AUGUSTO GAETA ENCERRA UMA FASE ÉPICA DA CÂMARA
O falecimento do ex-vereador Augusto Fernandes
Gaeta, irmão do igualmente polêmico e combativo ex-deputado Cecílio de Jesus
Gaeta, encerra uma fase épica da Câmara Municipal de Corumbá, num tempo em que
o eleitor não podia eleger o prefeito.
O
falecimento do ex-vereador Augusto Fernandes Gaeta, aos 84 anos, dia 23 de
março, no Sítio do Pau Fincado (conforme reportou o Jornalista Adolfo Rondon),
encerra um período emblemático da história política de Corumbá. Num tempo em
que o eleitor corumbaense estava impedido de votar para prefeito e vice,
durante o regime de 1964, Augusto Gaeta encabeçava a bancada de vereadores da
oposição (MDB, Movimento Democrático Brasileiro), bem numerosa e combativa, na
Câmara Municipal de Corumbá.
Augusto,
irmão do ex-deputado Cecílio de Jesus Gaeta, aglutinava eleitores de todas as
camadas populares, tendo sido o mais votado nas eleições de 1972 e 1976, época
em que vereador não recebia qualquer remuneração no Brasil. Foi durante o
regime militar que o integrante do legislativo municipal passou a receber
proventos cada vez mais polpudos - embora os
apoiadores de Sérgio Moro e Jair Bolsonaro insistam em atribuir ao Estado
Democrático de Direito, instalado em 1988, todas as mazelas existentes
atualmente, sob o sugestivo epíteto de “mecanismo” (sic), do qual seus áulicos são hoje beneficiários.
Apesar
da Lei Falcão, que silenciara as campanhas eleitorais, as eleições de 1976
deram uma votação expressiva à oposição - 10 milhões de
votos, e à Arena 12 milhões, quando em 1972 a oposição recebera 7 milhões
contra 15 milhões para a Arena, um crescimento de 40% com toda a censura
imposta aos comícios -, foram eleitos, na bancada do
MDB de Corumbá, Augusto Gaeta, Jonas de Souza Ribeiro, Gerry da Conceição
Mansilha, José de Oliveira, Rubens Galharte (Joilce Viegas de Araújo, eleito
pela Arena, ingressou no PMDB com a reforma partidária, em 1980). Como onze
eram os vereadores do município, a oposição era a bancada majoritária no
Legislativo corumbaense.
Como
bem analisou o Jornalista Edson Moraes no portal MS Notícias, em maio de 2020, Gaeta mobilizava as camadas populares
de Corumbá e Ladário, ainda que os dois irmãos estivessem longe de representar
o pensamento socialista. Ao contrário dos comícios dos candidatos da Arena, que
se valiam de celebridades, inclusive do futebol, o gaetismo era alimentado pelo
descontentamento popular com os rumos da política sob a batuta da caserna. A
emblemática rosa, que deu origem ao “roseiral” representado pelo eleitor dos
irmãos Gaeta, foi uma genial ideia de uma senhora filha de refugiado político
espanhol, a querida Dona Eva Granha de Carvalho, que, ao levar com ela as
amigas que participavam da Legião de Maria, da Igreja Católica, lhes dava uma
rosa para entregar ao então jovem candidato a deputado Cecílio de Jesus Gaeta.
Os
arenistas de todos os matizes decidiram se unir contra o deputado Gaeta em
1974. Para consumar a estratégia, contrataram um jornalista oriundo de Goiás,
Daniel de Almeida Lopes, que era diretor do vespertino Folha da Tarde, cuja sede funcionava nas dependências da Rádio
Difusora Mato-grossense S/A, a poucos metros da Praça Independência, no Centro
de Corumbá. Além de dirigir o vespertino, tinha sobre si a responsabilidade de
escrever todos os dias crônicas bem ácidas com o intuito de corroer as bases do
gaetismo, que já se agigantava. Assim, na Folha
da Tarde, num quadro de duas colunas, fazia suas análises ao gosto dos
arenistas, sob o título de “Os dilemas de Gaeta”; no matutino Diário de Corumbá, então sob a direção
do Jornalista Carlos Paulo Pereira Júnior (o Jornalista Roney Nunes Pereira,
seu primeiro diretor depois do fundador, Jornalista Carlos Paulo Pereira,
falecera subitamente em abril daquele ano, e o jornal, para sobreviver, havia
feito uma parceria com a Rádio Clube de Corumbá, sob a direção dos empresários
Fauze e Armando Anache, ligados à Arena) “Reflexões sobre a moral”, também em
duas colunas, e no matutino O Momento,
historicamente ligado à União Democrática Nacional (UDN), base da Arena a
partir de 1965, uma terceira coluna, também de duas páginas, cujo nome não lembro.
