quarta-feira, 22 de junho de 2022

FORA DA CASINHA

Fora da casinha

Muitos entram para a história por serem ‘fora da curva’, mas este governo, de fato, já entrou para o folclore político por ser fora da casinha. E o pior é que vive fazendo tudo fora da casinha...

Assim que minha Família chegou a Corumbá, na segunda metade do século XX, ainda era comum as pessoas se referirem ao sanitário (WC ou toalete para os que gostam de nomes importados para esse cômodo indissociável de nossa condição humana e que nos iguala a todos, sem exceção) pelo clássico termo ‘casinha’. É porque então era uma dependência -- sobretudo nas construções mais antigas e nas modestas, da maioria da população -- localizada fora da edificação principal da moradia. Muitas vilas de casas populares, aliás, tinham o uso comum (às vezes coletivo, como nas escolas) da casinha, por conta da otimização de fossas (tratadas com cal virgem), pois vasos com caixas de descarga e as demais instalações hidráulicas eram uma raridade, de elevadíssimo custo.

No século XXI, a locução nominal ‘fora da casinha’ ganhou uma, muitas vezes, simpática acepção: diz respeito ao comportamento excepcional (sentido lato) de alguém. Longe de querer fazer um trocadilho, mas é o que temos assistido, sobretudo a partir de 2019, no contexto de Brasília. Muitos ‘fora da casinha’ fazendo a coisa literalmente fora da ‘casinha’. E olha que o Palácio do Planalto foi construído entre os fins da década de 1950 e o começo dos anos 1960, com base em um projeto futurista de um gênio como Oscar Niemayer...

Nesta oportunidade não vamos nos ater aos episódios mais palpitantes da semana, em que ninguém menos que o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, também ex-reitor da Universidade Mackenzie (de São Paulo), passou pelo constrangimento de ser detido por ordem de um juiz de primeira instância por evidências de ter recebido vantagens de alguns pastores envolvidos no escândalo que o levaram à sua demissão. Só relembrarei o velho adágio popular, que nos ensina sabiamente que “pimenta nos olhos dos outros é refresco”. Lembram-se dos últimos dias do governo da Presidente Dilma Rousseff, em que juízes seguidores daquele da ‘leva jeito’, que acabaram beneficiando a insólita eleição do atual inquilino do Planalto, mandavam à torta e à direita prender e soltar os assessores e ex-assessores de Lula e Dilma? Agora é a vez de eles experimentarem o pão frio, ou seria duro? “Quem com ferro fere...”

Vamos aos fatos mais recentes (porque faríamos uma enciclopédia se fôssemos elencar todos). Um presidente que se expõe ao ridículo ao propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para uma estatal vinculada ao Poder Executivo, quando ele é detentor do maior cargo hierárquico e, se tem evidências de ilícitos, é seu dever exigir auditoria por meio das vias institucionais, sob pena de cometer crime de prevaricação. Em vez de dar exemplo e trabalhar pelo menos oito horas por dia, fica perdendo tempo com casos que ele mesmo cria, quando deveria ser ele o líder e resolver, pelas vias institucionais, as questões pertinentes ao cargo, até para fazer jus ao seu salário, que hoje não é o maior porque ele mesmo permitiu que militares da reserva pudessem acumular o soldo com os salários como detentores de cargos civis da administração pública. Finalmente, essa sua obsessão de que não confia nas urnas, só piora sua popularidade: o eleitor vê nessas atitudes seu medo de perdedor (o povo não gosta de perdedores, sobretudo dos maus perdedores!), e, pior, levando consigo instituições da República cujos dirigentes ficam a fazer coro a esse desespero e que só traz instabilidade institucional.

