terça-feira, 28 de abril de 2020
SÉRGIO BITTENCOURT - EU QUERO 1974
Eu quero que você me ame
Que você me chame quando precisar
Eu quero saber ir embora
Sem ter dia e hora pra poder voltar
Eu quero enquanto o tempo passa que você na raça
saiba me ganhar
Eu quero ter a vida inteira
Pra fazer besteira e você perdoar
O que eu sei hoje da vida
Até Deus duvida e eu vou te ensinar
Eu sei dizer tudo que eu sinto
E até o que eu não sinto pra me disfarçar
Eu sei calar na hora exata
Eu sei que a dor não mata mas pode marcar
Eu sei traçar a minha meta
Ninguém é poeta por saber rimar
E por falar em poesia
Vai raiar o dia e eu vou te buscar
Eu quero juro de verdade
Que toda cidade veja eu te levar
Por todos os meus descaminhos
Somos tão sozinhos que o melhor mesmo é se dar
Eu quero que você se dane
E mesmo que eu te engane
É assim que eu sei te amar...
Taiguara - Modinha (Sérgio Bittencourt, 1968)
No festival da TV Excelsior, em 1968, os então jovens Taiguara e Sérgio Bittencourt são sagrados vencedores tanto na interpretação impecável de Taiguara como na letra, do ainda amador, mas filho do grande Jacob do Bandolim, Sérgio.
Elizeth Cardoso - "Naquela mesa" (Sergio Bittencourt)
Elizeth Cardoso e Sérgio Bittencourt, em programa da TV Record, interpretam o samba-lamento de Sérgio para o pai, Jacob do Bandolim, diante da mãe, Dona Adylla Bittencourt.
segunda-feira, 27 de abril de 2020
DUAS FARSAS DAS MESMAS TRINTA MOEDAS
Charge de Cristóvão Villela, publicada em A Postagem
DUAS
FARSAS DAS MESMAS TRINTA MOEDAS
A demissão de Sérgio Moro, “fritado
em fogo brando” ao mesmo tempo que Bebianno, Lorenzoni, Mandetta e Guedes (o
próximo da lista), evidencia a total falta de compromisso e de lealdade de
Bolsonaro. Por seu turno, o ex-juiz celebrizado pela “Leva Jeito”, como fiel
serviçal do Departamento de Justiça dos EUA, permaneceu na moita à frente do
Ministério da Justiça, o que o iguala a seu chefe.
Enfim chegou ao fim uma “lua-de-mel”
que nada tinha de “lua” e muito menos de “mel”. Pelo menos desde fevereiro de
2019 (apenas quarenta dias da posse), Bolsonaro e Moro já começavam a se
estranhar e sabiam que esse relacionamento estava fadado ao fracasso. Porque
ele fora concebido em meio a um contexto de refrega sórdida em que não havia
construção, e sim destruição — e governar é sinônimo de construir, em todos os
sentidos, inclusive da soberania do país. Chega a ser um mistério como possa
ter demonstrado uma sobrevida de mais de 14 meses quando no segundo mês de
governo as fissuras já estavam expostas...
Em plena expansão da pandemia de
covid-19 no Brasil, numa recaída de seus acessos de inveja e ciúmes — porque em
sua mente rasa só o próprio pode ser a constelação inteira para brilhar, como
centro das atenções —, o atual inquilino do Palácio do Planalto decidiu, sem
razões justificáveis, passar por cima do Ministro da Justiça e Segurança
Pública para demitir o atual diretor-geral da Polícia Federal. Tudo para
“blindar” o filho que vem sendo investigado (atualmente, pois em pouco tempo
outro será a bola da vez, porque todos têm processos em diferentes instâncias),
ou mesmo retaliação à atual coordenação da Lava Jato, que na segunda-feira
emitiu nota repudiando as manifestações antidemocráticas das quais o ocupante
do cargo mais importante da República participou e apoiou.
Dizer que um juiz experiente, com 22
anos de magistratura (seis dos quais sob os holofotes da mídia, que o
transformou em herói enquanto viajava periodicamente à sede do império para
receber as orientações e contatos, sob pretexto de fazer palestras ou cursos), foi
vítima de sua boa-fé, isso é demais. Moro, a bem da verdade, em nada deve a
Bolsonaro: ele é o responsável pelo desmonte do Estado Democrático de Direito
com todo aquele séquito de imbecis “cançados” (com “c” dedilhado tamanha a sua
ignorância idiomática, como ficou patente em cartazes com requintes de um
glamour embolorado, com as fétidas fragrâncias de marcas importadas da
perfumaria e das bebidas destiladas carcomidas pela obsolescência de um tempo
anacrônico, que só existe em suas mentes obtusas).
