Dom
Philips e Bruno Pereira presentes!
Dom Philips, Jornalista
renomado, colaborador dos maiores jornais do planeta, deixou inconclusa uma
obra para salvar a Amazônia e as populações originárias e tradicionais. Bruno Pereira,
Indigenista respeitado, servidor da FUNAI exonerado da chefia por ter punido
garimpeiros flagrados em terras indígenas, pediu licença do órgão para
continuar sua missão de proteger os povos da floresta e o Bioma amazônico. Ao
contrário dos mandantes e dos executores, eles estão presentes pela eternidade
e servirão de inspiração para milhares de novos Dom Philips, Bruno Pereira,
Chico Mendes, Dorothy Stang, Marçal de Souza e tantos outros, anônimos.
Enganam-se aqueles que recorrem à execução dos que
veem como inimigos porque estão imbuídos de causas maiores, da proteção de
povos oprimidos e saqueados, da defesa do patrimônio natural (que não pertence
a X, Y ou Z, mas às populações originárias e tradicionais e, por extensão, à
humanidade). Com seu gesto criminoso e desatinado (na verdade, burro, pois atiram
contra si mesmos) estes seres bizarros, saídos do lixo da história, fortalecem
contra a sua vontade as pessoas de boa vontade que querem ‘acabar de vez’.
Alguém, por acaso, sabe o nome dos verdugos/carrascos
que enforcaram, esquartejaram e salgaram os restos mortais de Joaquim José da
Silva Xavier, o Tiradentes, protomártir da independência do Brasil? A despeito
de a condenação ter-lhe usurpado o direito dos descendentes de usar seu
sobrenome e usufruir de seus bens, é o seu nome e codinome o que ecoa,
reverbera, séculos depois de seu esquartejamento sórdido e desatinado. Não do
juiz e do procurador da coroa (com minúscula, por favor), que poucos conhecem e
não faremos qualquer gesto de divulgá-los, para que fiquem sob os escombros da
tirania.
Foi o que aconteceu com Túpac Katari, líder de ascendência incaica (portanto, originário) nos Andes, e que ao ser esquartejado profetizou
que voltaria aos milhões. Dito e feito: ao servir de inspiração às novas
gerações de resistentes andinos, ele, de fato, se transformou em milhões, para
desespero de gente como Jeanine Áñez Chávez e seus sequazes, que hoje estão
atrás das grades e respondem pelos crimes cometidos, em nome de uma raça
branca, ‘europeia’: Bolívia, Peru e provavelmente domingo agora a Colômbia
estão a reviver essa profecia.
Ainda que em escala menor, mas efetiva, ocorreu
com o martírio de Chico Mendes, Dotothy Stang, Marçal de Souza e tantos outros,
em sua maioria anônimos. Servem de inspiração para pessoas abnegadas e com
elevada empatia que se inspiram nesses seres humanos à frente de seu tempo. Não
é demais lembrar que quem saqueia, mata ou maltrata indígenas (ou for
conivente) é atingido por uma praga -- isso mesmo, desgraça -- que atravessa
gerações de seus descendentes. E não adianta tomar banho nas águas do Rio
Jordão, para se livrar do crime, lá da Palestina de meus ancestrais...
Chico Mendes, executado por defender os
seringueiros de Xapuri (AC) em 1988, era líder reconhecido no concerto das
nações, tanto que ganhara um ano antes o Prêmio Global das Nações Unidas pela defesa
dos povos da floresta e da Amazônia. No entanto, o povo brasileiro, em sua
maioria, não o conhecia. Os fazendeiros que covardemente o mataram em sua
própria casa pouco antes do Natal de 1988 não imaginavam estar, contra a sua
vontade, eternizando um líder que inspira até hoje milhões de pessoas.
A Irmã Dorothy Stang, de uma congregação católica
vocacionada para o serviço social, ao ser, igual e covardemente, assassinada,
ganhou tanta repercussão que muitas meninas católicas quando se decidem pela
vocação sacramental se inspiram nela, em todos os cantos do Mundo. Até porque,
assim como Chico Mendes, seu legado é inspirador: apesar da idade avançada,
dedicava-se ao apoio de trabalhadores rurais sem terra, vítimas da exploração
feudal (isto é, pré-capitalista) que ainda ocorre em pleno terceiro milênio.
O líder Guarani Marçal de Souza, Tupã’i (Deus
Pequeno), é outro mártir, executado em 1983, primeiros meses do governo
democrático do Doutor Wilson Barbosa Martins, o que lhe causou enormes
constrangimentos, pois era defensor incansável da demarcação das terras
indígenas e da reforma agrária (algumas das razões de sua cassação em 1965
pelos golpistas de 1964). Passados quase 40 anos, a mensagem de Tupã’i,
testemunhada pelo Papa João Paulo II (hoje São João Paulo II) em Campo Grande,
reverberam e cativam as consciências libertas, especial e particularmente, de
jovens de todas as etnias, tanto entre as populações originárias como nas
amplas camadas da população brasileira, sedentas de justiça social.
Obviamente, o assassinato do Jornalista Dom
Philips e do Indigenista Bruno Pereira causa dor e indignação a todos os
cidadãos do Mundo conscientes do relevante papel por eles desempenhado. O livro
que Dom estava escrevendo, sobre como salvar a Amazônia, está irremediavelmente
inconcluso. A missão de Bruno, licenciado da FUNAI para continuar a proteger os
povos originários no extremo oeste da Amazônia (já que no órgão não mais podia
fazer), também abruptamente interrompida, está prejudicada. Mas não é só isso:
as Famílias enlutadas, os colegas e amigos desolados e, inclusive, a perda de
dois seres humanos de rara excelência para a humanidade, todas as espécies e o Planeta...
Depois de terem sido encontrados pedaços de corpos
do Jornalista Dom Philips e do Indigenista Bruno Pereira, organizações e
representantes da sociedade civil em todo o mundo, tomadas de perplexidade e
indignação, se manifestaram para prestar irrestrita solidariedade às Famílias
dessas duas vítimas excelsas e exigir apuração rigorosa para identificar os
mandantes da execução e as razões do crime praticado com requintes de
crueldade. Todas as manifestações são unânimes em cobrar uma postura diferente
do governo federal, ao contrário das intermináveis e lentas investigações sobre
a execução da Vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ) e seu motorista, Anderson dos
Santos.
Assim escreveu, indignada, a advogada e colunista do
UOL Isabela Del Monde: “Por Dom e Bruno e os povos indígenas, tiremos do poder
quem odeia o Brasil”. Aliás, é o título de sua coluna neste Corpus Christi, dia
em que os corpos esquartejados de Dom e de Bruno estão sendo resgatados do meio
da floresta que representou sua razão de ser ao longo de décadas. As vozes desses
gigantes que souberam dar voz aos silenciados da Amazônia não se calaram, agora
elas se manifestam em milhões (talvez bilhões) de vozes cidadãs pelo mundo
afora. O despertar de novas consciências e o fortalecimento da proteção dos
mais vulneráveis, inclusive na Amazônia, haverão de trazer o raiar do novo
tempo de que tanto clama a humanidade, seja pelo futuro do Planeta, seja pelo
futuro dos Povos da Floresta, cuja existência (e resistência) assegura o futuro
do Planeta.
Ahmad
Schabib Hany
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