Em síntese, o conjunto de atitudes ‘fora da casinha’ o desqualifica como estadista e, na ótica do cidadão comum, que hoje sente na carne (digo, no bolso de muitos e no estômago de amplas camadas da população) a ausência de gestão nos mais triviais atos de governo. Ficar atribuindo ‘culpa’ (palavrinha medieval!) aos outros é confissão de incompetência, prova de que desconhece o funcionamento das instituições. E, se isso não fosse tudo, estimular conflito com os outros Poderes, sobretudo com o Judiciário, e colocar as Forças Armadas como subalternas do atual inquilino do Planalto nos remete ao tempo em que ele estava na caserna e, por mau comportamento, respondeu a várias punições e só não virou desertor pela benevolência do então ministro do Exército, que o poupou dessa humilhação. Para o eleitor, tudo isso depõe contra qualquer candidato, sobretudo aquele que tem o ônus de estar no exercício do mandato e não se comporta como um gestor competente e um estadista capaz de reconhecimento mundial.

Sem maiores delongas, o atual ocupante do Planalto se comporta como o maior cabo eleitoral de seu principal adversário nesta eleição, cuja popularidade (do oponente) se consolida toda vez que o ex-capitão perde a compostura. Ele mesmo (o atual inquilino do Planalto) já admitiu, de viva voz, semanas atrás, a um seleto grupo de investidores no Fórum Investimento Brasil 2022, em São Paulo, de que não leva jeito para o cargo. A autocrítica é louvável, mas a recorrência nos erros demonstra desespero, desequilíbrio e desqualifica o agente político que não demonstra capacidade de superação.

A humildade, o claro e sincero respeito ao outro, é a verdadeira grandeza de uma pessoa pública, seja ela qual for, em qual cargo estiver ou qual cargo pretender, seu gênero ou sua orientação sexual. Até porque ser presidente, governador ou prefeito não é sinônimo de ‘deus do Olimpo’, detentor de poderes sobre-humanos e atemporais. A História está repleta de episódios traumáticos de pretensos ‘seres superiores’ saídos da escória da política, hoje no lixo da história, que causaram males irreversíveis a seu povo -- ou melhor, à humanidade, porque o que acontece com um povo repercute em toda a humanidade, e só não enxerga quem não tiver sensatez e empatia --, como Nero, Hitler, Mussolini, Stroessner, Banzer, Pinochet, Videla, García Meza, Fujimori etc.

Corumbá, terra que respira História por todos os lados, me ensinou muito. Mesmo sem terem essa pretensão, muitos queridos Amigos de longa caminhada, como Seu Jorge Katurchi, Armando Lacerda, Professor Valmir Corrêa, Seu Augusto César Proença, Dona Eva Granha de Carvalho, Marlene Peninha Mourão, Seu Arlindo Diniz, Juvenal Ávila, João de Souza Alvarez, e os saudosos, também, Márcio Nunes Pereira, Dom José Alves da Costa, Padre Pascoal Forin, Seu João Gonçalves Miguéis, Padre Ernesto Sassida, Pastor Antônio Ribeiro, Issam Said, Doutor Lamartine Costa, Dona Gabriela Soeiro, Helô Urt, Seu Ariodê Martins Navarro, entre outros não menos importantes, me fizeram despertar para a sutileza que tem o comportamento humano. A delicadeza com que se tratam os humildes dá a exata dimensão da magnanimidade de cada um de nós, indistintamente.

Mas não pode ser artificial, fruto de marqueteiros. Precisa ser espontânea, sincera, vinda do fundo da alma. Amor em vez de ódio. Esperança em vez de medo. Vida em vez de fundamentalismo.

Ahmad Schabib Hany

sábado, 18 de junho de 2022

COMEMORANDO O QUÊ?

Comemorando o quê?

Aquele que admitiu a um seleto grupo de investidores não levar ‘jeito’ para o cargo estava indisfarçavelmente exultante, três dias depois de confirmada oficialmente a execução do Jornalista Dom Philips e do Indigenista Bruno Pereira, numa ‘motociata’ na capital do estado em que as vítimas foram alvo de tocaia, para perplexidade da opinião pública internacional.

Que não leva ‘jeito’ para o mais importante cargo da República, isso nunca foi novidade. Não é preciso ser um expert para constatar os estragos de um político que diz não ser político, mas não só passou quase toda a vida vivendo da política como enfiou quase toda a sua prole na política. E agora, em pleno exercício do cargo, participa acintosa e indisfarçavelmente exultante de uma ‘motociata’ com apoiadores em Manaus, três dias depois de oficialmente ter sido confirmada execução com requintes de crueldade, no extremo oeste do Amazonas, do Jornalista Dom Philips e do Indigenista Bruno Pereira, dois defensores da Amazônia pelos quais o mundo voltou sua preocupação sobre o Brasil.