Bolsonaro é quem deve a “eleição” a
Moro, cujo comportamento flagrantemente parcial foi constatado por juristas do
mundo todo, sobretudo pelos conservadores, que insistem em atribuir ao Estado,
com todas as evidências de esgotamento de suas instituições, uma perenidade que
a própria extrema-direita se encarrega de destruir, quando se declara “antissistema”,
como os “discípulos” de Olavo de Carvalho, o “guru” da dinastia dos PR, patetas
recalcados. Quem ainda insistir em padecer de santa ingenuidade pueril basta
recorrer às inúmeras hemerotecas digitais (arquivos de edições das diferentes publicações
nacionais e estrangeiras, em sua grande maioria antipetista) para relembrar a
prática do nefasto legado de Joseph Goebbels, o homem da propaganda nazista de
Adolf Hitler.
E, de tanto repetir a mentira, a
farsa acabou virando “verdade”: o juiz que fez vista grossa aos envolvidos do
Caso Banestado (como denunciou o pemedebista histórico Roberto Requião,
ex-governador e ex-senador do Paraná, crítico incansável da política econômica
da Presidenta Dilma Rousseff que nunca foi filiado ao PT) de repente vira
herói, a despeito de existirem denúncias de que sua (sic) “conje” Rosângela
Moro era sócia do escritório de advocacia especializado em acordos para delação
premiada, que então inexistiam na jurisprudência brasileira. Da mesma forma, o “ovo
da serpente” do fascismo brasileiro, o obscuro e obtuso deputado federal Jair Bolsonaro,
acaba ficando “bonito na foto”, pela incompetência dos tucanos e seus
comparsas, que perdem a corrida ao pote de ouro para um psicopata defensor de
torturadores e de milicianos a quem até então ninguém, absolutamente ninguém, ousaria
deixar transportar seus filhos em veículo por ele pilotado, digo, dirigido.
Se no plano dos amos e senhores da
Casa Branca “daria tudo certo”, a realidade mostrou precisamente o contrário: a
economia chegou ao colapso (antes da pandemia, basta ver os indicadores dos
últimos 14 meses, até fevereiro, até por conta das provocações contra a China,
maior parceiro comercial do país), a política ficou instável (pelo
desequilíbrio do próprio chefe de Estado, que vive a fustigar seus aliados), a
soberania nacional foi violada e estuprada (e, pior, nem com o ajutório dos
Estados Unidos, conseguiram dar de presente a Embraer com todo seu know-how para
a Boeing, estatal americana ligada ao setor estratégico do império). Em nenhum
momento o herói de Curitiba foi capaz de auxiliar o seu chefe a não enveredar
por tais caminhos mostrando-lhe a necessidade de preservar a segurança jurídica
para afirmar o Brasil como nação séria, confiável e protagonista. Aliás, assim
era vista no tempo em que Lula e Dilma foram chefe de Estado e de governo.
Agora não. A maior vergonha de
qualquer cidadão consciente é ver aquele que se diz presidente a ofender a primeira-dama
da França, presidida por um conservador (portanto, de direita); a debochar da
menina sueca que se preocupa com o meio ambiente; a falar mal e descumprir as
orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), da qual o Brasil é
Estado-membro, em atitudes que mais lembram integrantes de hordas de
recalcados/as a demonstrar uma força desnecessária e muitas vezes
desproporcionais. Mas, quando esse mesmo ser bizarro vê o desqualificado
presidente fraudulentamente eleito dos Estados Unidos (tal qual George W. Bush,
o filho) parece entrar em catarse orgástica, sem qualquer pudor ou discrição,
como o fez na Assembleia Geral das Nações Unidas, quando lhe disse “eu amo você”...
Este momento da história do Brasil me
faz lembrar, mais uma vez, meu saudoso e querido Pai, que com muito humor
recordava uma anedota árabe em que um beduíno brigava com seu camelo, que
ficara emburrado e não queria prosseguir a viagem pelo deserto. Cansado das
tentativas “inteligentes”, decide recorrer à força para demovê-lo de sua
teimosia, mas é o beduíno que sai perdendo, porque o camelo lhe deu um coice
certeiro que o jogou a alguns metros. Então, dando a mão à palmatória,
reconhece: “Em força você me ganha, mas em inteligência estamos quites...”
