“ENTRE SEM BATER”
Apparicio Torelly, o “Barão de Itararé”, fez
história quando, em seu cáustico A Manha, fustigou tanto o Estado Novo que os serviçais da polícia política de
Felinto Müller decidiram invadir as modestas instalações do precursor de O Pasquim para não só empastelar a gráfica, mas
agredir seu fundador e genial diretor. A partir de então, na porta da redação
ele pendurou uma placa com a sugestiva recomendação de “entre sem bater”...
Tiranos
e arremedos caricatos têm ódio e pânico da inteligência, sobretudo quando ela é
acompanhada da sutil criatividade ácida. É o que se costuma chamar de sátira, e
que no Brasil, na resistência à ditadura fascista de 1968, passou a ter nome e
sobrenome: O Pasquim, da Editora Codecri (genial sigla de Comitê de Defesa do Crioléu, não poderia
ter havido um nome mais representativo para um projeto sem igual).
Mas,
segundo seus fundadores, O Pasquim
nasceu de um tributo a outro gênio da sátira, o imortal Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio Porto), criador do memorável Febeapá,
Festival de Besteiras que Assola o País, falecido no ano que, para o
Jornalista Zuenir Ventura, não acabou e que foi alvo de uma homenagem à altura
com o Dez em humor. Todos os
participantes desse projeto acabaram integrando a equipe original do mais sarcástico
jornal brasileiro.
E
se Sérgio Porto era o “Pai” de O Pasquim,
o “Avô” não poderia ser outro que o imortal Apparicio Torelly, o autoproclamado
“Barão de Itararé” (“em homenagem à batalha que não houve”), genial ironia à
tradição de acordos em que as elites se dão bem e à série de títulos
nobiliários numa história oficial em que serviçais da corte são agraciados com
honrarias mentirosas, à altura de sua mediocridade e servilismo ante os
poderosos, tão corruptos quanto os próprios. Antifascista e comunista convicto,
Torelly ousou criar uma paródia do principal jornal da capital federal em que
ele trabalhava, A Manhã, e assim
surge o genial A Manha, com o qual caricaturizou
as entranhas do poder nauseabundo dos tempos do Estado Novo. Debochado, depois
de agredido, sua redação destruída e a gráfica empastelada por serviçais da
polícia política de Felinto Müller, fez uma placa e a pendurou na porta da
redação: “Entre sem bater.”
Mudam os cenários, décadas, mandarins de plantão, mas a história do Jornalismo, esse que é autêntico - não dos engravatadinhos e cheios de salamaleque -, permanece na dialética da Vida, com cheiro, não de cavalos, mas do povo, esse herói que tem sob seus pés rachados o motor da História. E com seu sorriso banguela dá gostosas gargalhadas, debochadas, quando consegue enxergar as fétidas nádegas dos tiranetes, selando assim o destino dos canalhas que vivem de sua desgraça...
É
verdade que o saudoso semanário, sempre à frente de seu tempo, não só mexia com
nossa pauta política, mas com nossos hormônios também: integrado por uma
plêiade de musas generosamente libertas do preconceito patriarcal da
casa-grande, as parceiras de redação, e de galhofa, como a saudosa e belíssima
Leila Diniz, permitiam ao irreverente jornal a desconstrução do falso-moralismo
oficioso. Como nenhum outro, O Pasquim
abriu literalmente nossas cabeças, nossos horizontes.
Aliás,
esse tipo de Jornalismo libertário, aparentemente franco-atirador, tinha
balizas bastante sólidas que o tempo constatou serem elaboradas e que fizeram
escola, até na à época chamada “grande imprensa” - caso do Folhetim, suplemento semanal da Folha de S.Paulo (sob direção do
Jornalista Claudio Abramo e equipe, que contratou ex-membros de O Pasquim, entre eles, Tarso de Castro,
Fortuna, Martha Alencar, Paulo Francis e Sérgio Augusto), empresa uma década
antes serviçal do regime de 1964, disponibilizando sua logística (sic)
e até uma publicação inteira (a finada Folha
da Tarde) para a Oban (Operação Bandeirante) e demais organizações
terroristas ligadas à linha-dura.
Logística
(destacada não por acaso), obviamente, hoje nos remete à inépcia e patacoada do
Pantaleão Patoaparte, que em sua santa ignorância comete a proeza de confundir
Amazonas com Amapá. Mas nos anos de chumbo a logística, na mão do temido
delegado Sérgio Paranhos Fleury, era sinônimo de morte sob tortura. Então, a
frota de caminhões “Ford” que o grupo “Folhas” (com “s”, por causa das três
edições: matutina, vespertina e noturna) havia recentemente adquirido com
recursos do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, ainda sem o
“Social”, incluído pelo general Ernesto Geisel em 1974, ao tomar posse como o
quarto presidente militar) era disponibilizado para as ações paramilitares sob
a sugestiva alcunha de “Operação Bandeirante” (Oban).