Teria havido algum compromisso público inadiável, como dignitário, na capital do estado em que foram vitimados os reconhecidos defensores da Amazônia, do patrimônio natural por ela representado e dos povos da floresta?

Quando, no início de 2021, a covid-19 fizera do Amazonas o epicentro da pandemia e as pessoas infectadas pelo novo coronavírus padeciam por falta de oxigênio e remédios para assegurar a sobrevivência dos doentes, teria ele se deslocado com igual presteza a fim de demonstrar o apoio e a solidariedade da principal autoridade às vítimas e às famílias enlutadas?

Como perguntar não ofende, será que seus assessores mais próximos lhe explicaram alguma vez que, assim como a Vida é princípio de direitos, o princípio da dignidade humana faz parte das cláusulas pétreas da carta constitucional de todo Estado de Direito digno do nome?

A opinião pública internacional, sobretudo os colegas dele, está com seu olhar voltado para o Brasil, até porque apenas começaram as investigações sobre mais essa vergonhosa iniciativa das quadrilhas que vivem das ilegalidades e agora se sentem representadas e incentivadas por muitos integrantes do primeiro escalão do atual inquilino do Palácio do Planalto, muitos deles célebres por fazerem apologia à impunidade, como ‘deixar passar a boiada’.

A propósito, esse ex-ministro do Meio Ambiente que ganhou a triste notoriedade pela ousada soberba ao pretender ensinar o ardil da prevaricação, gravada em vídeo oficial de uma reunião ministerial judicialmente tornado público, recebeu alguma sanção de alguma instituição republicana?

Qualquer cidadão medianamente informado sabe que todo servidor público, inclusive o detentor do mais alto cargo da República, deve cumprir com o que a lei determina e também observar os protocolos condizentes com a função pública e, sobretudo, as mais comezinhas regras de comportamento e normas de urbanidade e empatia comuns a todos os seres humanos do planeta. Sabemos todos, também, que nem nos momentos mais críticos da pandemia de covid-19 ele demonstrou qualquer gesto espontâneo de empatia e solidariedade.

Deixemos de hipocrisia: não se trata de uma coincidência inocente o regozijo em mais uma ‘motociata’, desta feita em Manaus, capital do estado em que Dom Philips e Bruno Pereira foram martirizados. Trata-se da expressão mais autêntica da abominável coalizão de hordas saídas dos fétidos porões embolorados da história que conseguiram tirar do âmago os sentimentos mais canhestros que todo humano pode trazer em seu subconsciente.

Não é demais trazer para estes tempos sombrios o emblemático Sermão da Montanha, em que Jesus ensina as bases da Doutrina Cristã, sintetizada em Mateus 5:39: “Mas eu lhes digo: Não resistam ao perverso. Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra.” Portanto, não é cristão o comportamento daqueles que recorrem à violência com requintes de crueldade contra os que veem como inimigos por estarem em posições antagônicas, mas nem por isso ilegítimas, na defesa da Amazônia, sua biodiversidade e proteção dos povos da floresta, como Dom Philips e Bruno Pereira.

E todo cuidado é pouco quando se trata de reconhecidas figuras dessas hordas que vivem a tergiversar as Escrituras ao sabor de interesses inconfessáveis, como os fariseus denunciados por Jesus em diversas ocasiões, alguns deles envolvidos nas acusações que levaram Pôncio Pilatos, em nome do Império Romano, a prender e condenar Jesus.

Ahmad Schabib Hany

LATUF - "A LUTA CONTINUA"

 


quinta-feira, 16 de junho de 2022

Ladainha dos Defensores e Defensoras da Amazônia


 

Canto de um dos povos originários, na voz imortal de BRUNO PEREIRA


 

DOM PHILIPS E BRUNO PEREIRA PRESENTES!

Dom Philips e Bruno Pereira presentes!