Empate técnico entre Moro e
Bolsonaro: “Em ardil você me ganha, mas em ética estamos quites...” Pobre país
que precisa de heróis de barro, atolados na lama até o pescoço. E o pior, em
plena pandemia da covid-19, em que precisamos de estadista, e não aventureiro
de calças perdidas.
Ahmad
Schabib Hany
domingo, 26 de abril de 2020
O MESTRE AGRIPINO SE TORNOU ESTRELA
Foto: Francisco M. da Costa, 2002 (Dossiê IPHAN 8, 2009)
O MESTRE AGRIPINO SE TORNOU ESTRELA
“Silêncio, morreu um poeta no morro...”
A talentosa Alcione, em 1976, celebrizou
“A morte de um poeta”, de Totonho e Paulinho Rezende, que é a exata descrição
deste momento em que se eterniza, aos 101 anos, o nosso eterno e terno Poeta da
viola de cocho e do cururu e siriri, Mestre Agripino Soares de Magalhães (1918
— 2020), nascido em Poconé (MT) e que viveu e se dedicou ao resgate da
identidade cultural pantaneira em Corumbá (MS).
Domingo,
26 de abril de 2020. A manhã de outono sufocante nestes dias tórridos em solo
pantaneiro nos traz a desalentadora notícia de que o Mestre Agripino Soares de
Magalhães, o centenário Poeta da viola de cocho e do cururu e siriri, se
eternizou “como um pássaro cantor quando vem o entardecer”, nos sábios versos
de Totonho e Paulinho Rezende, compositores de “A morte de um poeta”,
celebrizadas por Alcione em 1976 (disponível pelo link youtube.com/watch?v=aBJwiC6LDWI).
Chegado
de Poconé (MT) aos nove anos de idade, Seu Agripino foi acolhido por uma
família corumbaense que lhe ensinou o duro ofício dos adultos da casa, o de
estivador, no então movimentado porto de Corumbá, cidade que adotou e por cuja
cultura lutou até os últimos dias de vida. Vivendo e convivendo com os
ribeirinhos, nunca abandonou a arte a que sua família se dedicava — a confecção
da viola de cocho e a manifestação do cururu e siriri —, fato constatado em
fins da década de 1970 pela Professora Eunice Ajala Rocha em sua dissertação de
Mestrado, sob a coorientação dos historiadores Valmir Batista Corrêa e Lúcia
Salsa Corrêa.
Tive
a honra e o privilégio de conhecer o senhor Agripino em um evento promovido
pela saudosa Professora Eunice, em 1979, em que apresentava um grupo de cururueiros
dirigido pelo agora saudoso Poeta da viola de cocho, a entoar: “Moça morena cor
de canela / Moça morena cor de canela / Entra na cozinha / Que eu te espero na
janela...” Não faltavam mentes colonizadas, que torciam o nariz, a despeito da
riqueza identitária que o grupo de pantaneiros generosamente oferecia aos
espectadores inebriados com aquela (sic) “novidade” (porque havia se tornado
invisibilizada pela chamada cultura de massas, introduzida pela indústria
cultural, em especial pelo inevitável modismo, em detrimento das raízes, que, a
bem da verdade, nunca seduziram as elites econômicas, assumidamente
identificadas com o “modo americano de vida”).
Tio-avô
da Professora Cristiane Sant’Anna de Oliveira (irmão de sua saudosa Avó), o
Mestre Agripino, entre 1994 e 2001, participou com a modéstia que lhe era
peculiar das atividades do Pacto Pela Cidadania (Movimento Viva Corumbá), sob a
coordenação do saudoso Dom José Alves da Costa, e a partir de agosto de 1999 do
Padre Pasquale Forin. Lado a lado com o Poeta Balbino G. de Oliveira e o
saudoso Doutor Walter Wolmar Rien, foi um entusiasta participante das
conquistas milimétricas durante a construção da participação social no Programa
BID Pantanal, que incluía a revitalização das atividades e espaços culturais do
Pantanal nos dois estados. Em setembro de 2001, no anfiteatro da Cidade Dom
Bosco, perante um público de mais de oitocentas pessoas que lotavam o espaço,
na presença do saudoso Padre Ernesto Sassida como anfitrião do evento, o Mestre
Agripino encantou todos os participantes, sobretudo jovens corumbaenses e
visitantes de Campo Grande ligados à Secretaria de Estado de Meio Ambiente,
Cultura e Turismo (Semactur).
