Confidência
insólita
Candidato à reeleição, ele diz
que não leva jeito para ser presidente. A insólita confidência se deu em São
Paulo, durante sua visita ao Fórum de Investimentos Brasil 2022.
Dia 14 de junho, durante a realização do Fórum de
Investimentos Brasil 2022, em São Paulo, o inquilino do Palácio do Planalto
despejou o que poderia ser chamado de insólita confidência ante a perplexidade
dos participantes: “Não tinha nada para estar aqui, nem levo jeito. Nasci para
ser militar, fiquei por 15 anos no Exército Brasileiro, entrei pra política
meio por acaso. Passei 28 anos dentro da Câmara.”
É lucidez ou desatino?
O que passa pela cabeça daquele que deveria ter cabeça
suficiente para assumir seus compromissos republicanos e se responsabilizar pelos
destinos de nada menos que 214 milhões de almas que habitam um país de
dimensões continentais.
Para assegurar três refeições por dia a toda a
população (ou pelo menos às camadas mais vulneráveis); acesso aos serviços de
saúde, educação e assistência social enquanto política pública efetiva e
permanente; nível de renda acima dos mínimos sociais, como preconizado pelas
leis posteriores à Constituição Cidadã; qualidade de vida sustentável, com
saneamento básico (água potável e rede de esgoto) e meio ambiente saudável, com
todos os padrões sanitários consignados em normativas legais.
Para fortalecer as instituições democráticas,
duramente construídas nas últimas décadas graças à perseverança de gerações
passadas, as quais devem ser prestigiadas, a despeito das campanhas sórdidas de
saudosos de tempos sombrios.
Para consolidar a pujança de um país com atributos
de potência mundial da paz mundial e do combate à fome, da justiça social e da
soberania popular. Jamais nação caudatária do império decadente ou de potência
militar do século XIX.
Para preparar um país vocacionado a uma nova ordem
internacional (não “mundial”, no dizer dos saudosos do colonialismo), em que o
respeito aos direitos humanos, ambientais e nutricionais seja princípio
norteador, e à multipolaridade no concerto das nações. Eis a orientação de quem
se propuser a ocupar o principal cargo da República.
Complexidade e problemas abissais há de sobra.
Desde antes do bicentenário Dia do Fico (quando o então príncipe herdeiro do
império português, Pedro de Alcântara Bragança e Bourbon revelou a sua vontade
de permanecer no Brasil, tornando-se, assim, Pedro I do recém-criado Império do
Brasil).
Porque um dignitário não vê obstáculos, enxerga
desafios; não se subordina a supostos ‘líderes’ estrangeiros (como, por exemplo,
Donald Trump), mas desperta a admiração e o respeito de seus colegas para
seguir seu exemplo, sua trajetória.
É verdade que não são poucas as mentes pouco
iluminadas, dominadas pelo narcisismo e outras perturbações, que tendem para a
vida pública à procura de um ‘lugar ao sol’, mas acabam por impor sombras e
obscurantismo, para fazer a ‘sua luz brilhar’.
Não há dúvida que a tecnologia acelerou o processo
de interação entre vários grupos das mais variadas tendências humanas.
Sobretudo recalcadas. Esses ‘guetos’, que durante décadas (senão séculos)
permaneceram nos subterrâneos das sociedades, encontraram o seu momento de
glória na última década, por uma conjunção de fatores.
O fato é que, em poucos anos, toda a expectativa
criada se dissipou, também por uma série de fatores, levando amplas camadas à
frustração. Claro que os fanáticos teimam em arranjar justificativas das mais
inverossímeis, como para tapar o sol com a peneira.
É fato, também, que tivemos um retrocesso de seis
décadas em seis anos. O mais grave deles está na área social, em que educação,
saúde, assistência social, acessibilidade, cultura, ciência e tecnologia,
desportos, direitos humanos, desenvolvimento urbano, habitação, segurança pública,
saneamento básico, agricultura familiar, reforma agrária, transportes, demarcação
de terras indígenas, igualdade racial, protagonismo juvenil, empoderamento
feminino e reconhecimento à diversidade de gênero sofreram ataques sistemáticos
e cortes de verbas injustificáveis.
Em síntese, o desmonte do Estado e da política estruturante
de bem-estar social diluiu a qualidade de vida, conforme constatado pelo IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) e outros índices de desenvolvimento social pelas
agências multilaterais.
Em síntese, a falta de aptidão para o mais
importante cargo da República se evidencia na tragédia social, ambiental,
tecnocientífica e institucional que nos faz padecer. Isto, aliás, ficou flagrante
desde o primeiro dia desta gestão. Porque ser estadista não é ser reles gestor,
gerente, das diferentes áreas administrativas de um complexo organograma em que
se traduz a administração democrática de uma nação.
Foi, sem dúvida, oportuna a confidência
presidencial: é o sinal verde para ser promovido o encontro entre a fome e a
vontade de comer, literalmente. Cestas básicas populares, em vez de leite
condensado superfaturado; farmácia popular brasileira, em vez de estimulante
sexual, prótese peniana ou gel lubrificante vaginal para poucos; produtos da
agricultura familiar, em vez das iguarias importadas a preços extorsivos.
Não dá mais para vermos o desdém com as tragédias
ocorridas com as camadas mais vulneráveis da população. Pior: passou da hora de
ser resgatado o digno clamor popular por seus mais básicos direitos à vida, com
dignidade e altivez.
Ahmad
Schabib Hany
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