Dom Philips, Jornalista renomado, colaborador dos maiores jornais do planeta, deixou inconclusa uma obra para salvar a Amazônia e as populações originárias e tradicionais. Bruno Pereira, Indigenista respeitado, servidor da FUNAI exonerado da chefia por ter punido garimpeiros flagrados em terras indígenas, pediu licença do órgão para continuar sua missão de proteger os povos da floresta e o Bioma amazônico. Ao contrário dos mandantes e dos executores, eles estão presentes pela eternidade e servirão de inspiração para milhares de novos Dom Philips, Bruno Pereira, Chico Mendes, Dorothy Stang, Marçal de Souza e tantos outros, anônimos.

Enganam-se aqueles que recorrem à execução dos que veem como inimigos porque estão imbuídos de causas maiores, da proteção de povos oprimidos e saqueados, da defesa do patrimônio natural (que não pertence a X, Y ou Z, mas às populações originárias e tradicionais e, por extensão, à humanidade). Com seu gesto criminoso e desatinado (na verdade, burro, pois atiram contra si mesmos) estes seres bizarros, saídos do lixo da história, fortalecem contra a sua vontade as pessoas de boa vontade que querem ‘acabar de vez’.

Alguém, por acaso, sabe o nome dos verdugos/carrascos que enforcaram, esquartejaram e salgaram os restos mortais de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, protomártir da independência do Brasil? A despeito de a condenação ter-lhe usurpado o direito dos descendentes de usar seu sobrenome e usufruir de seus bens, é o seu nome e codinome o que ecoa, reverbera, séculos depois de seu esquartejamento sórdido e desatinado. Não do juiz e do procurador da coroa (com minúscula, por favor), que poucos conhecem e não faremos qualquer gesto de divulgá-los, para que fiquem sob os escombros da tirania.

Foi o que aconteceu com Túpac Katari, líder de ascendência incaica (portanto, originário) nos Andes, e que ao ser esquartejado profetizou que voltaria aos milhões. Dito e feito: ao servir de inspiração às novas gerações de resistentes andinos, ele, de fato, se transformou em milhões, para desespero de gente como Jeanine Áñez Chávez e seus sequazes, que hoje estão atrás das grades e respondem pelos crimes cometidos, em nome de uma raça branca, ‘europeia’: Bolívia, Peru e provavelmente domingo agora a Colômbia estão a reviver essa profecia.

Ainda que em escala menor, mas efetiva, ocorreu com o martírio de Chico Mendes, Dotothy Stang, Marçal de Souza e tantos outros, em sua maioria anônimos. Servem de inspiração para pessoas abnegadas e com elevada empatia que se inspiram nesses seres humanos à frente de seu tempo. Não é demais lembrar que quem saqueia, mata ou maltrata indígenas (ou for conivente) é atingido por uma praga -- isso mesmo, desgraça -- que atravessa gerações de seus descendentes. E não adianta tomar banho nas águas do Rio Jordão, para se livrar do crime, lá da Palestina de meus ancestrais...

Chico Mendes, executado por defender os seringueiros de Xapuri (AC) em 1988, era líder reconhecido no concerto das nações, tanto que ganhara um ano antes o Prêmio Global das Nações Unidas pela defesa dos povos da floresta e da Amazônia. No entanto, o povo brasileiro, em sua maioria, não o conhecia. Os fazendeiros que covardemente o mataram em sua própria casa pouco antes do Natal de 1988 não imaginavam estar, contra a sua vontade, eternizando um líder que inspira até hoje milhões de pessoas.

A Irmã Dorothy Stang, de uma congregação católica vocacionada para o serviço social, ao ser, igual e covardemente, assassinada, ganhou tanta repercussão que muitas meninas católicas quando se decidem pela vocação sacramental se inspiram nela, em todos os cantos do Mundo. Até porque, assim como Chico Mendes, seu legado é inspirador: apesar da idade avançada, dedicava-se ao apoio de trabalhadores rurais sem terra, vítimas da exploração feudal (isto é, pré-capitalista) que ainda ocorre em pleno terceiro milênio.

