ARMANDO DE AMORIM ANACHE, UM BRAVO QUE ENTRA PARA A HISTÓRIA
A precoce eternização do Jornalista e Radialista
Armando de Amorim Anache, por causa da covid-19, abre um vazio imenso na mídia
sul-mato-grossense. Armandinho, como sempre foi chamado por ser homônimo de seu
Pai, entra para a História pelo conjunto de sua obra, “doa a quem doer”...
A
eternização precoce e inacreditável do Jornalista e Radialista Armando de
Amorim Anache, aos 60 anos, neste 30 de março - “Dia da Terra”
para o milenar povo palestino que ele apoiou incondicionalmente, fosse como
profissional do rádio ou como político -, nos causa
perplexidade e profunda consternação.
Antes
mesmo de ter feito a graduação em Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Armandinho já era radialista e repórter na emissora
de sua família, a Sociedade Rádio Clube de Corumbá, ZYX-29, 1420 KHz, cuja sede,
antes de sofrer um incêndio (creio que ocorrido ainda na década de 1970), era na
sobreloja do Edifício Zahran Anache (ou ‘Anache Novo’), onde funcionava o Cine
Anache.
Desde
antes da divisão de Mato Grosso, a Rádio Clube era reveladora de um verdadeiro
celeiro de talentos: entre 1974 e 1978, grandes nomes foram lançados, como
Antônio Ávila, Edson Moraes, Farid Yunes, Gino Rondon, João de Oliveira Neves (‘Joãozinho
Gente Boa’), Jonas de Lima, Juvenal Ávila de Oliveira, Roberto Hernandes e,
obviamente, Armando de Amorim Anache, com o célebre “Jovem Clube Sabe Tudo”. A
direção da emissora era compartilhada pela doutora Laurita Anache, os
empresários Fauze e Armando Anache e os veteranos radialistas Ângelo Vieira e
Antônio Barcellos de Jesus, todos estes últimos de saudosa memória.
Além
de manter todos os cinemas sob o controle da Empresa Cinematográfica Farjala
Anache (Anache, Tupi, Santa Cruz, Dom Bosco e Ladário), a Sociedade Rádio Clube
de Corumbá Ltda. obteve a concessão de uma emissora FM em Corumbá (embora haja
quem dissesse que era para Ladário), um canal de televisão e uma emissora de
rádio AM em Cuiabá, os quais teriam como nome de fantasia Rádio e Tevê Brasil
Oeste Ltda., projeto que acabou prejudicado com a criação de Mato Grosso do Sul
em outubro de 1977. O processo de depauperação de Corumbá ocorrido no período
imediatamente posterior à implantação de Mato Grosso do Sul fez com que somente
o Cine Anache permanecesse em funcionamento até fins da década de 1980.
Estando
no Rio de Janeiro ou em Recife, já depois de formado e trabalhando para o
Sistema Globo de Rádio, Armandinho dirigia, produzia e apresentava programas de
rádio com exclusividade para a Rádio Clube, com entrevistas célebres com ídolos
da música, cinema e televisão. Embora o pai fosse ligado à Arena e já estivesse
com cargos políticos (de prefeito nomeado e depois deputado estadual, eleito em
1982), mantinha certa distância de políticos, abrindo exceção quando se tratava
de personalidades políticas do exterior, como o então representante do
Escritório de Representação da Organização para a Libertação da Palestina
(OLP), Farid Suwan, que em Corumbá foi acompanhado pelo igualmente saudoso
Jornalista Farid Yunes, pela Jovem Clube.
Em
fins da década de 1980, quando Armandinho retorna para Corumbá, promove uma
importante reformulação da Rádio Clube, tendo ao seu lado o incansável e
saudoso Arnaldo Gomes da Costa na chefia de redação, Joãozinho Gente Boa e
Sandro Nemir na unidade móvel (também conhecida por ‘Vermelhinha’) e Antônio
Ávila, Landa Nantes e Silma Lima na reportagem. Não demora muito, e reforça sua
equipe com a experiente e inovadora participação do também agora saudoso
Jornalista José Carlos Cataldi (que se eternizou, três dias antes dele, também
por covid-19, no interior de São Paulo), mais que colega, um generoso Amigo que
contribuiu efetivamente para a transformação da Jovem Clube.
