domingo, 28 de março de 2021

AUGUSTO GAETA ENCERRA UMA FASE ÉPICA DA CÂMARA

AUGUSTO GAETA ENCERRA UMA FASE ÉPICA DA CÂMARA

O falecimento do ex-vereador Augusto Fernandes Gaeta, irmão do igualmente polêmico e combativo ex-deputado Cecílio de Jesus Gaeta, encerra uma fase épica da Câmara Municipal de Corumbá, num tempo em que o eleitor não podia eleger o prefeito.

O falecimento do ex-vereador Augusto Fernandes Gaeta, aos 84 anos, dia 23 de março, no Sítio do Pau Fincado (conforme reportou o Jornalista Adolfo Rondon), encerra um período emblemático da história política de Corumbá. Num tempo em que o eleitor corumbaense estava impedido de votar para prefeito e vice, durante o regime de 1964, Augusto Gaeta encabeçava a bancada de vereadores da oposição (MDB, Movimento Democrático Brasileiro), bem numerosa e combativa, na Câmara Municipal de Corumbá.

Augusto, irmão do ex-deputado Cecílio de Jesus Gaeta, aglutinava eleitores de todas as camadas populares, tendo sido o mais votado nas eleições de 1972 e 1976, época em que vereador não recebia qualquer remuneração no Brasil. Foi durante o regime militar que o integrante do legislativo municipal passou a receber proventos cada vez mais polpudos - embora os apoiadores de Sérgio Moro e Jair Bolsonaro insistam em atribuir ao Estado Democrático de Direito, instalado em 1988, todas as mazelas existentes atualmente, sob o sugestivo epíteto de “mecanismo” (sic), do qual seus áulicos são hoje beneficiários.

Apesar da Lei Falcão, que silenciara as campanhas eleitorais, as eleições de 1976 deram uma votação expressiva à oposição - 10 milhões de votos, e à Arena 12 milhões, quando em 1972 a oposição recebera 7 milhões contra 15 milhões para a Arena, um crescimento de 40% com toda a censura imposta aos comícios -, foram eleitos, na bancada do MDB de Corumbá, Augusto Gaeta, Jonas de Souza Ribeiro, Gerry da Conceição Mansilha, José de Oliveira, Rubens Galharte (Joilce Viegas de Araújo, eleito pela Arena, ingressou no PMDB com a reforma partidária, em 1980). Como onze eram os vereadores do município, a oposição era a bancada majoritária no Legislativo corumbaense.

Como bem analisou o Jornalista Edson Moraes no portal MS Notícias, em maio de 2020, Gaeta mobilizava as camadas populares de Corumbá e Ladário, ainda que os dois irmãos estivessem longe de representar o pensamento socialista. Ao contrário dos comícios dos candidatos da Arena, que se valiam de celebridades, inclusive do futebol, o gaetismo era alimentado pelo descontentamento popular com os rumos da política sob a batuta da caserna. A emblemática rosa, que deu origem ao “roseiral” representado pelo eleitor dos irmãos Gaeta, foi uma genial ideia de uma senhora filha de refugiado político espanhol, a querida Dona Eva Granha de Carvalho, que, ao levar com ela as amigas que participavam da Legião de Maria, da Igreja Católica, lhes dava uma rosa para entregar ao então jovem candidato a deputado Cecílio de Jesus Gaeta.

Os arenistas de todos os matizes decidiram se unir contra o deputado Gaeta em 1974. Para consumar a estratégia, contrataram um jornalista oriundo de Goiás, Daniel de Almeida Lopes, que era diretor do vespertino Folha da Tarde, cuja sede funcionava nas dependências da Rádio Difusora Mato-grossense S/A, a poucos metros da Praça Independência, no Centro de Corumbá. Além de dirigir o vespertino, tinha sobre si a responsabilidade de escrever todos os dias crônicas bem ácidas com o intuito de corroer as bases do gaetismo, que já se agigantava. Assim, na Folha da Tarde, num quadro de duas colunas, fazia suas análises ao gosto dos arenistas, sob o título de “Os dilemas de Gaeta”; no matutino Diário de Corumbá, então sob a direção do Jornalista Carlos Paulo Pereira Júnior (o Jornalista Roney Nunes Pereira, seu primeiro diretor depois do fundador, Jornalista Carlos Paulo Pereira, falecera subitamente em abril daquele ano, e o jornal, para sobreviver, havia feito uma parceria com a Rádio Clube de Corumbá, sob a direção dos empresários Fauze e Armando Anache, ligados à Arena) “Reflexões sobre a moral”, também em duas colunas, e no matutino O Momento, historicamente ligado à União Democrática Nacional (UDN), base da Arena a partir de 1965, uma terceira coluna, também de duas páginas, cujo nome não lembro.