O líder Guarani Marçal de Souza, Tupã’i (Deus Pequeno), é outro mártir, executado em 1983, primeiros meses do governo democrático do Doutor Wilson Barbosa Martins, o que lhe causou enormes constrangimentos, pois era defensor incansável da demarcação das terras indígenas e da reforma agrária (algumas das razões de sua cassação em 1965 pelos golpistas de 1964). Passados quase 40 anos, a mensagem de Tupã’i, testemunhada pelo Papa João Paulo II (hoje São João Paulo II) em Campo Grande, reverberam e cativam as consciências libertas, especial e particularmente, de jovens de todas as etnias, tanto entre as populações originárias como nas amplas camadas da população brasileira, sedentas de justiça social.

Obviamente, o assassinato do Jornalista Dom Philips e do Indigenista Bruno Pereira causa dor e indignação a todos os cidadãos do Mundo conscientes do relevante papel por eles desempenhado. O livro que Dom estava escrevendo, sobre como salvar a Amazônia, está irremediavelmente inconcluso. A missão de Bruno, licenciado da FUNAI para continuar a proteger os povos originários no extremo oeste da Amazônia (já que no órgão não mais podia fazer), também abruptamente interrompida, está prejudicada. Mas não é só isso: as Famílias enlutadas, os colegas e amigos desolados e, inclusive, a perda de dois seres humanos de rara excelência para a humanidade, todas as espécies e o Planeta...

Depois de terem sido encontrados pedaços de corpos do Jornalista Dom Philips e do Indigenista Bruno Pereira, organizações e representantes da sociedade civil em todo o mundo, tomadas de perplexidade e indignação, se manifestaram para prestar irrestrita solidariedade às Famílias dessas duas vítimas excelsas e exigir apuração rigorosa para identificar os mandantes da execução e as razões do crime praticado com requintes de crueldade. Todas as manifestações são unânimes em cobrar uma postura diferente do governo federal, ao contrário das intermináveis e lentas investigações sobre a execução da Vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ) e seu motorista, Anderson dos Santos.

Assim escreveu, indignada, a advogada e colunista do UOL Isabela Del Monde: “Por Dom e Bruno e os povos indígenas, tiremos do poder quem odeia o Brasil”. Aliás, é o título de sua coluna neste Corpus Christi, dia em que os corpos esquartejados de Dom e de Bruno estão sendo resgatados do meio da floresta que representou sua razão de ser ao longo de décadas. As vozes desses gigantes que souberam dar voz aos silenciados da Amazônia não se calaram, agora elas se manifestam em milhões (talvez bilhões) de vozes cidadãs pelo mundo afora. O despertar de novas consciências e o fortalecimento da proteção dos mais vulneráveis, inclusive na Amazônia, haverão de trazer o raiar do novo tempo de que tanto clama a humanidade, seja pelo futuro do Planeta, seja pelo futuro dos Povos da Floresta, cuja existência (e resistência) assegura o futuro do Planeta.

Ahmad Schabib Hany

terça-feira, 14 de junho de 2022

CONFIDÊNCIA INSÓLITA

Confidência insólita

Candidato à reeleição, ele diz que não leva jeito para ser presidente. A insólita confidência se deu em São Paulo, durante sua visita ao Fórum de Investimentos Brasil 2022.

Dia 14 de junho, durante a realização do Fórum de Investimentos Brasil 2022, em São Paulo, o inquilino do Palácio do Planalto despejou o que poderia ser chamado de insólita confidência ante a perplexidade dos participantes: “Não tinha nada para estar aqui, nem levo jeito. Nasci para ser militar, fiquei por 15 anos no Exército Brasileiro, entrei pra política meio por acaso. Passei 28 anos dentro da Câmara.”

É lucidez ou desatino?

O que passa pela cabeça daquele que deveria ter cabeça suficiente para assumir seus compromissos republicanos e se responsabilizar pelos destinos de nada menos que 214 milhões de almas que habitam um país de dimensões continentais.

Para assegurar três refeições por dia a toda a população (ou pelo menos às camadas mais vulneráveis); acesso aos serviços de saúde, educação e assistência social enquanto política pública efetiva e permanente; nível de renda acima dos mínimos sociais, como preconizado pelas leis posteriores à Constituição Cidadã; qualidade de vida sustentável, com saneamento básico (água potável e rede de esgoto) e meio ambiente saudável, com todos os padrões sanitários consignados em normativas legais.

