pela emissora e, inclusive, pelo pai, que tinha certa a nomeação para um cargo vitalício pelo governador que encerrava o mandato.

Enquanto políticos reconhecidamente medíocres e rastejantes conseguem alçar voo à base da troca de favores, Armandinho acaba tendo que partir para um exílio compulsório até Aquidauana, sua derradeira arena em que colocou todas as suas qualidades no exercício do sagrado ofício de Jornalista e Radialista. Como ele dizia, “a verdade, custe o que custar, doa a quem doer”.

Por certo, na eternidade, estarão numa memorável mesa-redonda os Advogados Joilce Viegas de Araújo e Lício Benzi Paiva Garcia e os Jornalistas Márcio Nunes Pereira e José Carlos Cataldi ao lado de Armando de Amorim Anache, como faziam nos fins de tarde no também saudoso Multi Coffee, a comentar sobre os fatos da atualidade, aliás, muito piores daqueles que os motivavam a fiscalizar o poder e a denunciar os desmandos. Porque todo este estado de coisas bizarras que vivemos hoje é também devido à omissão e à complacência cínica dos grandes meios de comunicação, cujos desdobramentos se traduzem em tragédias do não enfrentamento à pandemia, em miséria pela falta de políticas sociais consistentes que protejam o desempregado e a economia informal e no caos deliberado para atingir objetivos inconfessáveis, cujos antecedentes e ídolos foram devidamente condenados no Tribunal de Nuremberg.

Até sempre, Armando de Amorim Anache e José Carlos Cataldi, e obrigados pelas lições de coragem, ousadia e abnegação! A História já os acolheu em suas gloriosas páginas.

Ahmad Schabib Hany

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