O
ápice desse processo ocorre com a realização de grandes eventos que marcaram
época no estado e no país, como a ‘Marcha da Família com Deus e Contra as
Drogas’, que abalou as estruturas da cidade, com repercussão internacional. Em
minha modesta opinião, o sucesso desse evento, um verdadeiro divisor de águas
na história do rádio e da cidadania no estado, acabou levando o competente e
incansável comunicador a um dilema que, embora obtivesse o reconhecimento da
população local, resultou em seu isolamento político, em que o recalque e a
inveja também foram componentes inegáveis desse processo.
Mesmo
“no gelo”, Armandinho conseguiu prosseguir com seus projetos, mas sofrendo
sucessivos embates, muitos deles ‘plantados’ por uma elite parasitária
constituída de ‘novos ricos’: afinal, numa fronteira em que, em fins da década
de 1950, um vereador, Edu Rocha, é assassinado diante de todos por ter
denunciado o contrabando de cadilac feito à luz do dia, seria ingenuidade que
uma mobilização massiva e estonteante contra as drogas não tivesse um custo
político, ainda que de efeito retardado? O fato é que, armados ou não, vários
episódios, alguns de âmbito policial, foram corroendo a base política do jovem
vereador, e ao final não consegue a reeleição e em pouco tempo até a sociedade
familiar se dissolve.
Independentemente
de concordar ou não com a maneira de Armandinho fazer política, sua coragem e
ousadia são indiscutíveis e dignas de reconhecimento. Sem fazer qualquer
pré-condição, apoiou e deu total cobertura jornalística à campanha de defesa da
Urucum Mineração quando o então governador Pedro Pedrossian, em fim de mandato,
fez um acordo com seu colega mato-grossense Jayme Campos e colocou à venda as
ações da Metamat na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Ao lado do Diário de Corumbá, sob a corajosa
direção do também saudoso Jornalista Márcio Nunes Pereira, a Rádio Clube foi o
único meio de comunicação que cobriu com isenção e profissionalismo todos os
desdobramentos, inclusive a ação popular contra a venda da mineradora, a
despeito das retaliações sofridas pela emissora e, inclusive, pelo pai, que
tinha certa a nomeação para um cargo vitalício pelo governador que encerrava o
mandato.
Enquanto
políticos reconhecidamente medíocres e rastejantes conseguem alçar voo à base
da troca de favores, Armandinho acaba tendo que partir para um exílio
compulsório até Aquidauana, sua derradeira arena em que colocou todas as suas
qualidades no exercício do sagrado ofício de Jornalista e Radialista. Como ele
dizia, “a verdade, custe o que custar, doa a quem doer”.
Por
certo, na eternidade, estarão numa memorável mesa-redonda os Advogados Joilce
Viegas de Araújo e Lício Benzi Paiva Garcia e os Jornalistas Márcio Nunes
Pereira e José Carlos Cataldi ao lado de Armando de Amorim Anache, como faziam
nos fins de tarde no também saudoso Multi
Coffee, a comentar sobre os fatos da atualidade, aliás, muito piores
daqueles que os motivavam a fiscalizar o poder e a denunciar os desmandos. Porque
todo este estado de coisas bizarras que vivemos hoje é também devido à omissão e
à complacência cínica dos grandes meios de comunicação, cujos desdobramentos se
traduzem em tragédias do não enfrentamento à pandemia, em miséria pela falta de
políticas sociais consistentes que protejam o desempregado e a economia
informal e no caos deliberado para atingir objetivos inconfessáveis, cujos
antecedentes e ídolos foram devidamente condenados no Tribunal de Nuremberg.
Até
sempre, Armando de Amorim Anache e José Carlos Cataldi, e obrigados pelas
lições de coragem, ousadia e abnegação! A História já os acolheu em suas
gloriosas páginas.
Ahmad Schabib
Hany
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