Para fortalecer as instituições democráticas, duramente construídas nas últimas décadas graças à perseverança de gerações passadas, as quais devem ser prestigiadas, a despeito das campanhas sórdidas de saudosos de tempos sombrios.

Para consolidar a pujança de um país com atributos de potência mundial da paz mundial e do combate à fome, da justiça social e da soberania popular. Jamais nação caudatária do império decadente ou de potência militar do século XIX.

Para preparar um país vocacionado a uma nova ordem internacional (não “mundial”, no dizer dos saudosos do colonialismo), em que o respeito aos direitos humanos, ambientais e nutricionais seja princípio norteador, e à multipolaridade no concerto das nações. Eis a orientação de quem se propuser a ocupar o principal cargo da República.

Complexidade e problemas abissais há de sobra. Desde antes do bicentenário Dia do Fico (quando o então príncipe herdeiro do império português, Pedro de Alcântara Bragança e Bourbon revelou a sua vontade de permanecer no Brasil, tornando-se, assim, Pedro I do recém-criado Império do Brasil).

Porque um dignitário não vê obstáculos, enxerga desafios; não se subordina a supostos ‘líderes’ estrangeiros (como, por exemplo, Donald Trump), mas desperta a admiração e o respeito de seus colegas para seguir seu exemplo, sua trajetória.

É verdade que não são poucas as mentes pouco iluminadas, dominadas pelo narcisismo e outras perturbações, que tendem para a vida pública à procura de um ‘lugar ao sol’, mas acabam por impor sombras e obscurantismo, para fazer a ‘sua luz brilhar’.

Não há dúvida que a tecnologia acelerou o processo de interação entre vários grupos das mais variadas tendências humanas. Sobretudo recalcadas. Esses ‘guetos’, que durante décadas (senão séculos) permaneceram nos subterrâneos das sociedades, encontraram o seu momento de glória na última década, por uma conjunção de fatores.

O fato é que, em poucos anos, toda a expectativa criada se dissipou, também por uma série de fatores, levando amplas camadas à frustração. Claro que os fanáticos teimam em arranjar justificativas das mais inverossímeis, como para tapar o sol com a peneira.

É fato, também, que tivemos um retrocesso de seis décadas em seis anos. O mais grave deles está na área social, em que educação, saúde, assistência social, acessibilidade, cultura, ciência e tecnologia, desportos, direitos humanos, desenvolvimento urbano, habitação, segurança pública, saneamento básico, agricultura familiar, reforma agrária, transportes, demarcação de terras indígenas, igualdade racial, protagonismo juvenil, empoderamento feminino e reconhecimento à diversidade de gênero sofreram ataques sistemáticos e cortes de verbas injustificáveis.

Em síntese, o desmonte do Estado e da política estruturante de bem-estar social diluiu a qualidade de vida, conforme constatado pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e outros índices de desenvolvimento social pelas agências multilaterais.

Em síntese, a falta de aptidão para o mais importante cargo da República se evidencia na tragédia social, ambiental, tecnocientífica e institucional que nos faz padecer. Isto, aliás, ficou flagrante desde o primeiro dia desta gestão. Porque ser estadista não é ser reles gestor, gerente, das diferentes áreas administrativas de um complexo organograma em que se traduz a administração democrática de uma nação.

Foi, sem dúvida, oportuna a confidência presidencial: é o sinal verde para ser promovido o encontro entre a fome e a vontade de comer, literalmente. Cestas básicas populares, em vez de leite condensado superfaturado; farmácia popular brasileira, em vez de estimulante sexual, prótese peniana ou gel lubrificante vaginal para poucos; produtos da agricultura familiar, em vez das iguarias importadas a preços extorsivos.

Não dá mais para vermos o desdém com as tragédias ocorridas com as camadas mais vulneráveis da população. Pior: passou da hora de ser resgatado o digno clamor popular por seus mais básicos direitos à vida, com dignidade e altivez.

Ahmad Schabib Hany