Na
Campo Grande da transição para a Novacap (nas palavras, com uma pitada de
ironia, do saudoso Professor Octaviano Gonçalves da Silveira Júnior),
publicações de vanguarda tentaram adaptar o cosmopolitismo dessa escola, mas
com resultados frustrantes, como no caso das memoráveis Grifo, da Edimat (Jornalistas que dispensam adjetivos: Mário
Ramires, Márcio Licerre e Marília Leite, e equipe, com destaque para a querida
Peninha e sua Maria Dadô), Tribuna (do
Jornalista e então Deputado Sérgio Cruz, em sociedade com o empresário B. de
Paula, com equipe bem enxuta, mas combativa e competente: Edson Moraes, Luiz
Gonzaga Bezerra e Kojak, entre outros), o efêmero O Jornal (de um grupo de Jornalistas novos, mas que acabaram
cedendo aos anseios políticos de um até então oposicionista que acabou aderindo
ao regime, Valdir Cardoso), o combativo Jornal
do Povo (do Jornalista e Deputado Sérgio Cruz, em cuja equipe de grandes
Jornalistas estavam Edson Moraes, José Eustáquio, Ivan Pacca, Lúcia Santos e
Kátia Seleguin, entre outros) e finalmente o Jornal da Cidade (que teve duas fases inovadoras e memoráveis, a
primeira com o saudoso Luca Maribondo e a segunda com Edson Moraes e Margarida
Galeano e respectivas equipes, com os Jornalistas Luiz Taques e Roberto
Chamorro).
Corumbá
também conheceu o Jornalismo de vanguarda no período anterior à divisão de Mato
Grosso e imediatamente posterior à criação de Mato Grosso do Sul, entre eles o Diário de Corumbá (desde o Jornalista
Carlos Paulo Pereira, fundador da segunda fase, a redação contou com expoentes,
como Jorcêne José Martinez, Montezuma Cruz, Clarimer M. Navarro, Ronei Nunes
Pereira, Adolfo Rondon Gamarra, Carlos Paulo Pereira Jr., Roberto Hernandes, Valdir
Nunes Pereira, Adelson M. Navarro e Márcio Nunes Pereira), Folha da Tarde (Renato Báez, Feliciano Batista Neto, Daniel de
Almeida Lopes, Luiz Gonzaga Bezerra, Pedro Gonçalves de Queiroz e Edson
Moraes), O Tempo (diário fundado em
1976 por Edson Moraes, em sociedade com o tipógrafo Manoel de Oliveira), A Gazeta (diário fundado em 1980 por
Márcio Nunes Pereira e Roberto Hernandes, que em sua breve existência tirou o
sono das elites locais), Tribuna Livre
(semanário fundado pelos Professores Valmir Batista Corrêa e Lúcia Salsa
Corrêa, em 1987, dirigido inicialmente por Manoel Vicente e depois por João
Carlos Urquidi), Ética (semanário
fundado em 1993 por Celso Pereira, de vida efêmera, responsável por uma série
de inovações, sobretudo pelas charges de Amilton Evangelista) e Correio de Corumbá (fundado em 1960 por
Vicente Bezerra Neto, nas décadas de 1970 e 1980 passou por duas linhas
editoriais bem conservadoras com os então vereadores Walmir Coelho e Airton
Pereira, mas sob a brava direção de Farid Yunes Solomini retomou sua orientação
de vanguarda política com as memoráveis charges do saudoso Augusto Alexandrino
dos Santos, o querido “Malah”, que levavam o pânico aos novos inquilinos do poder).
O
saudoso Malah contava com orgulho que certa feita os inquilinos do poder
tentaram processá-lo por causa de uma charge alusiva ao carnaval que repercutiu
muito entre os leitores, mas o processo não prosperou porque simplesmente os
acusadores cometeram um engano fatal com o nome do chargista. Não sabiam esses
afoitos inquilinos que, desde os mais remotos tempos, Jornalistas e Chargistas de
verdade contam com uma inexplicável proteção que os mais antigos atribuíam aos
mártires do ofício...
Ahmad Schabib
Hany
2 comentários:
Salve o jornalismo!
Isso mesmo, querida Amiga-Irmã-Companheira-Camarada Ana! Que viva o Jornalismo, sempre...
Há um jornalista do início do século XX chamado José Carrasco Torrico, boliviano, fundador em abril de 1904 do jornal "El Diario" (também chamado de "El decano de la prensa nacional"), que escreveu no editorial da primeira edição:
"La prensa hace la luz en las tinieblas y todo cuanto existe de progreso en el mundo se debe a su inagotable labor."
("A imprensa faz a luz nas trevas, e tudo quanto exista de progresso no mundo deve-se à sua inesgotável labor.")
É claro que o referido jornal acabou servindo às oligarquias que se sucederam na Bolívia, ao extremo de haver-se ligado à extrema-direita com o facínora Hugo Banzer Suárez, entre 1971 e 1982. E o interessante é que meu saudoso Irmão mais velho, Mohamed Schabib Hany, em outubro de 1970 (em apoio ao governo progressista de Juan José Torres), participou da ocupação do prédio do jornal, que entre outubro daquele ano e agosto de 1971 (quando Banzer deu o sangrento golpe militar) participou da expropriação e da cooperativa de trabalhadores que editou o jornal naquele período, como consta de seu expediente.
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