O fato é que nas eleições estaduais de 1974, o Deputado Jesus Gaeta não só foi reeleito, como se sagrou campeão de votos na região e um dos mais votados naquele pleito. A consequência imediata dessa acachapante derrota foi a dissolução da aliança estratégica, formalizada como Consórcio Corumbaense de Comunicação (CCC), com sede na Pioneira (Rádio Difusora), tendo sob seu controle um matutino (O Momento), um vespertino (Folha da Tarde) e um semanário (Correio de Corumbá), além da parceria com a Rádio Clube e o Diário de Corumbá. A Folha da Tarde e a Rádio Difusora ficaram sob a direção do jornalista Daniel Lopes, que se transformou em uma escola de Jornalismo com a contratação do saudoso Jornalista Luiz Gonzaga Bezerra e a revelação do brilhante Jornalista Edson Moraes, mas divergências internas entre os sócios e o diretor, que tinha projetos megalomaníacos para o à época chamado Grupo Folhas (pois, além de ter contratado os serviços da Agência France Presse e criado o semanário esportivo SÓSPORT e a Agência Mato-grossense de Notícias, pretendia lançar a Folha da Manhã e a Folha da Noite), levaram a empresa a leilão para quitação de dívidas trabalhistas e a saída do jornalista Daniel Lopes.

A divisão de Mato Grosso, que levou à criação de Mato Grosso do Sul, interrompeu a saga de Gaeta, que tardiamente investiu em projeto de comunicação. Só em 1983, em seu mandato derradeiro, é que ele implantou uma emissora, Atalaia, e um diário, O Combate, inicialmente dirigido pelo incansável Jornalista Kojak e com a participação da Jornalista Tânia. O rompimento de Gaeta com o Doutor Wilson Barbosa Martins, emedebista histórico e primeiro governador eleito pelo voto direto, minou as hostes do gaetismo. Ao contrário do que os apoiadores do regime de 1964 diziam, o seu eleitorado era exigente, não vendia seu voto e trazia consigo a centelha trabalhista da qual Corumbá, em seus tempos de apogeu econômico, era uma verdadeira usina de líderes.

Independentemente de gostar ou não, o gaetismo foi a derradeira chama política de uma Corumbá à vanguarda e carregada de protagonismo. Décadas antes com Otacílio Faustino da Silva, Edu Rocha e irmãos Lins. Depois, a promessa de uma geração banida por 1964, representada pelos jovens médicos Cleto Leite de Barros, Salomão Baruki e Fadah Scaff Gattas (do Partido Social Democrático, o PSD de Juscelino Kubitschek) e pelo advogado Rômulo do Amaral (do Partido Social Progressista, PSP, de Adhemar de Barros), vítima de fraude eleitoral na última eleição para prefeito, em 1965, conforme histórica pesquisa do Professor Valmir Batista Corrêa.

A eternização do ex-vereador Augusto Gaeta e a mudança de domicílio eleitoral do ex-deputado Jesus Gaeta para Nobres (MT), onde reside até hoje, encerram um período emblemático da política corumbaense, em plena resistência ao regime de 1964. A despeito do populismo messiânico e do personalismo despolitizado que os críticos atribuem à atuação política do ex-deputado, a ousadia e irreverência encontraram eco no descontentamento popular com os rumos da política sob a batuta castrense, bem longe dos propósitos cosmopolitas construídos ao longo de décadas anteriores, em que a rosa trabalhista (ou socialista) revitalizava e nutria a esperança de tempos generosos para as classes trabalhadoras no coração do Pantanal.

Ahmad Schabib Hany

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