Pois,
graças à “teimosia” da querida Professora Eunice e à sensibilidade e
determinação da igualmente saudosa e querida Professora Heloísa Helena da Costa
Urt, a nossa sempre presente Helô, no início da década de 2000, quando assumiu
a gestão da Casa de Cultura Luiz de Albuquerque (ILA), em substituição ao
também querido Amigo Augusto César Proença, decorrente da troca de titulares da
Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, trouxe o Mestre Agripino para o
projeto pioneiro de fabricação de viola de cocho e promoveu uma série de
eventos para a difusão do cururu e do siriri, tendo inserido nossos mestres nos
projetos de valorização então em curso em Mato Grosso e fazendo dessas
manifestações culturais identitárias centro das atenções em níveis local e
regional.
A
partir de então o que restava da extinta Funarte (Centro Nacional de Folclore e
Cultura Popular) e depois o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) integrou Corumbá e Ladário, como cidades de Mato Grosso do
Sul, ao processo de salvaguarda do modo de fazer da viola de cocho, no contexto
da manifestação do cururu e do siriri, como patrimônio imaterial da cultura
brasileira. Entre os vários documentos, há o Dossiê Iphan nº 8, que
reúne todas as iniciativas pioneiras, bem documentado e ilustrado, publicado em
2009 pelo IPHAN, disponível pelo link ipatrimonio.org/wp-content/uploads/2017/05/PatImDos_ModosFazerViolaCocho_m.pdf .
O
fato é que com o esvaziamento, no governo golpista de Michel Temer, do
Ministério da Cultura e o rebaixamento de status no desgoverno do psicopata que
tomou de assalto os destinos da nação, reduzindo acintosamente as verbas para a
Cultura e desestimulando o incentivo às atividades artístico-culturais via Lei
de Incentivo à Cultura e Lei Rouanet, o longo e demorado processo (no sentido
histórico) de valorização da cultura popular perdeu a necessária prioridade, e
seus protagonistas, como o Mestre Agripino, voltaram a entrar em vertiginosa
invisibilização. Não é demais afirmar que quem votou no estrupício tem
participação no desmonte da soberania popular por meio da interrupção do
fortalecimento das culturas e das identidades nacionais, então em curso.
No
próximo 25 de maio, Dia do Senhor Divino, a viola de cocho do Mestre Agripino,
com a sua fita vermelha, como explicara em 2002 para pesquisadores do Centro
Nacional de Cultura Popular do IPHAN (“cada santo tem sua cor”), não estará a
tocar para os devotos. Pela primeira vez em mais de quatro décadas, desde que o
Mestre decidiu não fugir às suas raízes pantaneiras, como poconeano-corumbaense
de quatro costados (ou melhor “de chapa e cruz”). Partiu a exatos trinta dias da
celebração do Senhor Divino. Mas, no dizer do poeta e jornalista Sérgio
Bittencourt, de saudosa memória, em sua belíssima homenagem ao pai, Jacob do
Bandolim, em 1974, eternizada na voz da saudosa Elizeth Cardoso, A Divina: “Naquela
mesa está faltando ele, e a saudade dele está doendo em mim...” (disponível
pelo link youtube.com/watch?v=2dpHFDKtoY ).
Homenagens
póstumas nem sempre são oportunas, porque fica em nossas consciências o que não
foi feito enquanto o homenageado estava entre nós. Mas no caso de um Mestre da
estatura do agora saudoso Poeta da viola de cocho e do cururu e siriri Agripino
Soares de Magalhães, nada mais justo que, primeiramente, um decreto municipal
de luto oficial por três dias e a denominação de algum espaço público destinado
à cultura com o seu honrado nome, corretamente grafado (porque equivocadamente
disseminaram-se diversas formas de grafar o seu nome completo, o que inspira dúvida
no momento de consultá-lo por meios digitais). É o mínimo que Corumbá deve
fazer em sua homenagem.
Até
sempre, querido Mestre Poeta Agripino, e obrigado por seu generoso legado, e
agora por existir como uma estrela cintilante, a nos orientar pela eternidade!
Ahmad Schabib Hany
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