O
fato é que nas eleições estaduais de 1974, o Deputado Jesus Gaeta não só foi
reeleito, como se sagrou campeão de votos na região e um dos mais votados
naquele pleito. A consequência imediata dessa acachapante derrota foi a
dissolução da aliança estratégica, formalizada como Consórcio Corumbaense de
Comunicação (CCC), com sede na Pioneira (Rádio Difusora), tendo sob seu
controle um matutino (O Momento), um
vespertino (Folha da Tarde) e um
semanário (Correio de Corumbá), além
da parceria com a Rádio Clube e o Diário
de Corumbá. A Folha da Tarde e a
Rádio Difusora ficaram sob a direção do jornalista Daniel Lopes, que se
transformou em uma escola de Jornalismo com a contratação do saudoso Jornalista
Luiz Gonzaga Bezerra e a revelação do brilhante Jornalista Edson Moraes, mas
divergências internas entre os sócios e o diretor, que tinha projetos
megalomaníacos para o à época chamado Grupo Folhas (pois, além de ter contratado
os serviços da Agência France Presse e criado o semanário esportivo SÓSPORT e a
Agência Mato-grossense de Notícias, pretendia lançar a Folha da Manhã e a Folha da
Noite), levaram a empresa a leilão para quitação de dívidas trabalhistas e
a saída do jornalista Daniel Lopes.
A
divisão de Mato Grosso, que levou à criação de Mato Grosso do Sul, interrompeu
a saga de Gaeta, que tardiamente investiu em projeto de comunicação. Só em
1983, em seu mandato derradeiro, é que ele implantou uma emissora, Atalaia, e um diário, O Combate, inicialmente dirigido pelo
incansável Jornalista Kojak e com a participação da Jornalista Tânia. O
rompimento de Gaeta com o Doutor Wilson Barbosa Martins, emedebista histórico e
primeiro governador eleito pelo voto direto, minou as hostes do gaetismo. Ao
contrário do que os apoiadores do regime de 1964 diziam, o seu eleitorado era
exigente, não vendia seu voto e trazia consigo a centelha trabalhista da qual
Corumbá, em seus tempos de apogeu econômico, era uma verdadeira usina de
líderes.
Independentemente
de gostar ou não, o gaetismo foi a derradeira chama política de uma Corumbá à
vanguarda e carregada de protagonismo. Décadas antes com Otacílio Faustino da
Silva, Edu Rocha e irmãos Lins. Depois, a promessa de uma geração banida por
1964, representada pelos jovens médicos Cleto Leite de Barros, Salomão Baruki e
Fadah Scaff Gattas (do Partido Social Democrático, o PSD de Juscelino
Kubitschek) e pelo advogado Rômulo do Amaral (do Partido Social Progressista,
PSP, de Adhemar de Barros), vítima de fraude eleitoral na última eleição para
prefeito, em 1965, conforme histórica pesquisa do Professor Valmir Batista
Corrêa.
A
eternização do ex-vereador Augusto Gaeta e a mudança de domicílio eleitoral do
ex-deputado Jesus Gaeta para Nobres (MT), onde reside até hoje, encerram um período
emblemático da política corumbaense, em plena resistência ao regime de 1964. A
despeito do populismo messiânico e do personalismo despolitizado que os
críticos atribuem à atuação política do ex-deputado, a ousadia e irreverência
encontraram eco no descontentamento popular com os rumos da política sob a
batuta castrense, bem longe dos propósitos cosmopolitas construídos ao longo de
décadas anteriores, em que a rosa trabalhista (ou socialista) revitalizava e
nutria a esperança de tempos generosos para as classes trabalhadoras no coração
do Pantanal.
Ahmad Schabib
Hany
Nenhum comentário:
Postar um comentário